Metrô muda de controlador, mas passageiros enfrentam os mesmos problemas

Metrô cheio na estação Carioca: cena voltou a ser cada vez mais comum após retomada das atividades pós-pandemia Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Metrô cheio na estação Carioca: cena voltou a ser cada vez mais comum após retomada das atividades pós-pandemia Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

O Globo – Para a faxineira Antônia Cleunice Maciel, que mora na Rocinha e trabalha em Laranjeiras, chegar atrasada no trabalho virou algo comum. O vilão, diz, é o metrô. Ela conta que, tanto na ida para o serviço quanto na volta para casa, sempre em horários de rush, costuma aguardar dez minutos, às vezes 15, pela chegada do trem. Sem falar que, além da espera na plataforma, muitas vezes a composição fica parada entre as estações aguardando liberação. Outros tormentos, segundo a faxineira, são as dificuldades para entrar nos vagões, devido ao excesso de passageiros, e a tarifa alta.

Embora abaixo dos números pré-pandêmicos, a quantidade de usuários do metrô voltou a subir. Mas as reclamações de Cleunice, repetidas por outros passageiros, são o maior desafio do fundo Mubadala, de Abu Dhabi, que assumiu o controle da concessão das linhas 1, 2 e 4, com 51,5% das ações. Só que, pelo menos por enquanto, o fundo dos Emirados Árabes afirma que nada muda no sistema. E reitera que o novo controle acionário “não causará impacto algum na operação ou na rotina dos usuários”.

Assim é que a Invepar, que administrava a MetrôRio e a MetrôBarra, saiu de cena. Contudo, a direção e os funcionários das duas concessionárias serão mantidos, agora sob a batuta dos árabes. Guilherme Ramalho, presidente da MetrôRio (que opera as linhas 1, 2 e 4 do sistema), inclusive, será mantido no cargo.

— Pego o metrô 8h na estação São Conrado para ir trabalhar, e, mesmo sendo a segunda estação da Linha 4 (no sentido Zona Sul), entro nele cheio. As estações vão passando, e o vagão fica lotado muito rápido. Na volta, costumo pegar por volta das 18h, no Largo do Machado, e tenho dificuldade de embarcar — queixa-se Cleunice.

A Invepar é controlada por fundos de pensão — Previ, Funcef e Petros — , que continuam no negócio do metrô. Numa operação estimada em R$ 1,8 bilhão, houve troca da dívida da Invepar com o Mubadala e com esses três fundos de pensão por ações da MetrôRio e da MetrôBarra. Com a transação, o controle das duas empresas passou para a Hmobi, holding de investimento em mobilidade urbana, na qual o Mubadala tem 51,5%, e os três fundos brasileiros, 48,5%.

O grupo Mubadala já tinha entrado no mercado carioca quando, em 2008, arrematou do empresário Eike Batista o Hotel Glória. Ano passado, porém, vendeu o imóvel para o Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário. Uma transação que girou em torno de R$ 90 milhões.

Sem obras à vista
Quanto a obras, a chegada dos árabes não mudará o cenário atual. A MetrôRio e a MetrôBarra são responsáveis tão somente pela operação e pela manutenção do sistema. A compra de trens e a expansão do metrô continuam como atribuição do governo do estado.

Para o presidente do Conselho da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Joubert Flores, o sistema metroviário do Rio é pequeno, em comparação com a necessidade da cidade, e isso se reflete na insatisfação dos usuários.

— Se você não tiver planejamento para expandir, vai ter sempre uma rede congestionada. O Rio tem 58 quilômetros de metrô, que começou a operar em 1979. O metrô de São Paulo tem mais de 90 quilômetros e começou a funcionar em 1974. Também da década de 70, o da cidade do México tem 220 quilômetros, e o de Santiago, no Chile, possui mais de 150 quilômetros. Nessas outras áreas, houve uma decisão estratégica de investir na expansão das linhas — argumenta Joubert, acrescentando que a falta subsídios do poder público agrava a situação do metrô carioca, não permitindo integrações adequadas com outros meios de transporte e elevando o preço da tarifa (a do Rio está em R$ 5,80 e é a maior do país).

