Ferrogrão vai influenciar no preço da Bolsa de Chicago

Guilherme Quintella lidera um grupo bilionário disposto a
fazer uma ferrovia ao custo de R$ 12,6 bilhões, no meio da Floresta Amazônica.
Com quase mil quilômetros, a Ferrogrão irá conectar os principais centros
produtores do Centro-Oeste ao porto de Miritituba, no Pará. O empresário de 56
anos, garante que, mesmo com valores estrondosos e com 100% de capital privado,
o projeto é viável.

“Nenhum lugar do mundo produz a quantidade de coisas
que o Mato Grosso produz e não tem acesso à infraestrutura decente”, diz o
presidente da EDLP (Estação da Luz Participações), apostando numa mudança de
patamar do país quando a ferrovia estiver pronta. “Mato Grosso vai
influenciar no preço da Bolsa de Chicago”.

Membro do board da UIC (União Internacional de Ferrovias),
Quintella lida com o sistema ferroviário desde a época das estatais e diz ser
necessário uma mudança de paradigma para que as ferrovias evoluam e, principalmente,
voltem a transportar passageiros. “Ferrovia não pode funcionar para meia
dúzia”, afirmou em entrevista à Agência iNFRA.

Agência iNFRA – A mudança nas condições políticas de alguma
forma afeta os planos de investimento na Ferrogrão?

Guilherme Quintella – A gente estava para fazer um road show
em junho e julho. Esses movimentos políticos criaram volatilidade no mercado,
desfavorável para qualquer tipo de iniciativa dessas, nesse momento. Temos que
esperar um pouco para ver se o mercado sossega de novo e deve ter um delay de
uns 15 dias. Isso é um lado. Mas o processo continua. Quem olha para isso, olha
para a demanda, para o projeto em si, que tem mérito, que é de longo prazo.

Ninguém está olhando isso para um investimento de curto prazo.

Há alguma desconfiança de que o grupo não tenha capacidade para
levantar os recursos para a concessão da Ferrogrão. O grupo tem essa capacidade
ou falta algo?

Não vejo dificuldade para o equity do projeto, desde que
seja desenhado da forma que estudamos e apresentamos ao governo, que é a forma
que dá viabilidade ao investidor privado.

Tem alguma chance de mudar isso?

Pelo que entendemos, não. Falamos de uma ferrovia com um
determinado nível de operação, uma condição de financiado do BNDES, que já
discutimos com o banco e estamos avançando cada vez mais, além das discussões
com os órgãos do governo. Tudo indica que estamos caminhando no sentido de ter
um projeto licitável e com propostas. Não é o equity a grande dificuldade. Há
disposição do grupo de aporte, e o que temos que conseguir de aporte suplementar
não é difícil no perfil do projeto que estamos desenvolvendo.

E qual é a dificuldade?

É ter estabilidade no país. Não só desse projeto, mas de
todos os investimentos. Vemos empresários e investidores interessados no que
vinha acontecendo na economia brasileira e nas medidas econômicas tomadas pelo
governo, mas que ficaram assustados de novo. O grande entrave é macro, do pais.
No projeto em si não vejo dificuldade, após quase 5 anos. Ele tem méritos
suficientes para que ande conforme o previsto.

Que méritos são esses?

A Ferrogrão não é obra. É um sistema de transportes. É a
primeira vez que a obra não é o fim em si, aqui. A obra é pouco importante
perto do sistema. As empresas já investiram um bilhão de dólares nesse sistema
e a obra nem começou. O sistema inclui barcaça, empurrador, navio, porto,
distribuição na Europa. As tradings do projeto olham a Ferrogrão como um
sistema definitivo de consolidação da produção do Mato Grosso para influenciar
no preço da Bolsa de Chicago. Como o preço do transporte é alto e ainda tem
muito alto e baixo, Mato Grosso ainda tem influência menor do que deveria na
fixação de preço da Bolsa. Na hora que tem um corredor robusto como esse, o
cara plantar ou não definirá muito mais o preço de Chicago do que define hoje.

Fazer uma ferrovia para praticamente só uma carga não é um
risco muito elevado?

