Um terço das ferrovias do país foi construído no Brasil Imperial

A primeira estrada de ferro construída
no Brasil foi a Estrada de Ferro Mauá, inaugurada em 1854, com 14,5 quilômetros
de extensão. A malha ferroviária nacional teve uma grande expansão ainda no
Império, chegando a 9.200 quilômetros de ferrovias em 1889, ano da proclamação
da República. Isso representa quase um terço da malha ferroviária atual do
Brasil, que tem cerca de 30 mil quilômetros de ferrovias.

Na sua história, o país deixou de lado
os investimentos no transporte de cargas e de pessoas por trens para priorizar
as rodovias. A extensão da malha ferroviária brasileira é equivalente a cerca
de 10% da extensão das estradas do país. Depois da greve de caminhoneiros que
afetou o abastecimento de itens essenciais no país, muitos se perguntaram por
que no Brasil o transporte é tão dependente das rodovias e dos caminhões.

Entre os motivos para que as ferrovias
não sejam mais prioridade, estão a falta de interesse em investimentos em longo
prazo e decisões políticas do fim dos anos 1950 que deram preferência às
rodovias motivadas, entre outros, pela força da indústria automotiva e dos
produtores de petróleo.

“Precisou acontecer esse problema
que quase paralisou o país para os governantes entenderem como a ferrovia é
importante”, diz o engenheiro ferroviário Helio Suêvo, diretor Cultural e
de Preservação da Memória Ferroviária da Associação dos Engenheiros
Ferroviários (Aenfer).

As ferrovias brasileiras prosperaram
até o final da década de 1950, quando foram preteridas pelas rodovias durante a
presidência de Juscelino Kubitschek. “O governo brasileiro privilegiou, nos
anos 1960, o transporte rodoviário devido à força das montadoras internacionais
de automóveis e dos grandes grupos de petróleo”, opina Suêvo.

Outro fator influenciou a política
brasileira de transportes implantada pelo governo brasileiro. Nas suas origens,
as ferrovias foram feitas para transportar a produção das fazendas de café;
elas ligavam as fazendas, as vilas, as cidades e iam em direção aos portos.
Segundo Suêvo, “a produção cafeeira no Brasil começa a se acabar, por volta de
1940, e ficaram essas ferrovias na necessidade de se criar um outro insumo para
ser transportado”.

Os investimentos a longo prazo também
desanimam os governantes brasileiros. “Nós, brasileiros, temos uma postura de
não atentar para ações de longo prazo. Temos ansiedade de resolver as coisas
imediatamente”, diz Márcio D’Agosto, professor de Engenharia de Transportes da Pós-Graduação
e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele
explica que as ferrovias exigem grandes investimentos, e garantia de
determinadas condições de uso e aplicação. “Quando comparamos isso a rodovias,
parece erroneamente que vamos resolver o problema mais rápido investindo em
rodovias, quando na verdade isso não acontece. Acabamos de ver isso agora”,
afirma.

 

Comparação

 

O transporte de cargas por trens tem
algumas vantagens em relação ao transporte rodoviário. De acordo com Suêvo, o
primeiro é mais econômico e menos poluente. “Uma composição ferroviária com cem
vagões de carga corresponde a cerca de 250 caminhões, e consome três vezes
menos diesel”, compara. Ele ressalta que o transporte por trens é mais vantajoso
em longas distâncias – maiores do que 300 quilômetros.

Entretanto, para se ter essa vantagem,
é preciso muito planejamento. Os governos estaduais e federal precisam de uma
estratégia de logística para distribuir com eficiência todas as cargas. Os
caminhões não podem ser descartados do plano, como as ferrovias não podem
chegar à porta de todas as indústrias, eles continuam necessários.

As vantagens das ferrovias não estão
sendo aproveitadas como poderiam no Brasil, já que a malha ferroviária é
bastante subutilizada. Dos cerca de 30 mil quilômetros de ferrovias, cerca de
28.500 quilômetros estão sob concessão de operadoras. Desses, apenas sete mil
quilômetros estão em operação plena; por volta de 13 mil quilômetros estão
subutilizados e cerca de 8.500 quilômetros estão sem operação, segundo Suêvo,
citando dados do governo federal.

D’Agosto concorda que esse é um grande
problema. Ele destaca que os trechos que são subutilizados e abandonados são os
trechos mais curtos, que conectam a ferrovia a outros setores e sistemas. Ele
cita o exemplo do sistema de trens dos Estados Unidos, que tem as malhas de
grandes distâncias e os trechos menores, “que garantem que a ferrovia vai ter
capilaridade para chegar próximo de áreas urbanas, dos depósitos, das fábricas,
para captar a carga e levar à linha longa que vai atravessar o país”.

 

Trens do futuro

 

Os trens brasileiros são
diesel-elétricos, ou seja, ainda precisam do diesel como combustível, mesmo
sendo mais eficientes do que os caminhões. D’Agosto acredita que esse é o
momento de começar a pensar também na substituição da fonte de energia para o
sistema ferroviário. “Podemos começar a pensar que as ferrovias brasileiras do
futuro sejam eletrificadas. Já temos o potencial de gerar energia elétrica
descentralizada, de fonte renovável”, diz. O engenheiro cita o potencial de
geração elétrica a partir da biomassa no Sul, da energia fotovoltaica no
Nordeste e no Sudeste, e da energia eólica no Nordeste como exemplos de fontes
de energia renovável que mais têm crescido no Brasil.

“Imagine termos um sistema ferroviário
eletrificado e indutor de desenvolvimento – pois ele conectaria não só as
cargas e as pessoas, mas também as redes de transmissão elétrica e as redes de
transmissão de tecnologia de informação. Uma ferrovia que não seria apenas
caminho para o trem, mas para energia, comunicação, tecnologia, infraestrutura,
saneamento. É uma visão de integração”, afirma D’Agosto.

 

– Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/ideias/um-terco-das-ferrovias-do-pais-foi-construido-no-brasil-imperial-0g3olihy1lr66ezetyly591ld


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