Agro sustenta primeira alta do PIB em dois anos

A economia brasileira cresceu no primeiro trimestre 1% em
relação aos três meses anteriores, feito o ajuste sazonal, registrando a
primeira alta em dois anos. O avanço do PIB foi uma boa notícia, mas a abertura
dos dados mostra um quadro bem menos animador, com o bom desempenho muito
concentrado na agropecuária, que teve um salto de 13,4% sobre o trimestre
anterior. “A agropecuária está na oferta, nos estoques e nas
exportações”, diz Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon,
para resumir a importância do setor para o avanço do PIB de janeiro a março.

Pelo lado da demanda, o setor externo também ajudou, com o
aumento das exportações superando o das importações. Já a demanda interna
desapontou mais uma vez, num cenário em que muitas empresas e famílias ainda
têm dívidas elevadas, embora o ciclo de redução dos juros em curso ajude a
aliviar a situação financeira das companhias e dos consumidores. O investimento
caiu 1,6% sobre o trimestre anterior, um número bem pior que um recuo de 0,3%,
a média das projeções dos analistas ouvidos pelo Valor Data. Foi o 13º tombo
dos últimos 14 trimestres. O consumo das famílias, por sua vez, teve queda de
0,1% e o consumo do governo, de 0,6%.

Além da composição um tanto decepcionante do crescimento, há
uma possibilidade considerável de que a recuperação seja interrompida no
segundo trimestre, ainda mais depois do surgimento da nova crise política. Uma
variação negativa do PIB no intervalo de abril a junho é a aposta de vários
analistas. É o caso, por exemplo, do economista-chefe da MB Associados, Sergio
Vale, que projeta recuo de 0,8% em relação ao trimestre anterior.

“Em que pese ser bom”, o resultado do PIB do
primeiro trimestre “cheira a velho a esta altura”, diz Vale, que
revisou a projeção para o PIB em 2017 de um crescimento de 1% para zero. A
confiança de empresários e consumidores, que estava em processo de melhora,
deve ser atingida pelo cenário de incerteza causada pela divulgação da conversa
comprometedora entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista,
da JBS.

Mesmo antes da crise política, a avaliação dominante era de
que haveria uma forte desaceleração do PIB no segundo trimestre. “A
principal causa é a reversão dos dois principais fatores que contribuíram para
a alta do PIB no primeiro trimestre”, escreve o economista Artur Manoel
Passos, do Itaú Unibanco. A produção agropecuária, nota ele, deve ter uma
“ligeira contribuição negativa”, depois do crescimento superior a
dois dígitos registrada de janeiro a março. Na média deste ano, porém, a alta
deve ser muito expressiva – a MB projeta expansão de 10,9%.

Além disso, a chance de um recuo da indústria no período de
abril a junho é considerável. Com o tombo da produção industrial em março, de
0,9%, a herança estatística para o segundo trimestre ficou negativa em 1,2%.
Isso significa que, se a indústria não crescer em relação ao nível registrado
em março, haverá uma queda no período de abril a junho de 1,2% em relação aos
três meses anteriores.

No primeiro trimestre, o destaque absoluto foi a
agropecuária, como ressalta Montero. Houve uma alta de 13,4% sobre o quarto
trimestre do ano passado, feito o ajuste sazonal, e de 15,2% sobre igual
período do ano passado. Pelas projeções do IBGE, a safra deve crescer 26,2%
neste ano. Montero destaca o efeito da agropecuária sobre o PIB. Ainda que
tenha um peso pequeno na economia, essa oferta precisa ser comercializada e
transportada, refletindo-se nos serviços, processada (o que ocorre na
indústria), armazenada, consumida ou exportada (o que aparece na demanda), diz
ele.

Ainda pelo lado da oferta, a indústria cresceu 0,9% sobre o
trimestre anterior, enquanto os serviços tiveram variação zero. No PIB
industrial, um dos destaques positivos foi da produção extrativa mineral, como
nota a LCA Consultores. “Esse resultado foi garantido pela produção de
petróleo e gás (graças ao avanço na exploração do pré-sal) e de minério de
ferro, muito impulsionada pela expansão das atividades da Vale no Pará,
relacionada ao projeto S11D, que começou a operar no quarto trimestre de
2016.”, aponta a consultoria.

