Folha de S. Paulo (Coluna) – Tornar o transporte público gratuito não é uma ideia nova. Aproximadamente 100 cidades no mundo têm alguma forma de gratuidade no uso desse serviço. Em algumas delas, somente os residentes podem desfrutar do benefício; em outras, essa prerrogativa é para grupos específicos, como os de idosos. Entretanto, Luxemburgo, com sua população de 614 mil pessoas, tornou-se, em 2020, a primeira nação do mundo a oferecer transporte público gratuito. Ônibus e trens em todo o país podem ser utilizados gratuitamente por quaisquer residentes ou turistas.
Um dos argumentos para a implementação dessa medida é, principalmente, que a gratuidade poderia estimular as pessoas a deixarem seus automóveis em casa reduzindo, assim, os congestionamentos, diminuindo a poluição do ar e a emissão de carbono na atmosfera. Contudo, a professora Enrica Papa, do Departamento de Planejamento de Transportes da Universidade de Westminster, no Reino Unido, argumenta em sentido contrário.
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Segundo a professora, os economistas alegam que o transporte público gratuito é irracional e antieconômico, porque gera “mobilidade inútil”. Isso significa que as pessoas se deslocarão de um lugar a outro simplesmente porque é gratuito, aumentando os custos dos operadores de transporte e os subsídios para as autoridades locais. Em última análise, haveria aumento das emissões de poluentes pelo transporte público.
Talvez não seja surpresa que a introdução do transporte público gratuito aumente o número de pessoas que o utilizam. Um forte crescimento de passageiros foi relatado em todos os lugares onde esse tipo de transporte foi introduzido, e os efeitos são mais evidentes após vários anos.
Pesquisa realizada em cidades que adotaram a gratuidade concluiu que, quando as tarifas são removidas, apenas um pequeno número de pessoas faz a troca do carro pelo transporte público. Os novos passageiros atraídos pela gratuidade tendem a ser pedestres e ciclistas, e não motoristas de automóveis. A percepção na maioria das cidades onde o transporte público gratuito foi introduzido é que o aumento do número de passageiros vem, predominantemente, de pessoas que poderiam ter caminhado, pedalado ou até mesmo não viajado.
Os especialistas do Cosmopolis Centre, em Bruxelas, concordam que os efeitos do transporte público gratuito sobre os níveis de tráfego de automóveis são marginais, e alegam que, por si só, o transporte público gratuito não pode reduzir significativamente o uso e o tráfego de carros ou melhorar a qualidade do ar.
Segundo a professora Enrica Papa, o sucesso para induzir as pessoas a usarem transporte público depende mais da qualidade do serviço. Em um sistema mais limpo, confortável e confiável configuram-se os pré-requisitos essenciais para que o transporte público possa competir com os automóveis.
Três anos depois que as tarifas foram abolidas na capital da Estônia, Tallinn, o número de passageiros de ônibus aumentou de 55% para 63%, enquanto as viagens de carro registraram a diminuição ligeira de 31% para 28%, juntamente com as caminhadas, que caíram de 12% para 7%.
Por outro lado, o modelo de transporte público gratuito, embora não seja, sozinho, eficaz para tornar a mobilidade sustentável, ele é capaz de trazer outros benefícios que podem valer a pena. Ele tem potencial para ser uma política social progressiva, garantindo e melhorando a mobilidade urbana para diversos grupos que, de outra forma, teriam dificuldades para se locomover.
Não de forma ampla, podem existir vantagens importantes para a sociedade com a adoção da gratuidade do transporte público. Porém, em função dos efeitos econômicos presentes, cuidadosas análises de custo/benefício e prioridades de investimentos devem ser efetuadas antes de sua eventual adoção.
Claudio Bernardes
Engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação de São Paulo. Presidiu a entidade de 2012 a 2015.
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