Nós fizemos com uma empresa competente uma avaliação de
risco. Todo projeto tem risco. Falar que não tem, é bobagem. O único risco que
não foi identificado no projeto é de demanda. Ela é superconsistente. Lembrando
que, além da EDLP, temos cinco tradings (ADM, Bunge, Cargill, AMaggi e Louis
Dreyfus) que movimentam quase 90% da exportação de grãos no país, que conhecem
isso com muita profundidade. Cruzamos informações, trocamos ideias e, antes de
lançar a PMI, já tínhamos certeza da demanda. Todas as avaliações de risco,
todas, apontam risco com obra, com financiamento, com risco país. Mas falta de
demanda, não foi identificada em nenhuma.

Outros três projetos ferroviários também querem chegar à
região produtora de soja no norte do Mato Grosso, além de uma rodovia. Vai ter
carga para todo mundo?

Mato Grosso é maior que França e Itália juntas. A França tem
de malha ferroviária de 32 mil quilômetros. A Itália, 16 mil. O Mato Grosso tem
600 quilômetros de ferrovia. É razoável que se pense que o estado precise ter
quatro mil quilômetros. Tem que ter ferrovia lá para cacete. Os estudos da
Ferrogrão contemplam toda a infraestrutura prevista nos planos PIL e PAC,
inclusive a navegação da Hidrovia Teles Pires/Tapajós, que tem uma discussão
ambiental; e do Araguaia até Barra do Garça. Em todos os cenários, a Ferrogrão
vai ser responsável por mais de 55% do volume de grãos de exportação do Mato
Grosso, na pior das hipóteses. Isso tem uma lógica. É porque é mais perto do
destino. É uma lógica econômica. Não é lógica de doutrina, que não seja econômica.
É mais barata porque está mais perto do hemisfério norte que é o destino.

E ele é viável mesmo com uma operação complexa que precisa
de transbordos de embarcações? Consegue ser economicamente eficiente?

Não só pela distância, mas pela eficiência também. O sistema
é propenso para esse tipo de transporte. É exatamente como é feito nos EUA. A
ferrovia leva ao Mississipi e, de lá, para New Orleans e para os navios,
direto. Os comboios fluviais do Tapajós e do Amazonas levam 40 mil toneladas
[cerca de 700 caminhões]. É o mesmo modelo americano. Não tem diferença.

Vai dar para chegar ao custo deles que, segundo a CNA, seria
um quarto do nosso?

Acho que nunca chegaremos ao deles porque o custo de capital
deles não é o nosso. E as ferrovias americanas são feitas com total subsídio do
governo. Aqui, vai ter que pagar a ferrovia. Ou você paga para amortizar o
investimento ou paga porque a ferrovia é antiga e não tem eficiência. Vai ser
mais alto, mas vai ser o mais barato custo de escoamento.

O senhor acompanha o sistema ferroviário desde o fim da Rede
Ferroviária. Como avalia os 20 anos após a privatização?

Acho que os avanços foram modestos, especialmente se
comparados a outros setores e empresas que foram privatizados na mesma época
como telecomunicação, energia, rodovia, siderurgia, Embraer, Vale. O que cunhou
esses poucos avanços foi o modelo que o governo adotou na privatização à época.
O governo estava mais preocupado em solucionar o déficit público, para
controlar a inflação, do que em dar à ferrovia uma utilidade no equilíbrio da
matriz de transportes brasileiro. Como na época não existia a ANTT e nenhum
marco regulatório, o modelo adotado foi a continuação do que a Rede Ferroviária
fazia no fim de sua existência, um negócio sustentado pela escassez da oferta.
Este modelo é antagônico ao modelo universal ferroviário, que é suportado pelo
incremento na oferta, sustentada por investimentos que geram altas capacidades
e baixos custos por unidade transportada.

E quais são as consequências disso?

O país não ter um sistema de transporte de passageiro sobre
trilhos de média e longas distâncias é um absurdo. Vivemos à mercê do pneu e do
avião. Teve coisa positiva para o transporte de carga em alguns pontos.
Trabalhamos muito com corredor e deixamos de ter uma visão sistêmica da
ferrovia. Hoje o Brasil tem cinco corredores importantes, dois de minério e três
de grãos. A ferrovia brasileira se resume a esses corredores. Eles são bem
operados, mas se restringe a isso.

O que é preciso?

