Chega de lambança

Se o presidente Bolsonaro quiser mesmo a pátria amada acima de todos, terá que dar meia volta volver.

Ele iniciou o seu governo com uma distopia política que o levou a acreditar que o surpreendente resultado de sua campanha -e de suas circunstâncias, com 1º) a crítica à política e aos políticos, enfim, à politicagem; 2º) a recuperação dos costumes corrompidos por uma certa mídia; 3º) a terrível desilusão que se abateu sobre o país com a desonestidade petista- seria suficiente para transformar num sucesso imediato uma indefinida nova política inventada por sua Casa Civil, que continua a mais incompetente das que se tem registro na história.

Deveria ter começado por resignar-se à única verdade: a revelada nas urnas! Não restava então (e ainda agora não resta) outro caminho -para quem foi eleito com uma participação relativa do eleitorado (39% dos que podiam votar) e cujo partido (antes da implosão) não conseguiu nas urnas nem 10% do Congresso- senão negociar! Negociar, legítima e republicanamente, uma composição majoritária, capaz de dar sustentação não ao seu programa, mas ao que resultasse do consenso estabelecido com os outros partidos. E, consequentemente, com eles repartir, também republicanamente, o poder que emergiu da eleição.

O fenômeno Bolsonaro mostra como as instituições políticas são da maior importância. São elas que abrem ou dificultam os caminhos para os seus atores e determinam os seus resultados. O Brasil vive o velho problema de não poder conciliar três valores: 1) o presidencialismo; 2) o multipartidarismo; 3) o pleno exercício da democracia, resultado das disputas de poder entre o Legislativo e o Executivo nas leis eleitorais, frequentemente pioradas pelas desastradas intervenções do Supremo Tribunal Federal.

No curto prazo, isso não poderá ser sanado flertando com um parlamentarismo oportunista que violenta a Constituição, como parece querer a Câmara dos Deputados. Só há uma saída para o Brasil voltar a crescer: atrair o investimento privado para a infraestrutura. Isso exige um choque de confiança produzido pela garantia de um adequado controle das despesas públicas, que continuam a crescer endogenamente.

Diante das novas circunstâncias locais e internacionais, o Brasil precisa que o Executivo deixe de tergiversar, o Legislativo abandone o seu diversionismo e que ambos encontrem a grandeza para enfrentá-las. Esse é o choque de confiança esperado pelos investidores nacionais e estrangeiros para lançarem-se nas parcerias público privadas que acelerarão o indigente crescimento do PIB.

*Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de O Problema do Café no Brasil.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antoniodelfim/2020/03/chega-de-lambanca.shtml

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