Estadão – Sem aumento relevante na oferta de minério de ferro à vista, os preços da commodity seguirão em alta, mas distantes do “superciclo” dos anos 2000, afirmou o presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, em entrevista ao Estadão/Broadcast. O executivo prevê que o ritmo de produção de aço na China se estabilize nos próximos cinco anos – e “o mercado, em algum momento, vai ceder”. Garante que a empresa estará “bem posicionada” para quando esse momento chegar.
“Não sou mágico para dizer se vai ser no ano que vem, daqui a dois anos, mas não é no curto prazo”, diz Bartolomeo, em uma das raras entrevistas desde que assumiu o comando da mineradora, em abril de 2019, poucos meses após o rompimento da barragem de Brumadinho (MG).
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Na conversa de 45 minutos, Bartolomeo cita medidas tomadas desde o desastre, como o acordo de R$ 37 bilhões para reparação dos danos ambientais e sociais. Afirma que a Vale está no meio de uma jornada de transformação, e começam a aparecer os primeiros frutos. Uma das metas é ingressar no Índice Dow Jones de Sustentabilidade até 2025.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O preço do minério de ferro permanece elevado. Qual sua avaliação sobre o cenário para a commodity?
Falamos de “stronger for longer, better for ever”. Traduzindo, seria algo como “mais forte por mais tempo, e melhor para sempre”. O mercado vai ficar apertado por um tempo, porque não tem aumento de oferta [de minério de ferro] além da nossa, que vai ser colocada de forma disciplinada e natural. Nossa meta é ter capacidade de produzir 400 milhões de toneladas em 2022. Mas não acredito em superciclo de minério. Eu vivi o superciclo no passado. Em 2000, a China produzia 130 milhões de toneladas de aço bruto. Esse volume cresceu para 640 milhões em 2010 e 1 bilhão em 2020. Não acredito que a China vai seguir assim e fazer 1,4 bilhão de toneladas. O negócio de minério de ferro está amadurecendo e estabilizando, inclusive sendo substituído por sucata. A China deve estabilizar a produção nos próximos cinco anos. Então, acreditamos que o mercado, em algum momento, vai ceder.
É possível estimar quando isso vai acontecer?
Não sou mágico para dizer se vai ser no ano que vem, daqui a dois anos, mas não é no curto prazo. Quando o mercado “abrir”, estaremos bem posicionados. É onde entra o “melhor para sempre”. Como produtora de minério de qualidade, quando a curva de demanda começar a diminuir, a Vale vai ser o operador de preferência (dos clientes). Vamos ter o minério de alta qualidade de Carajás, as nossas filtragens funcionando nos sistemas Sul e Sudeste, principalmente em Brucutu, Itabira e Vargem Grande (complexos em Minas Gerais). Nossa capacidade de produzir produtos de qualidade vai aumentar, já que não estarei restrito a barragens. E também temos muita inovação tecnológica. (…) Queremos fazer mais produtos de qualidade. Na hora que o mercado “suavizar”, vamos estar bem preparados, com 90% do nosso portfolio de alta qualidade. Ou seja, ninguém vai ter esse portfólio.
A Vale tem meta de produção de 315-335 milhões de toneladas em 2021. Quais os desafios para atingir essa meta?
Começamos o ano com 322 milhões de toneladas de capacidade e vamos terminar o ano acima disso. Existe uma construção dessa capacidade. A volta da mina de Timbopeba (Complexo de Mariana) era um item. A liberação da correia transportadora de Vargem Grande também é um desafio. Também tínhamos o desafio, que superamos, de voltar a operar Serra Leste (Pará). O sistema Norte é hoje o nosso grande motor, com cerca de 200 milhões de toneladas. Existem desafios de diversas naturezas, como as restrições impostas por barragens ou restrições ambientais de liberação de frentes de lavra. (…) Estamos muito confiantes de que vamos bater o guidance (orientação futura). Fizemos um primeiro trimestre muito bom. Não posso antecipar o resultado do segundo trimestre, mas estamos O.K. Muito tranquilos sobre os volumes que vieram no primeiro semestre. No primeiro trimestre, já apareceu esse número, bem melhor do que no ano passado. Como em 2020 a Vale produziu 300 milhões de toneladas, se eu só anualizar o que já fiz até o segundo trimestre…
É possível recuperar o chapéu da maior produtora de minério de ferro do mundo ainda neste ano?
A Vale não pode ser vista como um produtor que não vai produzir 400 milhões de toneladas. Mas a Vale é “value over volume” [traduzido, “valor acima de volume”]. A Vale sempre fala de capacidade. Fazer a produção é outra coisa. A produção vai depender de mercado, de mix. Não vamos ter a indisciplina de jogar tudo no mercado se não houver demanda. Ao mesmo tempo, não posso perder market share (participação de mercado). Não posso deixar de atender o cliente. O maior produtor de ferro na China pediu recentemente, durante uma reunião, mais 5 milhões de toneladas. Você acha que vou falar para o cara que não vou atender? É claro que a Vale quer produzir, óbvio que existe mercado. Então, não estamos preocupados em passar A ou B, estamos preocupados em atender o cliente. E, de novo, temos um diferencial que ninguém tem que é qualidade.
A Vale está em um momento positivo de geração de caixa, que supera mesmo a dívida líquida. Existe espaço para aquisições?
