As empresas de transporte público coletivo querem
diversificar as fontes de receita para superar uma crise estrutural que se
agrava há 22 anos e já faz com que 67,6% dos concessionários de serviços de
ônibus estejam endividados. Com a exceção de São Paulo e Brasília, que
subsidiam parcialmente o custo da passagem, todos os demais municípios
brasileiros transferem para os usuários, por meio de tarifas, o custeio do
transporte.
“A situação chegou a um limite. Os usuários avaliam que
pagam caro e querem mais qualidade do serviço. Mas as empresas não possuem
capacidade financeira de investir”, diz Otávio Vieira da Cunha Filho,
presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos
(NTU).
Na semana passada, empresários e lideranças setoriais
promoveram o seminário “Transporte Público Urbano: Desafios e
Oportunidades”, em Brasília, onde debateram propostas de novos modelos de
remuneração e de financiamento para o setor, além de mecanismos para gerar
segurança jurídica e reduzir os riscos nos contratos de concessão com as
administrações públicas.
Entre as propostas de novas fontes de receita estão o acesso
a recursos orçamentários, por meio de subsídios públicos ao sistema, a criação
de taxas sobre combustíveis e sobre estacionamento e uso das vias pelos
automóveis particulares e a tributação sobre a comercialização de automóveis.
Receitas agregadas vindas da publicidade ou da exploração de espaços comerciais
em estações e terminais também fazem parte da proposta.
“Precisamos de uma cesta de fontes extratarifárias se
quisermos oferecer um transporte público de qualidade”, diz Marcos Bicalho
dos Santos, diretor administrativo da NTU.
Já existem exemplos de receitas alternativas que auxiliam o
financiamento do transporte em algumas cidades. Em São Paulo, 15,4% da receita
da Linha Amarela do Metrô, transferida para a iniciativa privada via Parceria
Público-Privada (PPP), são provenientes de publicidade. Em Belo Horizonte, o
Shopping Estação BH é uma fonte de remuneração para a Companhia Brasileira de
Transporte Urbano (CBTU), que concedeu o espaço sobre a Estação Vilarinho
durante 30 anos à BR Malls e à Cyrela, por um aluguel mensal de R$ 250 mil.
A principal aposta dos empresários para ampliar a receita do
setor é a criação de um tributo sobre a venda de combustíveis para veículos
particulares. A nova Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, batizada
de Cide municipal, é uma proposta da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), que
tramita na Câmara dos Deputados e foi aprovada em comissão especial em março.
A proposta autoriza os municípios a recolher uma taxa de 6%
sobre o preço dos combustíveis (etanol, gasolina e gás natural veicular) que
seria destinada exclusivamente à subvenção do transporte coletivo. A projeção
da NTU é de que a nova Cide tem potencial de arrecadar R$ 11,9 bilhões, o que
seria suficiente para bancar 29,1% dos custos do transporte coletivo.
Outra proposta da NTU é transferir o custeio da gratuidade
no transporte, que hoje beneficia idosos, portadores de deficiência e
estudantes, para os respectivos fundos criados para apoiar cada uma dessas
parcelas da sociedade, como o Fundo Nacional do Idoso, Fundo Nacional do
Estudante e o Fundo Nacional da Assistência Social. O impacto da gratuidade no
preço das passagens é de 16,4%. “Hoje os demais passageiros arcam com este
custo, que poderia ser financiado pelos fundos nacionais”, diz Bicalho.
A crise do setor teve início nos anos 1990 com a extinção da
Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), que definia a política de
reajustes das tarifas e o modelo de financiamento do setor. Decisões que
ficaram a cargo dos municípios. Otávio Cunha diz que, desde então, há uma
progressiva defasagem tarifária, uma vez que os valores das passagens passaram
a responder a demandas políticas eleitorais.
A crise se acentuou nos últimos anos com a redução da
demanda, uma vez que os usuários migraram para o transporte individual,
fortemente incentivado por subsídios à compra de veículos particulares. Entre
1994 e 2012, a queda no número de passageiros foi de 24,4%, segundo um
levantamento realizado pelo Instituto FSB Pesquisa. Em apenas três anos, de
2013 a 2016, a redução da demanda foi de 18,1%, limitando a 319,3 milhões
mensais o total de usuários do sistema de ônibus urbanos.
O maior volume de automóveis particulares também aumentou os
congestionamentos, reduzindo a velocidade média dos coletivos. “Hoje precisamos
de mais veículos para oferecer o mesmo serviço de 1999 para um número de
passageiros menor, obtendo, portanto, uma receita inferior”, diz Otávio
Cunha. Outro problema entre 1999 e 2017 foi o preço do diesel, que subiu 194,3%
acima da gasolina. O diesel responde por 23% dos custos do transporte, a mão de
obra por outros 29,4% e os impostos por 34%. Os empresários ainda precisam
custear com a tarifa a manutenção e a renovação da frota.
Nos últimos três anos, 56 empresas de ônibus encerraram suas
atividades por falência ou perdas de contratos públicos. “É a mais grave
crise que o setor já passou em sua história”, diz o empresário Eduardo
Pinheiro, da Itapar, concessionária no Centro-Oeste. “Não conseguimos ser
competitivos com o transporte individual e nem temos recursos para investir na
melhoria do sistema”, afirma.
O uso de tecnologia na gestão do transporte é incipiente na
maioria dos municípios brasileiros. Em várias cidades do mundo, gestores do
transporte alteraram a oferta de veículos de acordo com oscilações de demanda
verificadas em tempo real. Semáforos inteligentes detectam a aproximação de
coletivos e privilegiam sua passagem. Os usuários são informados em seus
smartphones ou em visores nos pontos de ônibus e terminais sobre itinerários e
horários, podendo programar suas viagens.
Os empresários dizem que o modelo de remuneração adotado
pela grande maioria dos municípios foi criado há mais de 30 anos pela antiga
EBTU e segue inalterado. O modelo prevê reajustes anuais com base na inflação e
na demanda do ano anterior e sem previsão de recursos para melhorias
tecnológicas no sistema.
“Os contratos deveriam ter um olhar global, prevendo
demanda, riscos e investimentos para todo o período de concessão”, diz o
especialista em concessões Rodrigo de Losso, professor da Faculdade de Economia
e Administração da Universidade de São Paulo.
Contratos bem elaborados – com uma matriz de riscos que
defina bem, por exemplo, quem arca (o poder público ou o concessionário) com o
impacto de aumento de custos operacionais, alteração na demanda e investimentos
– poderiam reduzir significativamente os questionamentos na justiça sobre
reajustes tarifários, avalia Losso.
A insegurança jurídica nos contratos de concessão de
transporte urbano é um problema que se acentuou desde as manifestações de 2013,
que tiveram como origem o questionamento da população a um aumento das tarifas
de ônibus na cidade de São Paulo. Desde então, prefeitos em todo o país têm
resistido a autorizar aumentos das passagens com receio da reação dos usuários.
“Até reajustes previstos em contrato hoje são motivo de inquérito por
parte do Ministério Público e questionamento na Justiça”, diz Vitor Rhein
Schirato, do escritório Rhein Schirato, Meireles e Caiado Advogados.
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