Cadê o Trem?

O
recente protesto dos caminhoneiros contra o aumento excessivo dos combustíveis
levou vários comentaristas das mídias a trazerem para o debate a questão do
transporte ferroviário. Muitos afirmam que se a carga fosse por ferrovia não
haveria essa paralisação, porque o custo do transporte é menor, que o trem é o
modo ideal para transportar cargas por longas distâncias (entre 200 e 1.000
km), é menos sujeito a acidentes e assaltos, polui menos, etc. Os comentários
também lembravam a opção dos governantes pelo modo rodoviário e o consequente
abandono das ferrovias a partir dos anos 1960. Como resultado dessa escolha
insana, vale lembrar a crescente estatística de mortes nas estradas: mais de 50
mil/ano. Falou-se também da eficiência do transporte ferroviário sem, contudo,
apresentarem os números que o comprovem.

Vejamos
alguns dados comparativos para se transportar o equivalente a seis mil
toneladas de carga por mil quilômetros. Um trem precisaria de 86 vagões; pelo
modo rodoviário, seriam necessárias 172 carretas; o trem consumiria 36 mil
litros de diesel; os caminhões entre 90 a 100 mil litros; o espaço ocupado pelo
trem seria de 1,6 km; os caminhões formariam uma fila de 3,5 km; bastaria um
único maquinista para conduzir essa carga por trem, contra 172 caminhoneiros,
sem contar os ajudantes.

Os mais
precipitados diriam que o trem eliminaria empregos. Ledo engano: os caminhões
continuariam com seu papel importante na integração dos modos, porém
percorrendo distâncias menores, podendo o caminhoneiro fazer mais viagens/dia.
O caminhão, graças a sua enorme mobilidade, recolheria as cargas na origem
levando-as até um Centro de Distribuição-CD para serem embarcadas no trem e
levadas até outro CD, onde seria transbordada novamente para os caminhões
levarem-nas ao seu destino final, não muito longe do CD. Voilà!

Esse
modelo de integração modal (trem+caminhão) é simples, perfeito e funciona a
contento em muitos lugares do mundo desenvolvido, inclusive nos BRICs. Mas,
como jabuticaba só tem no Brasil, ainda não seria possível implanta-lo,
simplesmente porque no nosso modelo jabuticaba ferroviária não há capacidade
(trens) disponível para transportar carga geral. No Brasil funciona a lógica do
corredor de exportação para transportar commodities como minério de ferro, aço,
soja, milho e outras. Mais de 85% da carga transportada por ferrovia é
produzida por empresas que são acionistas das concessionárias ferroviárias, que
exploram a malha desde 1996.

Traduzindo
em números, o Brasil movimentou 1.656 bilhão de toneladas por km, em 2015.
Deste total 1.076 bilhão (65%) foi carregado via rodoviária e o restante por
outros modos, sendo apenas 20% por trilhos. Em resumo, não tem espaço na
ferrovia para carga geral como alimentos, bebidas, remédios,
eletro-eletrônicos, cimento, tijolo, material construção civil, móveis, automóveis,
produtos químicos, combustíveis, etc.

Teoricamente,
se esse modelo de integração rodo-ferroviário estivesse funcionando em proveito
da sociedade, a greve desses dias não teria causado tantos impactos negativos
no abastecimento, até porque, nesse modelo racional haveria trens de
passageiros de média e longa distância ligando o nosso País continental e,
portanto, bem menos veículos e acidentes nas estradas.

Mas,
infelizmente, não há chances de mudar tão cedo, pois o governo adora esse
modelo: são divisas que a ferrovia trás para engordar a Balança Comercial.
Inclusive o governo quer renovar as atuais concessões da jabuticaba ferroviária
por mais trinta anos. Oremos, pois, para não sermos incluídos nas estatísticas
de mortes nas estradas!


Antonio Pastori

 Mestre em economia e Pós-graduado em Engenharia Ferroviária. Coordenador do
Grupo Fluminense de Preservação Ferroviária – GFPF.

Fonte: GFPF – Grupo Fluminense de Preservação Ferroviária

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