O Globo – Sofás, colchões velhos, televisores, entulho de obras e toda sorte de plásticos… Num estado onde rios, encostas, lagoas e baías são feitos de lixeira, a linha férrea tampouco escapa, e os despejos pioraram durante a pandemia. Só no ano passado, a SuperVia recolheu mais de 4 mil toneladas de sujeira doméstica deixada nos ramais de trem do Rio e da Baixada, cerca de 35% a mais que em 2019. E, se isso gera prejuízos à operação, até com risco de acidentes, representa também transtornos aos passageiros: de acordo com a concessionária, não é raro que a circulação tenha que ser interrompida para a retirada de resíduos de cima dos trilhos e dormentes ou, nos dias de chuva, devido a bolsões d’água provocados pela obstrução do sistema de drenagem.
Um levantamento feito pela empresa mostra que os pontos mais críticos estão em comunidades que cresceram desordenadamente perto da via e em áreas nas quais a violência, além de aterrorizar moradores, dificulta serviços públicos como a coleta de lixo. Estão nessa lista o entorno da favela do Jacarezinho e as imediações de estações como Manguinhos, Del Castilho, Barros Filho e Costa Barros. Mas é do ramal Santa Cruz, que corta a Zona Oeste da capital, que é removido mais de um quarto dos dejetos – 1.142 toneladas ao longo de 2020 -, com vazadouros mais recorrentes na região de Senador Camará, nas proximidades da Vila Vintém e no trecho entre as estações Benjamin do Monte e Cosmos.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
- Muitas vezes, são feitos buracos nos muros que segregam a linha férrea, e as pessoas utilizam esses acessos para jogar lixo. Temos uma equipe de engenharia dedicada a fechá-los. Mas rapidamente eles são reabertos – afirma Roberto Fisher, gerente de Via Permanente da SuperVia. – Acredito que a pandemia tenha impactado nesse aumento do despejo doméstico, já que as pessoas ficaram mais tempo em casa. Foi o maior volume recolhido nos últimos anos. Vemos claramente um antes e um depois da atual emergência sanitária. E sequer conseguimos retirar todo o lixo, apenas parte dele – acrescenta o executivo.
Custo de R$ 2 milhões ao ano
Ele explica que, embora não seja uma atribuição que faça parte escopo do contrato da concessionária, são realizadas operações de rotina para limpar a sujeirada, que custam anualmente R$ 2 milhões com mão de obra e maquinário, num cenário em que os transportes públicos apontam perdas milionárias devido à queda na demanda de passageiros na pandemia. São usadas retroescavadeiras, e “trens de sanitificação” carregam esse material, em operações que ocorrem nas madrugadas ou agendadas para o fim de semana. Frequentemente, no entanto, os descaminhos da segurança pública, mais uma vez, revelam seus efeitos.
- Acontece de termos que, de última hora, cancelar a programação porque tem um tiroteio ou algum outro problema relacionado à violência. O Jacarezinho é um exemplo. É um dos piores pontos, onde o lixo chega a tomar inteiramente a faixa de domínio da via. Mas há ocasiões em que não conseguimos fazer a remoção – conta Fisher. – Às vezes também recolhemos o lixo num domingo e, três dias depois, volta tudo à forma como estava.
O resultado desse enxugar gelo é visível para quem anda de trem. Na sexta-feira de carnaval, no ramal Santa Cruz, enquanto pessoas atravessavam a linha por uma passagem irregular perto da estação Benjamin do Monte, entre Campo Grande e Inhoaíba, havia uma antiga TV de tubo abandonada a menos de um metro do trilho, e montes de entulho já tombando na linha. Um pouco mais adiante, em Cosmos, o descarte era de dois sofás, pedaços de madeira e dezenas de sacolas plásticas com lixo orgânico.
Falta de saneamento básico no entorno
Além do resíduo sólido, em comunidades que se expandiram às margens do ordenamento da ocupação do solo, a falta de saneamento básico é outra mazela das cidades da Região Metropolitana do Rio que extravasa para dentro da malha ferroviária. Segundo a SuperVia, em vários trechos, o esgoto das construções irregulares vai parar, junto com o lixo, na rede de drenagem do sistema, construído quando o subúrbio do Rio ainda era uma área rural.
- É um volume muito maior do que o dimensionado para a rede, o que impede o escoamento das águas. Em chuvas fortes, por mais que façamos manutenção, os bolsões acabam passando por cima dos trilhos, levando à interrupção da circulação – diz o gerente de Via Permanente da concessionária, apontando áreas como Madureira, as proximidades do Maracanã e o Corte Oito, em Duque de Caxias, como algumas das mais suscetíveis a essas alterações.
Diante do quadro atual, Fisher afirma que a empresa faz campanhas de conscientização para que as pessoas não joguem lixo na via férrea. Além disso, diz que, no Rio, vem estreitando a operação com a Comlurb. No entanto, cobra ações mais efetivas do Estado e das empresas de limpeza municipais:
- Quando um trem para, o prejuízo indireto é muito grande, e afeta a vida dos passageiros.
Veja a quantidade de lixo e os pontos críticos de cada ramal:
Ramal Saracuruna – 912 toneladas (incluindo as extensões Via Inhomirim e Guapimirim): imediações das estações Gramacho, Duque de Caxias, Manguinhos e Triagem.
Ramal Belford Roxo – 710 toneladas: imediações das estações Jacarezinho, Del Castilho, Barros Filho, Costa Barros, Pavuna/São João de Meriti, Vila Rosali, Agostinho Porto e a passagem em nível de Aurélio Valporto.
Ramal Japeri – 640 toneladas: imediações das estações Ricardo de Albuquerque, Olinda, Nilópolis, Mesquita, Comendador Soares, Edson Passos, Austin e Queimados.
Ramal Deodoro – 606 toneladas: imediações das estações São Francisco Xavier, Riachuelo, Engenho de Dentro, Bento Ribeiro e Marechal Hermes.
Seja o primeiro a comentar