O pacote de privatizações e concessões do governo federal,
anunciado no dia 23 de agosto, tem potencial para atrair uma gama variada de
investidores estratégicos e financeiros de diversos países. Os ativos dos
segmentos de energia e aeroportos devem atrair mais concorrência, enquanto que
os projetos ferroviários são tidos como os de mais difícil execução.
Dificilmente, no entanto, as vendas devem ocorrer dentro do prazo estipulado
por Brasília.
Para medir o interesse do setor privado pelos 57 projetos do
Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), nos últimos dias o Valor ouviu
executivos de empresas dos setores de infraestrutura, de bancos de investimento
e advogados especializados em concessões – a maioria comentou sob a condição de
ter seu nome preservado.
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“É um pacote com vários ativos interessantes, que atrairá
demanda de investidores estratégicos locais e estrangeiros. Já os investidores
financeiros tendem a se aliar a alguma empresa do setor em questão”,
avaliou Hans Lin chefe do banco de investimento do Bank of America Merrill
Lynch no Brasil.
Ao mesmo tempo em que foram unânimes em elogiar a iniciativa
e também a forma como o programa vem sendo conduzido, existe um quase consenso
de que o governo turbinou a lista apresentada agora motivado pela dupla
necessidade de produzir um fato político positivo e obter receitas adicionais
para conter o rombo fiscal de 2018.
Alguns viram a lista como um reempacotamento de anúncios
anteriores com alguns acréscimos, enquanto outros avaliam que projetos muito
incipientes foram incluídos para encorpar o PPI. “Existe um receio de que,
por questões políticas, o governo acelere demais o programa e faça estudos
precários”, disse um executivo.
De acordo com uma fonte que tem participado de conversas com
integrantes do PPI, já se aventou a possibilidade de fazer o estudo de viabilidade
para rodovias e novos aeroportos por meio do chamado PMI, ou procedimento de
manifestação de interesse. No PMI, empresas interessadas em determinados ativos
se responsabilizam pelo estudo de viabilidade, o que torna a modelagem da venda
mais célere. “O problema é que isso foi muito usado no passado e carrega
um conflito de interesse muito grande, afastando compradores e financiadores
mais técnicos.”
“Qualquer política que promova a expansão da presença
da iniciativa privada é meritória. Porém, realmente importante é qual a
modelagem dos leilões e se estão efetivamente calibrados para atrair o setor
privado”, diz Luís Felipe Valerim Pinheiro, sócio do VPBG Advogados. Para
Bruno Werneck, sócio da área de infraestrutura do Mattos Filho, a viabilidade
dos projetos não é algo que preocupa já que, em uma primeira olhada, os ativos
de infraestrutura, como os aeroportos e as rodovias, são atrativos.
Werneck é um dos poucos consultados que entende ser possível
fazer os leilões dentro dos prazos estabelecidos pelo governo, mesmo com as
etapas de passagem dos projetos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e
submissão a procedimentos de consultas públicas.
Um executivo de banco avalia que os leilões de aeroportos
não devem acontecer no quarto trimestre de 2018, como prevê o governo. No caso
das rodovias, metade dos leilões pode acontecer dentro do prazo e a outra
metade, depois. A mesma coisa com terminais portuários. Os pacotes de óleo e
gás e elétrico devem ser vendidos no prazo, entre fim deste ano e segundo trimestre
do ano que vem.
Além de investidores estratégicos variados, fundos de
pensão, como os canadenses, e fundos soberanos da Ásia e Oriente Médio estão em
contato constante no Brasil atrás de investimento. “Tem muito investidor
estrangeiro querendo vir, por causa da elevada liquidez internacional e juros
baixíssimos, e uma absoluta falta de projetos prontos. O governo está fazendo o
que pode, mas o dinheiro está disponível agora e é uma pena”, disse um
executivo de banco.
Aeroportos
O setor aeroportuário terá ativos muito discrepantes
ofertados e o processo ainda está bastante cru. “Se os projetos forem bem
modelados, os grandes operadores internacionais vão comparecer”, disse um
banqueiro.