Para a Olimpíada de 2016, o Rio inaugurou cinco estações da Linha 4 (Nossa Senhora da Paz, Jardim de Alah, Antero de Quental, São Conrado e Jardim Oceânico). Depois disso, os investimentos do governo do estado na ampliação do metrô carioca empacaram. Paralelamente, nos últimos cinco anos, o metrô de São Paulo inaugurou 21 estações.

Com obras paradas desde 2015, após o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) identificar superfaturamento, a estação Gávea, da Linha 4, virou um elefante branco e motivo de preocupação de vizinhos. O estado chegou a lançar uma licitação apenas para a realização de estudos, visando a estabilizar o buraco preenchido por água, mas não apareceram interessados. Um novo edital com o mesmo objetivo está sendo preparado pela Secretaria estadual de Transportes.

Em agosto, durante sessão plenária, o TCE-RJ determinou que concessionárias e agentes públicos envolvidos nas obras da Linha 4 devolvessem aos cofres públicos de R$ 2,5 bilhões. Além disso, o tribunal, que identificou superfaturamento de R$ 3,7 bilhões no projeto, aplicou mais de R$ 452 milhões em multas, numa lista em que estão incluídos os ex-governadores Wilson Witzel e Sérgio Cabral, e pediu que o governo apresente um plano para concluir a estação da Gávea. Contudo, isso ainda não ocorreu.

Do Leme para o Centro, há outro nó a desatar: o trecho entre o Estácio e a Praça Quinze, importante para desafogar o metrô, continua no papel.

Calvário de passageiros
Repórteres do GLOBO percorreram estações do metrô durante dois dias. A MetrôRio informa que o número de passageiros caiu mais de 50% em relação ao período pré-pandemia, mesmo com o aumento em outubro, a partir da retomada econômica. Enquanto isso, a demora pelo embarque, vagões lotados, paradas inesperadas e tarifa alta são queixas recorrentes de passageiros.

Por volta das 13h da última quarta-feira, era preciso ter paciência para embarcar na estação Nova América/Del Castilho, que integra a Linha 2. Tanto no sentido Botafogo quanto na direção da Pavuna, os intervalos eram de dez minutos.

Moradora do Irajá, a vendedora Patrícia Gama usa o metrô diariamente para chegar e sair do Nova América. Ela afirma que, apesar de não ter o costume de embarcar na hora do rush, sofre com a demora na chegada das composições:

— Eu uso sempre o metrô por volta de 12h30, e o vagão não costuma estar lotado, mas também não fica vazio. O problema é que a demora para ele chegar muitas vezes é grande. Passa de dez minutos. Isso quando ele não para, do nada, entre uma estação e outra

Às 14h15, a estação Botafogo — que faz integração entre as linhas 1 e 2 — estava com o movimento um pouco mais intenso. Os painéis que informam o tempo de espera indicavam um intervalo de 12 minutos entre cada trem. Esse foi o tempo que a cozinheira Leonice Martins, de 66 anos, aguardou para embarcar num trem da Linha 2.

— O último metrô tinha acabado de sair assim que cheguei na estação. Hoje, eu estou de folga do trabalho, mas meu normal é pegar o metrô às 5h30 na estação de Colégio, e às 17h aqui em Botafogo. São os piores horários. Eu não lembro a última vez que ele não estava completamente lotado — lamenta a moradora de Campo Grande.

Na quinta-feira, às 18h, quem estava na estação da Central precisava aguardar sete minutos por um trem para a Pavuna e oito para a estação Uruguai. Segundo a Agetransp, agência que controla os contratos do metrô, um decreto de setembro fixa em 4m30s o intervalo máximo de trens nos horários de rush (entre 7h e 9h e de 16h30m às 20h). Fora das horas de pico, o intervalo varia conforme o período do dia e a linha: de manhã, oscila entre nove e dez minutos; e à noite, entre nove e 20 minutos.

O servente Severino Francisco percebeu que nos últimos dois meses os trens que antes circulavam vazios agora vivem cheios. Morador de Campo Grande, ele continuou trabalhando presencialmente na Tijuca durante o período de maior isolamento social, e teve que voltar a adotar velhas táticas para andar no transporte público.

