Dois pareceres inéditos da Secretaria de Promoção e Defesa
da Concorrência (Seprac) do Ministério da Fazenda defendem que não sejam feitas
as renovações antecipadas dos contratos de concessão de duas ferrovias operadas
pela mineradora Vale: a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e a Estrada de Ferro
Vitória-Minas (EFVM).
O principal argumento contra a medida é que o volume de
investimentos adicionais previstos na prorrogação das concessões não
justificaria o uso dessa excepcionalidade. De acordo com os pareceres, o melhor
é caminhar para que essas ferrovias sejam relicitadas quando os atuais
contratos vencerem, em 2026 e 2027.
A renovação das concessões é uma das apostas do Programa de
Parcerias de Investimentos (PPI) para destravar a ampliação da malha brasileira.
Em troca da extensão contratual por 30 anos, o governo exige que a Vale
construa e entregue à União um trecho de 383 quilômetros da Ferrovia de
Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Goiás e Mato Grosso. O processo está
em audiência pública aberta pela Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT).
Para a secretaria da Fazenda, os parâmetros usados na
proposta de prorrogação favoreceriam a Vale, em detrimento da União. O
subsecretário de promoção da produtividade, concorrência e inovação, Ângelo Duarte,
explicou ao Valor que as tarifas de referência utilizadas nos dois casos estão
muito abaixo do que seria o preço de mercado, distorcendo o valor de
amortização do investimento que já foi realizado pela mineradora nas duas
ferrovias.
Outro parâmetro contestado pela Seprac é a taxa de desconto
(juro de referência), que os técnicos consideram defasada, pois foi calculada
em 2015 – quando os juros eram mais altos e o ambiente econômico estava
deteriorado.
No caso de Carajás, por exemplo, as contas apresentadas na
audiência pública apontariam um valor atual de amortização de R$ 18,7 bilhões,
que cai ao longo do tempo mas no fim da concessão atual, em 2027, ainda seria
favorável à empresa, ou seja, a União deveria pagar pelos investimentos feitos.
Mesmo com a renovação por 30 anos, pelos parâmetros da consulta pública, ainda
restariam cerca de R$ 2 bilhões a pagar pela União – a secretaria discorda.
Duarte explicou que, no caso de Carajás, o argumento central
para usar a prerrogativa de renovação antecipada, a realização de
investimentos, não se aplica. Isso porque esses já ocorreram e não há
necessidade de aportes vultosos nessa direção. A visão da secretaria é que o
programa de investimentos de R$ 11,4 bilhões apresentado para o período do novo
contrato ocorreria de qualquer jeito, pois em sua maior parte refere-se a
gastos com manutenção e conservação. Apenas R$ 243 milhões poderiam ser
considerados efetivamente decorrentes da prorrogação. Esse volume não
justifica renovação, disse.
No caso da Vitória-Minas, a oposição da Seprac vai na mesma
linha, incluindo os parâmetros econômico-financeiros utilizados e à questão de
que investimentos já teriam sido efetuados. Nesse caso, contudo, a União teria
direito a receber pelo menos R$ 3,1 bilhões relativos aos investimentos já
amortizados, valor que pode ser maior devido aos parâmetros usados.
Os técnicos contestam a sugestão de que o pagamento da Vale
à União seja feito por meio de um investimento cruzado de R$ 3,1 bilhões na
Fico. Para eles, seria melhor deixar que a Vale, ao fim da concessão, indenize
o governo e que os recursos sejam direcionados pelo governo para subsidiar os
investimentos de quem vencer uma futura a licitação da Fico.
O principal argumento é que, como a Vale não vai operar essa
ferrovia, os riscos são de uma obra mal feita e que não atraia interesse de
operadores, temerosos da necessidade de fazer gastos novos. É um
incentivo ruim, disse Duarte.
Os pareceres da Seprac não têm poder de barrar a renovação
antecipada, mas há um peso político. São os primeiros documentos do próprio
governo contrários à prorrogação. A decisão de levar adiante as extensões
contratuais, com esse modelo, foi tomada pelo conselho de ministros do PPI em
julho. Depois que a ANTT concluir a audiência, o processo segue para análise do
Tribunal de Contas da União.
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