O trauma da greve dos caminhoneiros e o tabelamento do frete levaram o setor produtivo a procurar modais alternativos ao rodoviário para o longo prazo. Segundo pesquisa do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), que entrevistou 100 indústrias do grupo das mil maiores em faturamento, a expectativa do empresariado é, até 2021, reduzir de 87% para 79% a fatia de cargas transportadas por estradas.
Enquanto isso, as ferrovias devem subir de 7% para 14% sua participação, enquanto a cabotagem – navegação pela costa brasileira, que liga portos nacionais – tende a crescer de 4% para 7%, segundo o levantamento.
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A maior diversificação de modais é apenas um dos caminhos buscados pelas empresas para fazer frente às consequências da greve dos caminhoneiros e do tabelamento do frete. Os empresários ouvidos têm repassado parte do custo mais elevado aos consumidores, reduzido a contratação direta de caminhoneiros autônomos e adquirido frota própria de caminhões.
Na crise, o modal rodoviário diminuiu seus investimentos, enquanto os outros seguiram investindo. Por isso, lá na frente, a ferrovia e a cabotagem conseguirão dar conta do incremento na demanda, disse o sócio do Ilos, Mauricio Lima.
O custo da logística no Brasil equivale a 12% do Produto Interno Bruto (PIB), contra apenas 7,7% nos EUA, segundo o Ilos. O transporte representa, sozinho, quase 60% desse custo. De acordo com Lima, isso acontece justamente por causa da dependência brasileira do modal rodoviário, que é mais caro.
Para o empresariado, o tabelamento do frete tem encarecido ainda mais o transporte e representa interferência sobre a livre iniciativa. Entidades do setor produtivo entraram com três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questioná-lo, mas, até agora, nada foi resolvido.
Em meados do mês, o relator Luiz Fux acrescentou insegurança jurídica ao tema, ao mudar de opinião no espaço de uma semana. Primeiro, o ministro concedeu liminar suspendendo o pagamento de multas por descumprimento da tabela; seis dias depois, derrubou sua própria liminar. Agora, o assunto será discutido em plenário ano que vem. A futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina, já disse que se dependesse do próximo governo, o tabelamento não existiria. –
No caso das ferrovias, um dos caminhos para aumento da oferta, segundo Lima, é a renovação antecipada de concessões que já existem. Em troca, as empresas teriam de construir novas ferrovias para a União fora de sua área de operação. Segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), cinco operadoras já estão em processo para obter este tipo de aditivo – Rumo Malha Paulista, Estrada de Ferro Carajás, Estrada de Ferro Vitória-Minas, Ferrovia Centro-Atlântica e MRS Logística – e podem investir R$ 58 bilhões.
A renovação das concessões, porém, ainda enfrenta resistência de alguns governadores – insatisfeitos com a alocação do investimento em outros estados – e do Ministério Público Federal. Também são projetos essenciais o da ferrovia do Rodoanel, em São Paulo, e o projeto da Ferrogrão, ainda em negociação, acrescentou Lima.
Projeto antigo, a Ferrogrão ligaria Sinop, no Norte do Mato Grosso, ao porto fluvial de Miritituba (PA), no rio Tapajós. Orçada em pelo menos R$ 12,7 bilhões, a ferrovia deve ter sua concessão leiloada pelo governo no ano que vem. O projeto é da Estação de Luz Participações (EDLP) e seria bancado por grandes tradings de grãos, como Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. Em reunião em setembro, membros da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT) chegaram a decidir pela criação de um fundo para financiar o projeto, mas voltaram atrás diante de incertezas tributárias. –
O Mato Grosso produz 60 milhões de toneladas de soja e milho e depende, basicamente, do modal rodoviário. E o tabelamento do frete está, em alguns casos, inviabilizando a produção. Enquanto o mundo paga US$ 30 para transportar uma tonelada por mil quilômetros, nós pagamos de US$ 80 a US$ 100, observou Fernando Cadore, vice-presidente da Aprosoja-MT.
E o projeto da Ferrogrão já enfrenta novos reveses. A Justiça Federal em Belém (PA) decretou, no fim do mês passado, a paralisação do processo de concessão com a justificativa de falta de estudos socioambientais. O governo está recorrendo. –
Deslocamentos por navios em portos do País cresce 27,6%; cabotagem é alternativa ao tabelamento do frete
Uma das alternativas às estradas, a cabotagem já é impulsionada pelas consequências da greve dos caminhoneiros e do tabelamento do frete. O volume de cargas transportadas no terceiro trimestre foi 27,6% superior ao mesmo período do ano passado, segundo números da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac). O dado considera apenas cargas destinadas ao mercado doméstico. Isso consolida a tendência de crescimento que vem ocorrendo nos últimos anos. O número de contêineres transportado pela cabotagem cresceu 11,7% ao ano entre 2008 e 2017.
Não podemos ficar reféns do tabelamento de frete. O setor cafeeiro olha a cabotagem como alternativa importante, já que temos um consumo interno fortíssimo, disse Nelson Carvalhaes, presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
Para Cleber Lucas, presidente da Abac, a ficha dos embarcadores caiu depois da greve e do tabelamento. Segundo Lucas, o setor será capaz de absorver o crescimento da demanda, mas ele reclamou da interferência do governo na competitividade entre os modais.
O modal rodoviário ganhou tabelamento de frete, redução do preço do diesel e desoneração da folha, promovendo uma competitividade assimétrica. Enquanto isso, o governo nunca teve uma política de Estado para a cabotagem, criticou.
Uma antiga demanda do setor ainda não resolvida é a tributação do bunker (combustível de navegação). Enquanto armadores estrangeiros abastecem no Brasil sem pagar imposto, a cabotagem brasileira paga PIS/Cofins e ICMS.
Segundo Cláudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, dada a antiguidade da concentração em caminhões, a transição para uma matriz de transporte menos dependente deles só poderá ser gradual e dependerá de mudanças regulatórias.
Para Frischtak, uma das medidas cruciais para a mudança de modelo seria permitir às ferrovias adotarem o modelo de autorização, não apenas o de concessão, como já acontece com portos privados.
Assim, o governo deixaria o mercado controlar o preço. Isso permitiria a construção das chamadas ‘short lines’ (ferrovias menores), já que o grande gargalo ferroviário no Brasil é a última milha. Nos EUA, tem ferrovias desse tipo sendo operado até por famílias, contou, acrescentando que, no Senado, tramita projeto de José Serra (PSDB-SP) que propõe justamente isso.
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