— Quando a gente entra, já precisa saber em que estação vai descer para se posicionar do lado certo. Caso contrário, acaba perdendo a estação, e precisa voltar em outro metrô depois. Nos últimos dois meses, a Linha 2, principalmente, tem estado bastante cheia — conta.

Morador da Tijuca, Ricardo Palmieri concorda. Ele trabalha há um ano como assistente financeiro em uma empresa no Flamengo. Sua rotina diária é pegar o metrô na Saens Peña às 7h15, e no Largo do Machado por volta de 18h. Ele conta que, nos últimos meses, com as atividades econômicas retomando à normalidade, os vagões têm ficado mais cheios.

— Comecei a trabalhar nessa empresa em novembro de 2020. Até abril deste ano, na ida para o trabalho, o metrô ia relativamente vazio até a Central, e lá enchia numa proporção até aceitável. Na volta, já era um pouco pior, também enchendo mais na Central. Agora, está insuportável nos dois sentidos, em todas as estações. É bem problemático ficar pegando metrô na pandemia, com todo mundo espremido. Outro problema é a tarifa alta: acho R$ 5,80 muito caro para um trajeto tão curto. São mais de R$ 11 por dia — diz o jovem de 28 anos.

O músico Leandro Vicente, de 35 anos, precisou esperar uma segunda composição em direção à Pavuna no fim da tarde de quinta-feira, para conseguir embarcar na Central:

— Os trens não dão vazão à quantidade de gente que pega o metrô. Voltou a ser como era antes da pandemia.

Multa por falta de conforto
Em 2019, Agetransp, agência que regula os transportes no estado, instaurou 43 processos administrativos para apurar fatos que interferem na operação do metrô. Em 2020, por conta da pandemia e da redução de usuários, eles caíram para 24. Em 2021, voltaram a subir: são 58 até o fim de outubro.

No ano passado, a agência aplicou às concessionárias do metrô quatro multas, no valor histórico de R$ 1,9 milhão. Uma delas foi pela baixa pontuação na pesquisa de opinião feita junto a passageiros. Ela é obrigada a ter um índice mínimo de 8,2 pontos em cada quesito. Em relação ao conforto, obteve 5,9.

Até outubro de 2021, as concessionárias receberam cinco multas, num total de R$ 2,26 milhões. Uma delas foi referente a um curto-circuito numa subestação retificadora, em 2018, que paralisou a Linha 2. Foram constatados fortes indícios de falha no isolamento elétrico nas emendas dos cabos de energia de tração, que, quando ficaram submersos, provocaram o curto-circuito. Outra foi por falha de sinalização, também em 2018, que provocou intervalos irregulares nas linhas 1 e 2.

Em 2019, a Agetransp aplicou a MetrôRio a maior multa em uma concessionária em todo o Estado do Rio: foram R$ 10,6 milhões por atrasos no cronograma de investimentos, falta de manutenção em 15 passarelas e de qualidade dos serviços. Do total, R$ 9,2 milhões se referiam a atrasos em 23 itens do cronograma de investimentos, como a modernização de trens e estações.

Empresa alega perda de R$ 1,2 bilhão
O sistema metroviário carioca se estende por 58 quilômetros e conta com 41 estações. A concessão das linhas 1 e 2 vai até 2038, e a da Linha 4, acaba dois anos antes.

Segundo os consórcios que operam o metrô, a média de passageiros por dia chegou a 465.332 em outubro último. Maior do que a média diária dos primeiros dez meses de 2021 (407.417) e de 2020 (441.609). Mas bem inferior à de igual período de 2019 (878.047). Entre janeiro e outubro, passaram pelas roletas do metrô, 211.491.199 passageiros, em 2019; 99.879.574, em 2020 (incluindo de janeiro a março, antes da pandemia); e 97.260.738, em 2021. As perdas tarifárias alcançaram R$ 1,2 bilhão durante a pandemia, alega o consórcio.