A alemã Fraport é vista como candidata natural na disputa
pelos aeroportos do Sudeste, onde sempre quis entrar. Na última rodada de
concessões, estreou no Brasil com ativos menores, os aeroportos de Porto Alegre
e Fortaleza.
Há ainda muita incerteza sobre como será o modelo da compra
dos 49% da estatal nos aeroportos já concedidos, Galeão, Guarulhos, Confins e
Brasília. “O governo só solta uma lista do que vai vender, mas a que
preço, como? Pelo valor patrimonial? E o passivo da Infraero? “, diz uma
fonte de uma empresa do setor. A percepção é compartilhada por uma acionista do
bloco privado de um desses aeroportos.
Mesmo no caso de Congonhas, considerado a joia da coroa da
Infraero, nada se sabe ainda sobre a modelagem. Embora seja um dos principais
aeroportos do país, tem limitações de expansão física, ambientais e de
passageiros. Com tíquete mínimo de outorga por volta de R$ 6 bilhões à vista,
deverá ser um jogo para poucos. “Vejo um leilão marcado por grandes fundos
de investimentos associados a operadores reconhecidos internacionalmente”,
disse Fernando Villela, sócio de infraestrutura do escritório de advocacia
Siqueira Castro.
Para um executivo de banco, o setor aeroportuário de modo
geral pode atrair fundos de investimento por envolver um risco de construção
menor do que o rodoviário, ao passo que o setor elétrico, que oferece receitas
previsíveis que costumam interessar aos investidores financeiros, tende a ser
mais concorrido e oferecer retornos aquém dos desejados pelos fundos. Mas esses
fundos deverão formar consórcios com operadores aeroportuários estrangeiros.
Outras empresas citadas como tendo fôlego para entrar na
disputa pelos grandes aeroportos são a francesa Vinci (que arrematou Salvador
no último leilão) e a suíça Zurich (que ficou com Florianópolis). A espanholas
Aena, OHL e Ferrovial, que estudaram bastante a última rodada, mas não
entraram, também são lembradas, embora com menos força. A italiana Atlantia,
por ora ocupada com a incorporação da Abertis, pode ser uma candidata mais
adiante.
O Pátria, que estudou em conjunto com a Avialliance a última
rodada de aeroportos, mas desistiu em cima da hora, é visto como candidato
forte. Inclusive os ativos do bloco do Centro-Oeste, tido por alguns como o
menos atrativo. “O bloco do Mato Grosso é espetacular, é onde o PIB cresce
ao ritmo chinês”, diz uma fonte de empresa estrangeira.
Único grupo brasileiro de infraestrutura que já tem operação
aeroportuária e teria capacidade de entrar em algumas dessas disputas é a CCR,
com dinheiro em caixa depois de uma capitalização de R$ 4 bilhões em fevereiro.
Uma das sinalizações recebidas pelo Palácio do Planalto é
que a chinesa HNA, ausente em todas as três rodadas de concessão de aeroportos
até agora, pretende aumentar sua participação no setor. Ela adquiriu da
Odebrecht Transport fatia majoritária no Galeão (RJ). Agora, se apresenta como
candidata à compra dos 49% mantidos pela estatal Infraero no aeroporto. A
expectativa do governo é vê-la na disputa por Congonhas.
Em Brasília, a aposta para os lotes regionais, com uma
mistura de terminais lucrativos e deficitários, é na atração de grupos
estrangeiros com experiência em ativos de médio porte: a francesa Vinci, a
espanhola Aena e a argentina Corporación América são exemplos desse perfil.
Rodovias
A última lista do PPI trouxe dois ativos “novos”:
relicitação da BR-153 entre Aliança do Tocantins (TO) e Anápolis (GO),
ex-Galvão, e o trecho da rodovia BR-364 entre Porto Velho (RO) e Comodoro (MT).
Ambos têm potencial de atrair os grupos tradicionais que atuam no setor e
alguns novos. O fundo Pátria tem interesse na BR-364 assim como construtoras de
porte médio, apurou o Valor. Contudo, há ceticismo quanto aos prazos. Ao menos
um grande investidor de concessões de infraestrutura que já está no mercado
questiona tanto a qualidade quanto a possibilidade de colocar os projetos de pé
no cronograma dado pelo governo. “Dificilmente será possível uma licitação
no segundo semestre de 2018”. No caso da BR-364, esse investidor destaca
que o ativo sofre, além da necessidade de realização de estudos, o risco de não
parar de pé porque tem pouco tráfego.
