Através do Decreto 9.048/2017, o Governo Federal alterou o
marco regulatório do setor portuário, com o objetivo de flexibilizar a gestão
dos contratos e aumentar a eficiência das operações. As mudanças abrem diversas
possibilidades de adequação para os inúmeros terminais arrendados e privados no
Brasil, de acordo com suas especificidades, dentro do interesse público e das
políticas traçadas para o setor.
A Lei 8.630 de 1993 (1ª Lei dos Portos) foi bem-sucedida em
um primeiro momento, ao inserir a iniciativa privada na operação portuária e
modificar o papel do Poder Público no setor, permitindo rápido aumento de eficiência
e expansão da infraestrutura existente. No entanto, em um segundo momento (e
até como consequência do primeiro momento), práticas regulatórias se tornaram
cada vez mais rígidas, até o ponto de acarretar em ações contrárias aos
princípios do interesse público no setor.
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Com a Lei 12.815 de 2013, houve uma centralização federal de
atribuições da gestão portuária, e posteriores normas infralegais expedidas
levaram a um recrudescimento da regulação. Muitas das práticas assumidas então
se mostraram contrárias à dinâmica natural do setor, em que flexibilidade e
velocidade de reação é fundamental, sobretudo em um contexto de constantes
transformações (1).
Nos últimos anos, diversos casos de rigidez regulatória que
resultaram em custos ao setor (e à sociedade) foram observados no Brasil, como
por exemplo:
Definição de cronograma de investimentos inconsistente:
prorrogação antecipada exigindo investimentos imediatos, sem previsão de
gatilhos, ainda que não justificados por demanda (ex.: prorrogações com muitos
investimentos, em um momento de crise).
Mal aproveitamento de ativos públicos: lentidão e
judicialização de processos licitatórios inviabilizando transferência eficiente
ao privado (ex.: Terminal em Barnabé-Santos: abandonado há seis anos, com
ativos deteriorando).
Pouca flexibilidade para prorrogar contratos: previsão de
prorrogação de contrato apenas por uma vez forçando investimentos fora do
razoável para justificá-la em alguns contratos, acarretando em planos de
investimento incompatíveis com a necessidade da demanda e, muitas vezes, com a
disponibilidade financeira das empresas.
Pouca flexibilidade para expansão de área de terminais
arrendados: expansões de áreas exigindo comprovação de inviabilidade da área a
ser incorporada, e não a vantagem de expansão vis a vis nova licitação.
Pouca flexibilidade para adaptações simples de contratos de
arrendamento: dinâmica exige adaptações céleres, e processos se mostraram
inadequados (ex.: ampliação de pequena área para instalar gerador passa por
processo moroso e complexo).
Modelo contratual vigente não permitindo reorganização
eficiente da área: dificuldade em reorganizar espaço portuário de modo mais
eficiente; falta de segurança jurídica e de flexibilidade, e descasamento de
prazos de áreas, impedindo arranjos mais eficientes (ex.: clusters de terminais
de líquidos em diversos portos).
Falta de mecanismo para canalizar capital privado para
infraestrutura comum: em meio a restrições orçamentárias e burocráticas do
Poder Público, arrendatários e terminais privados não puderam investir em
infraestrutura pública mediante descontos e/ou reequilíbrio (ex. Porto de
Santos: Dificuldade em realizar dragagem vs. disposição privada em investir).
Nesse sentido, o recém-editado Decreto 9.048/2017 procurou
mitigar muitos dos problemas supracitados, abrindo novas possibilidades de
adequação dos contratos do setor portuário.
Tais ferramentas, se bem utilizadas, poderão resultar em
inúmeros benefícios ao setor. Entende-se que o interesse público será mais bem
atendido com uma maior flexibilização de investimentos e rearranjos
contratuais, retirando barreiras à evolução natural do setor.
A criação das ferramentas é apenas uma primeira etapa.
Caberá ao Poder Público, agora, discipliná-las e utilizá-las de forma coerente,
respeitando o interesse público. À iniciativa privada, caberá compreender as
possibilidades abertas pelo Decreto e buscar adequar seus contratos da forma
mais eficiente possível, dentro do período estipulado no Decreto (180 dias a
partir da publicação).
Notas:
(1) O setor portuário é um elo dentro da dinâmica
internacional de transporte marítimo, uma indústria que se transforma de
maneira incessante em busca de ganhos de escala e especialização, visando
diminuir custos e aumentar a eficiência da operação. Isso exige, por exemplo,
que os terminais portuários reorganizem suas instalações e as dinâmicas das
operações e adequem as instalações de acostagem e equipamentos de cais ao maior
porte das embarcações, muitas vezes em um curto período de tempo, sob pena de
não conseguirem receber os maiores navios e ficarem excluídos de grande fatia
do mercado.
Marcos Pinto é diretor e presidente da Terrafirma. Bacharel
e mestre em Engenharia Naval pela Escola Politécnica da USP. Desenvolveu dois
programas de doutoramento, um pelo Massachusetts Institute of Technology, em
1998, e o segundo pela Escola Politécnica, em 2000.
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