O Brasil vai bem de trem

Artigo de Fernando Simões Paes, advogado e diretor executivo
da Associação Nacional dos Transportes Ferroviários

 

Temos
acompanhado o debate em torno das propostas anunciadas pelo governo federal a
respeito das renovações antecipadas dos contratos de concessão das ferrovias de
carga. Ninguém duvida que o Brasil necessita urgentemente de uma política
pública que busque uma matriz de transportes mais equilibrada, com maior
participação do modal ferroviário, e é muito importante que o tema seja
amplamente discutido.

A renovação
antecipada foi incluída no Programa de Investimento em Logística do Governo
Federal em junho de 2015. A agenda, portanto, tem mais de três anos de
discussões por parte dos agentes públicos e de toda a sociedade civil, incluindo
juristas e economistas especializados no setor. Já foram realizadas uma série
de audiências públicas para debater a questão, e várias outras estão previstas
para ocorrer nos próximos meses.

Mas é
preciso dar um passo atrás e recuperar o histórico do modal ferroviário para
entender como chegamos até aqui. Símbolo de pujança e vigor econômico nos
países desenvolvidos, as ferrovias começaram a entrar em decadência no Brasil a
partir da década de 1950, com a adoção de uma política que priorizou as rodovias.
Fruto do desinvestimento no setor, nos anos 1990, a Rede Ferroviária Federal
acumulava, em valores presentes, R$ 2,2 bilhões em prejuízos e realizava um
déficit operacional anual de R$ 300 milhões aos cofres públicos (segundo o
BNDES).

Ao contrário
do que o saudosismo pode dar a entender, o processo de desestatização da gestão
da malha ferroviária não foi o responsável pela decadência do modal. As
concessionárias herdaram ferrovias centenárias, com engenharia ultrapassada,
com passivos operacionais e trabalhistas, ativos sucateados e traçados
obsoletos que não atendiam o surgimento das novas regiões produtoras do país.

Ao assumirem
a malha ferroviária, essas concessionárias desoneraram o Estado. Mais do que
isso, arrecadaram quase R$ 40 bilhões para o governo em outorga, arrendamento e
tributos. Por outro lado, nos últimos 21 anos, investiram R$ 92 bilhões no
sistema ferroviário, o que permitiu um aumento de 173% na produção ferroviária
e um crescimento de 113% na movimentação de carga.

O transporte
de contêineres cresceu 128 vezes e, em paralelo, as ferrovias reduziram em 86%
os índices de acidentes. Se todos esses dados não permitiram um salto maior na
participação do modal em nossa desequilibrada matriz de transportes, é
inegável, contudo, que o setor avançou bastante se comparado ao período
anterior.

Vale também
ressaltar os esforços para a viabilização do direito de passagem entre as
malhas, que vencem, inclusive, o desafio técnico do compartilhamento de carga
em ferrovias com bitolas distintas. Excluindo-se o minério de ferro, das 122,4
milhões de toneladas transportadas em 2017, 70,5 milhões utilizaram o direito
de passagem. Ou seja: praticamente 60% de toda a carga transportada por trilhos
no país atravessam malhas de terceiros. Em 2006, esse percentual era de apenas
36,5%.

É o direito
de passagem pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), operada pela Vale, e pela
Transnordestina que viabiliza, atualmente, o único acesso portuário da Ferrovia
Norte-Sul (ao Porto do Itaqui, no Maranhão). A duplicação da EFC, neste ponto,
mostrou-se fundamental para a viabilização da concessão do tramo central da
Ferrovia Norte-Sul, que deverá ocorrer ainda este ano, e para a implantação do
Terminal de Grãos do Maranhão.

Da mesma
forma, só que na outra ponta da Norte-Sul, os investimentos realizados pela
Rumo Logística, pela MRS e pela VLI, por meio das renovações antecipadas,
garantirão amplo acesso daquela ferrovia também ao Porto de Santos, além de
viabilizar a expansão de empreendimentos estratégicos para o escoamento de
produtos agrícolas, como o Tiplam e os terminais de grãos da Ponta da Praia.

No caso da
Malha Paulista, único que já passou por audiência pública, o projeto prevê mais
do que duplicar a capacidade da ferrovia que dá acesso ao maior porto do país.
Isso em apenas seis anos. Não é pouca coisa.

As
concessionárias estão dispostas a investir fortemente no sistema ferroviário,
R$ 25 bilhões em cinco anos – e estão preparadas para isso. Além de permitir
investimentos na malha atual, a renovação antecipada viabilizará investimentos
em regiões carentes de infraestrutura.

Os chamados
investimentos cruzados poderão tirar do papel projetos como a Ferrovia de
Integração Centro-Oeste (Fico) e o Ferroanel de São Paulo. Ambos são projetos
antigos e, ao mesmo tempo, urgentes para o país, sendo que o primeiro já conta,
inclusive, com estudos de viabilidade e licenciamento ambiental. A Fico é uma
demanda antiga do Centro-Oeste, que vê na sua construção uma alternativa de
ligação do leste do Mato Grosso – nova e mais promissora fronteira agrícola do
país – com o tramo central da Ferrovia Norte-Sul, possibilitando o escoamento
da safra pelos portos do Itaqui e de Santos.

O setor
investiu e se modernizou, a indústria ferroviária nacional foi reerguida, o
Brasil tem hoje domínio técnico para avançar mais, ampliar sua malha e
aproximar as operadoras das famosas ferrovias “classe 1” do mundo. A
renovação dos contratos é urgente e fundamental para o destrave de mais
investimentos para o setor, mas não se pode dizer que é açodada. Afinal,
trata-se de debate que já ocorre há pelo menos três anos.

Por quantos
anos ainda continuaremos a enxergar os trilhos pelo retrovisor com o olhar
saudosista da ferrovia dos tempos de Dom Pedro II?

 

Fonte: https://www.valor.com.br/opiniao/5729367/o-brasil-vai-bem-de-trem


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