A primeira coisa é a estrutura de capital diferente. Imaginar
que um dormente tem que remunerar o capital em 20% ao ano, que seja 15%, é…
Um dormente não faz nada. Se remunerasse isso, não ia chamar dormente, teria um
nome mais dinâmico, talvez Vivaldino ou Espertão. A estrutura de custo de
capital no Brasil é muito difícil e só tem uma fonte de financiamento, o BNDES,
que faz bem o papel, mas tem suas limitações. Essa é a primeira questão para
sair desse entrave. E o segundo é regulatório. Acho que a gente tem sido pouco criativo
no modelos regulatórios brasileiros. Das áreas que conheço, estamos ainda
associados ao modelo de concessão, outorga, de arrendamento e devíamos ter uma
visão mais moderna e dinâmica para atrair mais capital para esses projetos. A
Ferrogrão é uma exceção em investimento ferroviário. Em poucos lugares do mundo
vai se conseguir implantar uma ferrovia em que, no segundo ano, já se está em
full capacidade da demanda. Nenhum lugar do mundo produz a quantidade de coisas
que o Mato Grosso produz e não tem acesso à infraestrutura decente.

As mudanças propostas na MP 752, e já em andamento na
renovação do contrato da Rumo, seriam suficientes para levar o país a outro
patamar?

Para ser sincero, não conheço com profundidade o assunto das
renovação atuais por uma questão de falta de tempo. Mas, pelas pessoas com quem
falo e por ter sido conselheiro da Rumo até pouco tempo atrás, acho importante
para o país ampliar a capacidade para criar maior velocidade nas ferrovias.
Hoje a ferrovia precisa de investimento grandioso. Elas não conseguem
incrementar a capacidade só com gestão. Estamos a 10 anos da renovação e vejo dificuldade
para fazer investimentos, se não houver a renovação. Acho que está andando bem.Parece
que a Rumo assina em pouco tempo, e a MRS também foi enquadrada. Isso é importante
para avançar e a ferrovia ser mais eficiente. Sem eficiência, a ferrovia não
existe. Ela custa mais caro que qualquer outro sistema de transporte que
concorra com ela.

Alguma chance do trem intercidades em São Paulo sair do
papel?

Apresentamos com o BTG Pactual ao governo de São Paulo uma
rede de 477 quilômetros, de norte a sul, ligando Americana a Santos; e outra
leste a oeste, de Sorocaba a Taubaté, todas passando por São Paulo. O trem tem
velocidade de 160 quilômetros por hora, o que fará com que cada cidade dessa,
que é capital regional, fique a 50 minutos de São Paulo. O governo decidiu, por
recomendação nossa, licitar o norte, de Americana a São Paulo.

Quanto custará isso?

É uma PPP de R$ 5,4 bilhões, valores de 2013, com 30% de aporte
público e 70% privado. O governo pediu um estudo para incluir a malha 7 da
CPMT, da Estação da Luz até Jundiaí, com outro serviço, metropolitano. O
importante no sistema é que é dentro malha ferroviária nacional.

Não tem traçado novo, são 24 estações já existentes que
serão reutilizadas. Existia um problema que era de posse, mas há um acordo do
governo federal e o de São Paulo. O governo do estado trabalha para licitar em
2017, mas no máximo até o primeiro trimestre de 2018, penso que licita.

Ainda é possível o país ter um trem-bala aqui?

Não devíamos pensar nisso agora. O trem-bala acaba sendo uma
coisa que está tão distante das nossas necessidades primeiras. Tentamos, foi
válida a tentativa, num momento que o governo achou que cabia, mas acho que
agora devia esperar, criar os trens intercidades e depois voltamos a pensar no
trem-bala.

Passageiro atrapalha a ferrovia?

Em 1990, comprei, ainda pela minha família, as primeiras
locomotivas privadas do Brasil, quando tinha só a Rede e a Fepasa. Trabalhei
com trem próprio na Fepasa, ligando a hidrovia Tietê-Paraná a Santos. Eu estava
bravo porque a Fepasa quebrava o trem da frente, meu trem não passava em bueiro
porque não tinha manutenção, não tinha trilho e o trem não produzia.

Meu pai [o empresário Wilson Quintella] falou assim:
Guilherme a ferrovia só volta a funcionar quando transportar passageiro. Eu era
um menino de 20 e poucos anos de idade e achei que era coisa de gente mais
velha e perguntei o porquê. E ele respondeu: carga não vota, quem vota é passageiro.
Chegando à idade que ele tinha naquela época, acho que meu pai tinha toda
razão.

O trem tem que ter utilidade. Não pode funcionar para meia
dúzia.

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