O transporte
ferroviário foi relegado a segundo plano por tempo demais no Brasil e nunca
decolou, apesar de ser o modal de cargas mais competitivo em um país que
exporta, sobretudo, grãos e minério de ferro. Agora, o governo de Michel Temer
promete aprovar a prorrogação de cinco concessões e publicar os editais das
ferrovias Norte-Sul, Ferrogrão e Integração Leste-Oeste (Fiol). Para os
especialistas, não será possível tirar décadas de atraso em um único ano —
muito menos em 2018, com eleições —, mas dá para preparar o terreno e costurar
uma modelagem mais viável para o setor. Um ambiente sem tantas amarras e
regulação, apostam, estimularia a iniciativa privada a aportar os investimentos
necessários, que são bilionários.
Para o
presidente da Macroplan, Cláudio Porto, o país acumulou erros nesta área desde
a primeira privatização. “A malha ferroviária é muito peculiar, foi um
aprendizado. Mas todas as tentativas seguintes de aumentar a competição
falharam, por serem caras e ineficazes. Quando o setor público assumiu os
projetos, como no caso da Norte-Sul, que está em obras há mais de 20 anos,
conseguiu juntar incapacidade com corrupção e travas burocráticas”, afirma.
A
prorrogação de cinco concessões, que devem gerar R$ 45 bilhões em investimentos
em três décadas, sendo R$ 25 bilhões nos primeiros cinco anos, segundo a
Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), é uma fórmula
eficaz para acelerar o crescimento do setor. “Isso, porém, não deve servir como
modelo definitivo. Temos que reduzir os passivos, mas buscar alternativas.
Estamos perdendo muito tempo”, diz Porto, que defende a desregulação do setor.
“Quando se criam travas excessivas, estimula-se a judicialização, que é o pior
dos mundos e se reduzem a qualidade do serviço e o interesse do setor privado.
Além disso, abre-se margem para a corrupção.”
Salto
Uma
modelagem estável e gestão eficiente da implantação dos projetos podem garantir
o salto que o setor merece, na avaliação do presidente da Inter.B Consultoria
Internacional de Negócios (Inter.B), Cláudio Frischtak. “Apesar de o governo
mostrar boa vontade, acho muito difícil conseguir resolver tudo neste ano
eleitoral. A anuência dos órgãos técnicos e de controle é necessária”, explica.
“O governo quer se certificar de que as empresas darão direito de passagem a
outras companhias. Quanto mais abertos os trilhos, melhor, desde que a
remuneração seja justa para se ter uma boa manutenção”, aponta.
“As
prorrogações sairão este ano. Não vão ficar para o ano que vem”, assegura
Tarcísio Gomes de Freitas, secretário de Coordenação de Projetos do Programa de
Parcerias de Investimentos (PPI). “As consultas públicas serão realizadas em
junho. Os projetos da Rumo Malha Paulista (mais avançados das cinco
prorrogações em estudo) já estão em fase final de análise. O processo seguirá
para o TCU (Tribunal de Contas da União)”, ressalta.
O diretor da
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Mário Rodrigues, diz que as
prorrogações vão permitir corrigir distorções, como a existência de trechos não
usados. “Outro passo fundamental são as novas concessões. O edital da Ferrovia
Norte-Sul será lançado no segundo semestre. Estamos começando a priorizar a
Ferrogrão para finalizar até o fim do ano”, afirma. “Temos a meta de incluir a
Fiol em 2018”, arrisca o ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil,
Valter Casimiro Silveira.
Júlio
Fontana Neto, presidente da Rumo, está confiante em que o cronograma da ANTT
para as concessionárias que querem prorrogação vai se cumprir. “O nosso projeto
foi o primeiro. Tivemos que montar o processo, que é complexo, por isso demorou
mais. Agora, a pinguela está aberta”, diz. O executivo revela que o projeto da
Rumo pretende mudar o modelo de trem usado para atingir a expansão prometida.
“Vamos sair de trens de 80 vagões para 120 vagões, então temos que investir em
pátios, para tudo estar pronto em 2020. Serão R$ 8 bilhões para dobrar a
capacidade”, conta.
Setor quer flexibilidade
Para o
diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF),
Fernando Paes, após 21 anos de implantação do sistema de concessão de ferrovias
à iniciativa privada, o processo deu certo, mas precisa avançar para que a
qualidade e a eficiência dos serviços melhorem.
“Os números
são favoráveis. A quantidade de carga aumentou mais de 100%. Os acidentes se
reduziram em 85%. O caminho para desafogar a logística no Brasil passa pela
ampliação das ferrovias. É preciso pensar num novo modelo, menos regulado”,
defende Paes.
O executivo
comenta que o exemplo dos Estados Unidos, que abriu o setor na década de 1980,
aponta para ganho de eficiência e mais investimentos. “Lá, eles têm total
liberdade tarifária e contratual. Isso está longe da nossa realidade. Mas, em
alguns pontos, temos paralelo no Brasil”, afirma.
Pleitos
Quando os
Estados Unidos flexibilizaram a regulação, as empresas podiam abandonar as
linhas antieconômicas. “Isso fez surgir a indústria das pequenas ferrovias.
Alguns trechos podem não ser viáveis para as grandes transportadoras, mas fazem
sentido em outro modelo de negócio”, avalia. Por isso, um dos pleitos do setor,
no Brasil, é que os trechos que sejam economicamente inviáveis possam ser
devolvidos ao poder concedente, ou seja, à União.
“O governo
tem de desenvolver um formato diferente de exploração, que não seja tão rígido
como concessão, um modelo com custo operacional mais baixo”, argumenta Paes.
Estudos
Nos Estados
Unidos, continua Paes, depois da flexibilização do modelo, surgiram
aproximadamente 600 shortlines, pequenas linhas ferroviárias que carregam 40%
da carga, enquanto seis grandes companhias puderam baratear as tarifas dos
troncos ferroviários.
“No Brasil, podemos adaptar minimamente esse
modelo. o sistema de concessões
funcionou, e os números mostram isso, para os principais corredores. Os
secundários foram deixados em segundo plano, porque o nosso arcabouço
regulatório é muito pesado”, afirma.
O diretor da
ANTF explica que as empresas estão realizando estudos para ajudar o governo a
saber o que fazer com esses ramais. “Para isso funcionar, é preciso que o custo
seja menor e que a regulamentação seja mais leve. Queremos contribuir e apontar
o caminho”, acrescenta.
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