Temos uma dívida expandida relevante. Vamos sempre reservar. Não podemos olhar a dívida sem olhar os compromissos. Além disso, acabamos de pagar o financiamento de projeto de Moçambique. Há uma série de coisas a fazer que demandam caixa. Temos um capex (investimento) em torno de US$ 6 bilhões, que não consideramos alto, e que mira duas coisas: criar essa real capacidade de fazer operações sem barragem, ou diminuir substancialmente a demanda por barragem. A filtragem é US$ 2 bilhões nesse número de capex. Além disso, temos uma plataforma de crescimento que ninguém tem. Podemos investir em cobre, podemos investir em níquel. Porque, então, vou olhar para fora de casa hoje? Evidentemente, todos os ativos foram precificados de forma cara. A Vale está focada em fazer sua jornada de transformação e arrumar a casa. E, obviamente, depois de tudo isso cumprido, guardada a segurança das nossas operações, o que for colocado para “fora” vai ser transformado em retorno para acionista, isso é natural. Mas é um negócio cíclico. Já vimos o preço do minério a US$ 30. Temos sempre que nos preparar para o inverno.
O risco de uma crise hídrica no País atrapalha os planos, preocupa a mineradora?
Estamos olhando com atenção, com certeza. Existe um impacto de custo imediato, que não temos como evitar. Temos uma geração de energia própria muito grande, uma matriz renovável e própria muito grande. Estamos nos preparando para algum eventual cenário, trabalhamos com cenários. Isso ajuda na nossa própria pauta ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Anunciamos o Solar Sol do Cerrado [projeto de usinas fotovoltaicas], que não vai aparecer agora, será construído. Continuamos caminhando e nossa meta é ser 100% autossuficientes no Brasil em 2025 e no mundo em 2030. Temos uma matriz muito favorável para nós. Mas, claro, estamos num grid, e temos que olhar com atenção. A ação imediata que temos feito é trabalhar na eficiência energética.
O senhor assumiu a Vale logo após Brumadinho…
Eu fui trazido para o cargo de CEO pelo acidente, pela tragédia de Brumadinho. Isso é fato, é inegável. Estamos agora numa transformação muito forte da companhia. Eu falo três palavras sempre: segurança, pessoas e reparação. Quando cheguei, era evidente que precisava focar nessas coisas. A gente estava no meio da crise, e estamos ainda. Não vamos falar que saímos da crise, porque esse é um processo longo. Isso se transformou em dois pilares estratégicos para a gente, que é a “segurança e excelência operacional” e um que chamamos de “novo pacto com a sociedade”. Isso tem guiado a companhia. Temos uma narrativa de “de-risking” (redução de risco), “reshaping” (remodelação) e “re-rating” (reavaliação).
Recentemente, a Vale ganhou o Prêmio Broadcast Empresa 2021. O que vem sendo feito?
Tem duas dimensões: a dimensão externa, que é o mercado. Por paradoxo a pós-pandemia foi muito positiva para nós e para todo o setor de commodities, tanto para o minério de ferro, quanto para o níquel e o cobre. Isso por causa da forte reação da China e o alívio monetário nos EUA e Europa. Mas a gente também tem um trabalho. O “de-risking” tem a lógica de reparação de Brumadinho, a segurança das operações e das pessoas, a retomada de capacidade de produção e a agenda ESG. Quando falamos de “reshaping”, falamos de sair de negócios que não temos competência, como Moçambique. O “re-rating” é ser nota dez em segurança, nota dez em ESG. Queremos ser certificados em ESG. Queremos entrar para o Dow Jones de Sustentabilidade. As pessoas começam a olhar para a Vale e começam a ver uma empresa que vai ser, sim, mais segura, mais confiável e mais humana. É algo que começou a ser percebido por quem avalia a gente, como a Fitch e a Moody’s.
Existe prazo para ingressar no Índice Dow Jones de Sustentabilidade?
Queremos ser uma empresa segura, confiável, humana, líder de baixo carbono e reconhecida como geradora e repartidora de valor. Para todas essas cinco, colocamos metas até 2025. Temos meta de zerar fatalidades, temos meta de cumprimento de guidance de produção muito melhor do que hoje. Temos para recuperação de reputação, de ESG. Para ESG, é uma questão de propósito. Não estamos fazendo isso para certificar. A gente acha que o resultado final tem que ser validado por quem não é a gente. Não adianta a gente falar da gente mesmo. A Vale está, sim, buscando entrar no Índice Dow Jones de Sustentabilidade. Aplicamos este ano, mas obviamente não entramos. Nosso plano é chegar a 2025 com essas metas amplas alcançadas, de cinco dimensões. No meio do caminho posso atingir, por exemplo, a certificação. Mas tem outras metas, atreladas à divisão de valor. Por exemplo, o múltiplo, queremos múltiplos acima do nosso competidor, isso, sim, é ousado. Obviamente, não vou ter amanhã, vai levar um período para alcançar. Nos limitamos com o tempo cíclico de cinco anos, mas acho que a certificação pode acontecer um pouco antes. Outro índice é o de reputação. Conhecemos o número que tínhamos antes de Mariana. Inclusive, o da época de Roger (Agnelli, presidente da Vale de 2001 a 2011). Queremos voltar àquele patamar.
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