Raul Randon procura um espaço no escritório para pendurar o título honorífico que vai receber em maio da Universidade de Pádua, na Itália. Uma extensa coleção de diplomas, medalhas e prêmios ocupa praticamente todas as paredes da sala e antessalas do seu local de trabalho, em Caxias do Sul (RS).
O empresário varre o espaço com o olhar uma vez, duas… Sorrindo, como sempre faz enquanto fala, diz que uma opção pode ser deslocar dois retratos seus – um ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva e outro com Dilma Rousseff.
“Vamos ter que procurar um lugar especial”. Não se trata de um título qualquer. Pádua concede apenas duas Laureas Honoris Causas por ano. As duas últimas foram dedicadas ao diretor de cinema Steven Spielberg e à ativista paquistanesa Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai. Entre brasileiros, antes de Randon só foi a Pádua receber a mesma homenagem, em 1996, o escritor Jorge Amado.
“Jorge Amado foi homenageado pelo que escreveu e eu…” A simplicidade de Raul Randon o faz parar de falar para meditar sobre o que em sua trajetória teria chamado a atenção da conceituada universidade e quão longe vem o reconhecimento pelo seu empreendedorismo.
Há pelo menos dois objetos que certamente não cederão lugar ao título italiano. No piso ao lado de sua mesa de trabalho fica uma macieira de plástico, que evoca os 1,1 mil hectares de cultivo de maçãs, umas das atividades à qual o empresário dedicou-se enquanto a Randon industrial crescia. No jardim da entrada da empresa fica uma velha bigorna, sua primeira ferramenta de trabalho.
Quando Raul Randon tinha 14 anos de idade o pai, Abramo, o chamou para ajudá-lo na oficina onde fabricava ferramentas usadas por imigrantes agricultores durante o processo de ocupação no Nordeste do Rio Grande do Sul. “Bati muito ferro”, diz o empresário que exibe grande vitalidade para os 88 anos de idade que completará no início de agosto. Embora tenha vivido a maior parte do tempo em Caxias do Sul, Randon é catarinense, da cidade de Tangará.
Apesar de “bater o cartão” no trabalho diariamente e cumprir jornadas de executivo, Randon, hoje na presidência do conselho, há tempos deixou a empresa pronta para a sucessão familiar. Mas, a exemplo do que decidiu em relação aos cinco filhos, nenhum neto tem direito a concorrer a uma vaga na empresa sem antes comprovar conclusão universitária, estudos no exterior e experiência em outras empresas.
A Randon é uma empresa de capital aberto desde o início da década de 70. Mas a família sempre deteve controle das ações ordinárias. O filho mais velho, David, passou para a presidência do grupo há cerca de dez anos, quando o pai decidiu ir para o comando do conselho. Ambos mantêm longas conversas diariamente.
A fórmula de sucesso de Randon mistura trabalho, família, amigos e lazer. Em 2006, a elegante festa de bodas de ouro do casamento com Nilva serviu para também inaugurar um galpão da fábrica de implementos. O empresário não abre mão de um carteado, faz atividade física, como natação, a filha médica é quem pega no seu pé a alimentação e seu dia quase sempre termina com algum evento social. O projeto de responsabilidade social criado há 15 anos, o Florescer, dedicado a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, é uma de suas paixões. Embora o empresário não fale muito sobre o assunto, é nítida a falta que sente do irmão Hercílio, seu parceiro de início de carreira, morto em 1989.
Randon exigiu dos filhos capricho nos estudos e fez questão que incluíssem no currículo a área de administração. “Eles tinham que se preparar para cuidar da empresa”, diz. Mas ele próprio foi um autodidata. O tempo de estudos que mais o marcou foi quando, ainda adolescente, para não precisar largar o trabalho na oficina do pai, passou a ter aulas particulares à noite com uma professora. Depois disso, tudo o que aprendeu, diz, foi em palestras que gosta de frequentar e das quais sempre tira alguma lição.
Raul Randon deixou a ferraria do pai quando, ao voltar do exército, o irmão Hercílio, quatro anos mais velho, ganhou um torno e o convidou para dividir o trabalho em uma oficina de reforma de motores. Logo depois, um amigo deu a ideia de produzir máquinas tipográficas. Mais tarde, no início dos anos 50, um incêndio destruiu oficina e a casa da família. Com a ajuda de amigos, que doaram até tijolos, os locais foram reerguidos.
Naquela época na simples e pacata Caxias do Sul era perceptível o avanço da extração de madeira na Serra Gaúcha. Estradas sinuosas, com declives, dificultavam o transporte das toras. O excesso de peso forçava os freios dos caminhões e provocava acidentes. Os irmãos Randon perceberam na produção de freios a ar para os reboques dos caminhões uma oportunidade de negócio. Na década de 50, com a abertura de estradas e estímulo do governo ao transporte rodoviário a empresa gaúcha começou a receber encomendas de todo o país.
Certo dia, chamou a atenção de Raul a história contada por um amigo sobre o avanço dos negócios com carretas na Europa. O empresário decidiu viajar para a Itália e Alemanha para conferir a informação. As feiras do setor encheram os seus olhos e o levaram a concluir que havia potencial para expandir negócios no Brasil.
Era o início da década de 70. Os irmãos decidiram que aquele era o momento de abrir o capital para captar recursos e planejar uma nova dimensão de fábrica, que teve a produção elevada de 700 carretas por ano para mil por mês. Pouco depois, a primeira exportação para o Uruguai marcou a expansão da Randon para fora do país. Hoje, a maior fabricante de reboques e semirreboques da América Latina está presente em todos os continentes.
A receita da Randon no exterior somou US$ 290 milhões em 2015. O grupo também produz caminhões fora de estrada e autopeças (Suspensys, Fras-Le, Master, JOST e Castertech), tem banco próprio e consórcio. A Rasip é uma empresa da família que faz parte da holding e engloba a produção de queijos e maçãs, exportadas para países como Holanda, Inglaterra e Estados Unidos.
O balanço anual da Randon será anunciado na sexta-feira. A companhia também sofreu com a fragilidade do mercado brasileiro de caminhões, fortemente afetado pela crise. Em 2015, a receita líquida consolidada da Randon somou RS$ 3,1 bilhões, uma queda de 18% na comparação com 2014. Seu fundador costuma, no entanto, dizer que não se pode desanimar nas crises, que “sempre chegam, mas vão embora, depois”.
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