Outra rodovia que já estava qualificada no PPI, a BR-364/365
entre Uberlândia (MG) e Jataí (Goiás) tem ao menos um interessado. Está na mira
da MGO Rodovias, concessionária da BR-050 entre Minas Gerais e Goiás e que se
interliga na rodovia a ser licitada.
Para dois executivos de bancos, a disputa por rodovias deve
ficar a cargo de grupos locais que já atuam no setor, como CCR, que tem
concessões expirando, Ecorodovias e Arteris. “Os retornos estão
baixos”, ponderou um deles. Para outro, uma das principais barreiras de
entrada para estrangeiros ainda é a dificuldade de fazer parceria com
construtoras locais capazes de executar as obras de grande porte, já que
nenhuma delas escapou da Lava-Jato.
Portos
O governo colocou 15 terminais portuários no pacote, sendo
13 novos arrendamentos e duas renovações de contratos, além de uma
desestatização de companhia docas. Dos novos arrendamentos, a maioria é de
projetos de terminais que movimentam granéis líquidos e gás na região Norte.
Hoje esses terminais operam de forma precária (via contratos de transição ou
por meio de liminar) porque os contratos estão vencidos. Esses terminais
pertencem geralmente a distribuidoras – responsáveis por abastecer a região –
ou à cadeia verticalizada de empresas. Por isso mesmo, a entrada delas na
disputa para manter os ativos é dada como certa. São elas Paragás, Supergasbras
e Liquigás, com os terminais de GLP, e Ipiranga, Raízen, BR Distribuidora e
Transpetro, com os terminais de combustíveis. Além dessas empresas que têm a
carga, o leilão de terminais portuários deve atrair operadores logísticos
(eminentemente prestadores de serviços), de olho no rentável mercado de
movimentação de granéis líquidos da região Norte.
Já os três terminais para granéis de Paranaguá são áreas com
estruturas obsoletas que terão de ser demolidas para se transformar em
terminais maiores. Devem atrair o interesse de grandes tradings, algumas já
presentes no porto, mas a maior aposta são as cooperativas locais que ainda não
têm instalação no porto. O terminal de Vila do Conde (PA) para granéis líquidos
será um greenfield.
Por fim, o PPI lançou a desestatização da Companhia Docas do
Espírito Santo (Codesa), mas o modelo (privatização pura ou concessão) ainda
não está definido. O governo vai esperar um estudo do BNDES para concluir a
melhor alternativa. A Codesa foi pinçada entre as companhias docas, empresas da
União que administram os portos localmente, por ser a mais bem organizada e
fácil de desestatizar.
Ferrovias
Até mesmo ativos no setor ferroviário atraem a atenção de
Pequim. A China Railways Engineering Company (CREC) teria sinalizado ao governo
disposição de terminar a construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste
(Fiol), entre Caetité e Ilhéus (BA), que começou a ser erguida pela estatal
Valec e hoje está praticamente parada.
Na leitura do governo, a China Communications Construction
Company (CCCC) seria uma potencial sócia para a Ferrogrão, projeto de mais de
R$ 12 bilhões, apesar dos chineses terem mais interesse, neste momento, na
Norte-Sul. Cinco tradings – ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus e Amaggi –
admitem publicamente entrar como investidoras, mas não com uma participação
majoritária. Por isso, tirar a ferrovia do papel depende de empresas dispostas
a colocar dinheiro no projeto, que deve ter suas minutas de edital e de
contrato colocadas em audiência pública no fim de setembro.
Para um executivo de banco, as ferrovias são o grande
desafio. “A Ferrogrão é um greenfield puro e há dúvidas sobre se será
possível colocar o projeto de pé.” Ao mesmo tempo, a concessão da Norte
Sul não faz sentido enquanto não se resolver a questão do direito de passagem.
Há ainda receio de que a demanda projetada esteja superestimada, enquanto que a
estimativa de investimento em material rodante estaria subdimensionada.
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