A Escola Politécnica (Poli) da USP desenvolveu um novo
simulador de trem para escoamento da produção da empresa brasileira Vale, uma
das maiores mineradoras do País. O sistema, que é único do gênero no Brasil,
será utilizado no treinamento de operadores de trem que transportam produtos
das minas para portos nacionais.
Segundo o coordenador do projeto, Roberto Spinola Barbosa,
do Laboratório de Dinâmica e Simulação Veicular (LDSV), o sistema utiliza
modelos computacionais que simulam os movimentos dinâmicos de um trem – indica
a posição espacial e fornece dados topográficos da região por onde passa.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
O projeto do simulador teve início em 2008 e a terceira
geração deverá ser entregue este ano com aperfeiçoamentos gráficos. O
investimento foi da ordem de R$ 4 milhões. “A terceira versão do simulador está
mais completa e com mais funcionalidades. Toda a parte gráfica está sendo
revista de forma a obter imagens com maior resolução para passar mais sensação
de realidade aos maquinistas em treinamento”, disse o pesquisador.
Uma das principais inovações do simulador está na
implementação do modo multiplayer ou multiusuário. “Agora, em vez do instrutor
treinar os operadores ao longo de uma linha específica, é possível treinar o
maquinista em uma malha ferroviária completa, com a presença de sinalização e
de outros trens em várias linhas que se interconectam e que são operados por
outros maquinistas em treinamento, simulando de forma integral o tráfego”,
explica Barbosa. Outra novidade é a conexão com a internet. Um instrutor de São
Paulo pode treinar um maquinista que está em Vitória (ES) ou um profissional
que está em Belo Horizonte (MG) pode programar e acompanhar uma simulação com
um operador que está em Moçambique.
Três laboratórios da Poli atuam no projeto de
desenvolvimento e aprimoramento do simulador: o Laboratório de Dinâmica e
Simulação Veicular (coordenação), o Laboratório de Automação e Controle (LAC) e
o Tanque Numérico de Provas (TPN). Os simuladores foram desenvolvidos com
recursos da Vale e a propriedade intelectual é compartilhada – 50% da empresa e
50% da Poli.
Escoamento da
produção
São mais de mil quilômetros de linhas ferroviárias simulando
as redes da Vale Carajás – que liga as minas de Carajás (PA) ao Terminal
Marítimo de Ponta da Madeira, no Maranhão, e pelas quais são transportados
minério de ferro, ferro-gusa, manganês, cobre, combustíveis e carvão; a linha
férrea de Vitória (ES) à Minas – por onde é transportada a produção de minério
de ferro do interior de Minas Gerais até o porto de Tubarão, no Espírito Santo,
e também cargas para terceiros (carvão e produtos agrícolas); e uma linha em
Moçambique, na África. A Vale tem simuladores em operação nas suas instalações
em Vitória, Belo Horizonte, Carajás, São Luís (MA) e Moçambique.
O funcionamento
Um conjunto de computadores funciona como central de
comando. Nela, os instrutores da Vale fazem as configurações que desejam
aplicar nas simulações a serem feitas pelos maquinistas, como conta Barbosa:
O instrutor programa os circuitos de treinamento, se haverá
desvios para mudar de via, semáforos, animais na linha, escolhe o tamanho do
trem, decide se haverá operações de encaixe para formação dos trens, que carga
será transportada, sua quantidade, situações de emergência como a falha de um
freio em trecho de descida, entre outras coisas.”
O simulador em si é uma cópia exata da parte interna de uma
cabine da locomotiva: tem o painel e todos os comandos existentes em uma
locomotiva, como acelerador e freio. Telas no que seriam as janelas mostram o
cenário em 3D percorrido pelo maquinista no treinamento. Há telas na frente,
lateral e na parte traseira, cada uma mostrando as imagens de acordo com a perspectiva
real que um maquinista teria numa cabine de verdade, permitindo uma visão 360
graus da imagem.
A topografia do cenário exibida é a que existe, de fato, nas
regiões por onde passam as linhas férreas, e totalmente georreferenciada. As
fotos para constituir as imagens que se veem nas telas foram tiradas de imagens
de satélite similares às utilizadas no Google Earth. É possível usar óculos
especiais para ampliar a sensação da tridimensionalidade. Dessa forma, o
operador pilota o trem em uma rede férrea que realmente existe, em condições de
relevo plano ou montanhoso, como no mundo real.
Os sons do motor e até mesmo da buzina (acionada para
espantar animais da linha ou alertar veículos e pessoas sobre a passagem do
trem, situações que são simuladas pelo sistema) são iguais aos de um trem de
verdade. Túneis, pátios de estacionamento e abastecimento, os terminais de
chegada e saída dos portos: tudo está presente e é uma cópia digital do que se
encontra no mundo físico.
É também possível sobrevoar o cenário e ver o trem se
deslocando como se estivesse em um helicóptero. O maquinista pode estar parado
no posto de abastecimento, por exemplo, e ver passar o trem que está sendo
pilotado em treinamento”, afirma o pesquisador.
O instrutor possui o registro completo de todo o treinamento
feito pelo maquinista no simulador: velocidade empregada e uso de freio e
buzina. “O sistema de avaliação automática tira pontos na medida em que o
maquinista em treinamento deixa de fazer algo. Ele sabe as regras básicas de
operação e verá o que deixou de cumprir, podendo aprimorar seu desempenho”,
destaca. Como as simulações de cada operador de trem ficam armazenadas, é
possível comparar a performance do maquinista de um ano para outro.
Além disso, o instrutor pode otimizar a operação a partir
dos dados recolhidos na simulação e, por exemplo, sugerir ao maquinista menos
uso de freio para economizar combustível. Outra grande vantagem, afirma o
pesquisador, é a simulação de situações de risco ou emergência. “Com o
simulador, é possível preparar o maquinista para lidar com situações de perigo
como um trem com freio degradado, sem causar risco real para as pessoas ou
prejuízo financeiro”, completa.
Segundo Barbosa, por enquanto, o simulador está sendo
utilizado para as operações da Vale, mas poderá ter outras aplicações. “Podemos
desenvolver um simulador para trem de passageiros ou para metrô. Precisamos de
aporte financeiro para custear um projeto desse tipo”, finaliza.
Seja o primeiro a comentar