Terminal põe Hidrovias e ministério em conflito

Schettino, da Hidrovias: “Houve uma decisão política, resultado das pressões corporativistas de uma estatal ineficiente e cerceia o direito da iniciativa privada” — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Schettino, da Hidrovias: “Houve uma decisão política, resultado das pressões corporativistas de uma estatal ineficiente e cerceia o direito da iniciativa privada” — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Valor Econômico – Um novo terminal portuário na costa do Rio Grande do Norte, que já recebeu mais de R$ 130 milhões em investimentos e está apto para iniciar suas operações, é o pivô de uma briga entre a Hidrovias do Brasil e o Ministério da Infraestrutura. A empresa de logística, que tem o fundo Pátria como um dos principais acionistas, é especialmente ativa no chamado Arco Norte, nova alternativa de escoamento de grãos que se tornou aposta do ministro Tarcísio Freitas para baratear o frete e elevar a competitividade do país.

O mal-estar gira em torno de um terminal destinado especificamente à movimentação de sal marinho na costa potiguar, que concentra 95% da produção nacional. Hoje, por falta de infraestrutura apropriada, pouco mais de metade do que se produz é levado para os mercados consumidores por caminhão. O transporte representa cerca de 80% do preço final. Se a navegação de cabotagem fosse mais usada, esse custo poderia baixar fortemente.

Para atender à demanda, a Hidrovias do Brasil apresentou um projeto no litoral de Macau (RN), que teria a Salinor – maior produtora individual do país – como cliente. Batizado de HB Sal, trata-se de uma instalação flutuante (navio-plataforma que foi adaptado para essa finalidade) capaz de movimentar 2,5 milhões de toneladas/ano em sua primeira fase.

A maioria das barcaças oceânicas abastecidas com sal na instalação desceria para o Sudeste, em uma operação integrada da Hidrovias do Brasil, que arrematou em 2019 o terminal STS 20 no Porto de Santos, dedicado ao processamento de granéis sólidos.

A empresa obteve autorizações da Marinha e do Ibama, além de um parecer favorável da área técnica da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), responsável pelo registro do projeto. O Ministério da Infraestrutura e a diretoria colegiada do órgão regulador, no entanto, barraram o empreendimento depois que a maior parte dos desembolsos havia sido realizada.

“Houve uma decisão política, que é resultado das pressões corporativistas de uma estatal ineficiente e cerceia o direito da iniciativa privada”, disse ao Valor o CEO da Hidrovias, Fabio Schettino. Para o executivo, a negativa da agência – a pedido do ministério – contraria a Lei dos Portos (12.815). Por isso, a empresa foi à Justiça a fim de liberar o projeto.

O veto do governo está relacionado ao novo arrendamento do Terminal Salineiro de Areia Branca (Tersab), da Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern), que irá a leilão hoje na B3.

No início de abril, o diretor da Antaq que relatava o processo do HB Sal seguiu os pareceres técnicos e votou pelo sinal verde ao projeto. Em seguida, houve um pedido de vista e a deliberação foi interrompida. Duas semanas depois, a Secretaria Nacional de Portos enviou uma nota técnica à agência. No documento, alegou que a instalação flutuante da Hidrovias do Brasil é “incompatível com o interesse público e com as atuais diretrizes do planejamento e das políticas do setor portuário”.

De acordo com a nota técnica, o projeto da empresa tiraria carga e causaria a “inviabilidade” do Tersab, que ficaria com VPL (fluxo de caixa ao longo de todo o contrato de 25 anos) negativo em R$ 230 milhões. O documento sustenta que esse cenário de inviabilidade, sem a entrega de propostas no leilão, teria como consequência a “necessidade de liquidação da Codern” e colocaria os 120 empregados do porto-ilha em “situação de insegurança”.

Em maio, o processo voltou à pauta da agência e maioria dos diretores optou por barrar o empreendimento. A Hidrovias do Brasil entrou com um pedido de reconsideração, que foi negado.

Schettino disse que a empresa olhou com atenção os números do Tersab para saber se apresentaria proposta no leilão de hoje, mas descartou. “Ele não se sustenta. Além disso, o nosso projeto é mais inovador e mais eficiente”, argumenta. “A própria indústria salineira está gritando por isso.”

Diante do atrito, o governo não foi unânimo. Uma nota técnica da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (Seae) do Ministério da Economia, obtida pelo Valor, indica “vários elementos que colocam em dúvida os fundamentos e conclusões” da Antaq e da pasta da Infraestrutura.

O secretário nacional de Portos, Diego Piloni, rebateu as críticas. “O projeto [da Hidrovias do Brasil] é uma solução interessante individualmente, mas preocupante quando se observa o contexto do mercado de sal no Rio Grande do Norte como um todo.”

Segundo ele, o HB Sal não atenderia a todos os produtores e poderia levar ao fracasso do leilão do Tersab. “Geraria uma canibalização, com prejuízo à indústria.”

“A nossa tendência é sempre autorizar, mas cada caso é um caso e não podemos agir como robôs. A principal razão de ser da política pública não é simplesmente liberar o investimento privado, mas atender adequadamente à carga.”

Piloni minimiza o impacto da divergência na relação empresa-ministério. “É uma grande parceira nossa e é justificável que queiram brigar pelos interesses comerciais deles. Não gera rusga conosco.”

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/11/05/terminal-poe-hidrovias-e-ministerio-em-conflito.ghtml

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