A indústria de transformação subiu 0,9%, “puxada pelo
desempenho mais positivo da produção de bens finais (bens de capital e de
consumo), beneficiada pelo processo de ajustamento de estoques, pela
desvalorização cambial e pelos efeitos indiretos da safra recorde”, segundo
a LCA.

Com maior peso no PIB, os serviços ficaram estáveis. É um
desempenho melhor que o recuo de 0,5% registrado no quarto trimestre do ano
passado, mas mostra a dificuldade de reação do principal componente do PIB pelo
lado da oferta.

Pelo lado da demanda, o crescimento de 1% no primeiro
trimestre foi sustentado por uma grande contribuição da variação de estoques.
Nas contas do diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs,
Alberto Ramos, essa contribuição foi de 1,13 ponto percentual para o PIB, na
comparação com o trimestre anterior. A chamada demanda interna final – consumo
das famílias, consumo do governo e investimento – retirou cerca de 0,5 ponto,
segundo Ramos. Já o setor externo contribuiu positivamente com 0,41 ponto,
calcula ele (eventuais diferenças na soma se devem a arredondamentos). No
trimestre, houve uma alta de 4,8% das exportações de bens e serviços, superior
ao aumento de 1,8% das importações.

Ao analisar o que está por trás da contribuição positiva da
variação de estoques, Montero destaca especialmente em uma safra agrícola, cuja
“armazenagem faz parte do ciclo produtivo antes do destino final”,
além da retomada da extração de petróleo e de minério.

Segundo analistas, o principal estímulo para a retomada
neste ano e no próximo precisaria vir da política monetária. Os juros estão em
queda desde outubro do ano passado, e tendem a encerrar o ano abaixo de dois
dígitos. O problema é que a crise política já afetou a ação do BC. A
possibilidade de uma Selic na casa de 8% ou menos do que isso ainda neste ano
saiu do radar da maior parte dos economistas. Na reunião de anteontem, o Comitê
de Política Monetária (Copom) manteve o ritmo de corte dos juros em 1 ponto
percentual, em vez de ter baixado 1,25 ponto, como se esperava antes da nova
crise. Além disso, indicou que vai reduzir a velocidade de queda, possivelmente
para 0,75 ponto, num quadro de maior incerteza quanto à aprovação das reformas.

Com isso, o estímulo monetário será menor do que se esperava
antes do novo imbróglio político, o que deve se refletir numa recuperação com
menos força. Um novo tombo do PIB em 2017, depois da queda de 3,8% em 2015 e de
3,6% em 2016, é uma possibilidade.

Nesse ambiente, a retomada do investimento pode demorar
ainda mais. Uma queda menos acentuada dos juros e incertezas devido ao
prolongamento da crise política tendem a dificultar a melhora da formação bruta
de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos,
construção e pesquisa), que mostra um péssimo desempenho há mais de três anos.
Com a exceção da alta de 0,1% do segundo trimestre de 2016, o investimento está
em queda desde o quarto trimestre de 2013, na comparação com o trimestre
anterior. Para ter uma ideia do estrago, a FBCF caiu quase 30% em relação ao
nível do terceiro trimestre de 2013. O consumo das famílias também vai mal.
Recua há nove trimestres seguidos, e está 9,7% abaixo do pico alcançado no
terceiro trimestre de 2014.

Outra medida do tamanho da recessão é o que ocorreu com o
PIB per capita. O Brasil precisará de pelo menos mais cinco anos de crescimento
– considerando que se concretizem os cenários mais otimistas – para que o
indicador volte aos níveis em que estava em 2014, antes da recessão, de acordo
com estimativas da LCA. “Estamos falando de pelo menos mais cinco anos de
uma recuperação que não vai trazer, em termos de renda e bem-estar, o mesmo
nível que a gente observava antes da crise. É uma recuperação bastante
fraca”, diz o Thovan Tucakov, da LCA.

De acordo com cálculos do analista, o PIB per capita em
cresceu 0,9% no primeiro trimestre de 2017 sobre o trimestre anterior, em
termos dessazonalizados, após cair ininterruptamente desde o segundo trimestre
de 2014. Naquele ano, antes da crise, o PIB per capita brasileiro era R$
28.500, em reais de 2014. “E estamos falando desses R$ 28.500 lá em
2021”, diz ele.

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