Mineradoras enfrentam novos desafios para a sustentabilidade

Há um duplo desafio para a indústria de mineração
brasileira. O acidente da Samarco abalou a credibilidade do setor e força as
empresas a atuar sob uma nova ótica em que a sustentabilidade tem de estar
ainda mais inserida na agenda corporativa. As mineradoras terão de reinventar
sua licença social, se reaproximar das comunidades, criar indicadores que
mostrem seu impacto e inserir as métricas sustentáveis nas decisões dos
principais executivos.

“As empresas terão de fazer mais em sustentabilidade
porque o processo de licenciamento se tornará mais difícil e há um desafio
adicional: a atividade de mineração será ainda mais fundamental em uma economia
de baixo carbono, porque cobre e lítio são metais usados em tecnologias
inovadoras como carros elétricos. A mineração crescerá e em áreas ainda mais
remotas”, observa o economista alemão Nicolas Maennling, pesquisador
sênior do Columbia Center on Sustainable Investment, de Nova York, que
participou da Exposibram.

Para o presidente da Anglo American, Ruben Marcus Fernandes,
o acidente com a barragem da Samarco, em Mariana (MG), fez a indústria perder
credibilidade, o que força a atuação sob outra ótica. No caso da empresa, foi
criado um comitê interno para disciplinar os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (criados pela Organização das Nações Unidas em 2015 e que
estabelecem metas sociais, ambientais e econômicos). “Estamos avaliando as
nossas ações, quais as lacunas e como podemos incluir na gestão e aí iremos ver
o que temos de priorizar em cada uma das comunidades em que operamos. A era de
exuberância de lucros na mineração ficou para trás e agora gerar lucro para a
sociedade será ainda mais essencial.”

Marcus Fernandes aponta que dois dos principais desafios,
além de incluir os objetivos sustentáveis nas metas dos executivos, são
traduzir o que as mineradoras fazem para as comunidades locais, que muitas
vezes têm preconceitos sobre a atividade, e usar indicadores que reflitam a
realidade e não sofram com viés político.

“Nosso papel será reverter a perda de credibilidade que
a indústria sofreu nos últimos meses”, afirma. O uso de indicadores
tradicionais, como Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), terá de ser
acompanhado com outros dados que terão de ser representativos e ter
credibilidade.

Há dois outros obstáculos: o ciclo político e a falta de
planejamento de longo prazo dos gestores públicos e da população, segundo
Maristela Marques Baloni, representante residente assistente para o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). “A empresa faz planejamento
de longo prazo, se articula, mas falta a outra ponta, o setor público, a
descontinuidade política é um problema porque a empresa não preenche o vácuo
dos gestores políticos nem deve fazê-lo”, afirma. Maristela conta que
trabalha na criação de metodologia de cálculos para avaliar o custo de inação e
o impacto do valor investido.

Para Liesel Filgueiras, gerente da Fundação Vale, o trabalho
se torna mais complexo porque as mineradoras trabalham em áreas remotas em que
os indicadores sociais são baixos e a população tem demandas urgentes de curto
prazo, além de não terem conhecimento de direitos humanos básicos. “Isso
torna ainda mais complicado as pessoas e os gestores públicos terem uma visão
de médio e longo prazo para a sua comunidade, isso também complica que elas
tenham conhecimento dos objetivos sustentáveis e do que estamos fazendo”.

Considerada a capital mundial da celulose, Três Lagoas (MS)
assistiu nos últimos dez anos à sua população triplicar para 110 mil
habitantes, com investimentos de mais de R$ 7 bilhões recebidos nos últimos
anos. O desafio da Fibria, uma das gigantes instaladas na cidade, foi construir
um planejamento de longo prazo para o município com envolvimento dos gestores
públicos e da população. A empresa bateu à porta do Banco Mundial, que pela
primeira vez financiou estudos de impacto de mudanças climáticas, de economia
de carbono e de mancha urbana para uma cidade de interior do Brasil. Ainda
firmaram-se parcerias com o BNDES, Caixa Econômica Federal e foi desenhado um
planejamento de 30 anos para a cidade, que está disponível na internet para
qualquer interessado ler.

“Além dos estudos, pesquisadores foram às ruas para
ouvir a população e checar quais as preocupações e os desejos, aí foram
desenhadas as prioridades e montado um comitê gestor com a sociedade civil para
acompanhar como as metas estão sendo cumpridas. Esse é um exemplo de uma outra
indústria, mas que também poderia ser usado em mineração. As pessoas precisam
saber que existem casos de sucesso que podem ser replicados”, diz Cloves
Otávio Nunes de Carvalho, diretor presidente do Instituto Votorantim, que frisa
que o grande desafio é envolver a população nos objetivos sustentáveis traçados
pelas empresas. “O papel das empresas pode ser de incentivar que as pontas
possam se unir”.

A Votorantim, a empresa tem CNPJ em 413 municípios do
Brasil. Além de definir prioridades para atuar, a empresa enfrenta em alguns
casos obstáculos como a construção de uma agenda social nas cidades. “Há
lideranças locais que manipulam as informações e colocam seus interesses
pessoais acima dos públicos, essa formação de interlocutores nas cidades é um
processo importante e que exige o envolvimento da população.”

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