Conforme a MetrôRio, o intervalo de trens nos horários de rush no trecho compartilhado, entre as estações Central e Botafogo, é de 2m15s, e, nas demais estações, de 4m e 30. A empresa diz ainda que vem praticando esses intervalos desde setembro de 2020, “que são os mesmos adotados nos horários de rush no período pré-pandemia e os menores possíveis, considerando a capacidade do sistema”.

A concessionária acrescenta que, nos horários comuns, o intervalo varia entre cinco e dez minutos, e que “a grade de trens é projetada de acordo com o contrato de concessão e conforme a demanda de passageiros, necessidade de manutenção, gestão de frota, respeitando as características do tipo de dia (útil, sábado, domingo e feriado) e faixa horária”. A oferta, prossegue, “é projetada de acordo com a demanda e o sentido de deslocamento dos passageiros, considerando suas origens e destinos”.

Por fim, a empresa ressalta que “os intervalos de dez minutos já eram praticados antes da pandemia, nos dias úteis, em alguns horários”, mas que eles podem variar ao longo do dia, “sempre, no entanto, respeitando as regras previstas no contrato de concessão e na legislação”.

Rio versus São Paulo
A diferença entre o sistema metroviário das duas maiores metrópoles brasileiras é discrepante há décadas, mas essa disparidade se intensificou recentemente. Nos últimos cinco anos, não houve inauguração de nenhuma estação no metrô do Rio. Em São Paulo, no mesmo período, 400 novos carros foram entregues, além de 21 estações, numa extensão de 27 quilômetros. Enquanto o metrô carioca se estende por 58 quilômetros ao longo de três linhas e 41 estações, a malha metroviária paulista é de 101 quilômetros, contemplando seis linhas e 89 estações.

No Rio, as 41 estações são divididas da seguinte forma: dez na Linha 1; outras dez compartilhadas entre as Linhas 1 e 2; 16 na Linha 2; e mais cinco na Linha 4. Em São Paulo, as linhas 1, 2, 3 e 15 são integradas, somando 62 estações do total de 89. As outras 27 são distribuídas pela Linha 4 (dez estações) e a Linha 5 (17 estações).

As últimas entregas do metrô carioca ocorreram em 2016, quando foram inaugurados os 16 quilômetros da Linha 4, deixados como um legado olímpico para a mobilidade da cidade: são elas a Nossa Senhora da Paz (em Ipanema), Jardim de Alah (entre Ipanema e Leblon), Antero de Quental (no Leblon), São Conrado, e Jardim Oceânico (Barra da Tijuca). A estação da Gávea integrava o projeto, mas suas obras foram suspensas em 2015.

A Olimpíada se estendeu de 5 a 21 de agosto daquele ano. As cinco estações foram inauguradas no dia 1º de agosto, mas seu uso ficou restrito ao público dos Jogos Olímpicos. A população carioca só pôde utilizá-las a partir de 19 de setembro, quase um mês depois.

Em São Paulo, há ainda trechos e linhas em construção e projeto. São eles: 14,5 quilômetros da Linha 2, entre Vila Prudente e Guarulhos; quatro novas estações na Linha 4; reforma e ampliação da Estação Santo Amaro, na Linha 5; construção da Linha 6, entre Brasilândia e São Joaquim, com 15 quilômetros, 15 estações e previsão de inauguração em 2025; obras para a implantação da Linha 17, ligando o aeroporto de Congonhas às Linhas 5 e 9; e projeto básico para a criação da Linha 19, entre Guarulhos e Campo Belo.

Linha Amarela e VLT
A Lamsa, que opera a Linha Amarela, é 100% controlada pela Invepar, segundo o site da concessionária. As duas empresas não informam se estão ou não negociando as ações da Lamsa.

Já no VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) Carioca, que tem uma Parceria Público-Privada (PPP) com a prefeitura, a Invepar tem apenas 8,35% das ações. Com a CCR, estão 80,82% das ações. Há ainda outros acionistas minoritários, como a RioPar (6,32%) e a Odebrecht (4,37%). Segundo o VLT Carioca, não há negociação para venda de seus títulos ao Mubadala.

Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/metro-muda-de-controlador-mas-passageiros-enfrentam-os-mesmos-problemas-25275223

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