Valor Econômico – Em um novo ciclo de alta, os preços do minério de ferro atraíram dois grandes importantes grupos econômicos do país ao setor. A holding J&F, dos irmãos Batista – dona da gigante de carnes JBS -, anunciou a compra de ativos da Vale no início do mês em Corumbá (MS). Poucos meses antes, a Cosan, do empresário Rubens Ometto Silveira Mello, tinha feito a estreia em mineração ao comprar, em agosto, o porto de São Luís (MA), com planos de trazer minério de uma jazida no Pará.
Embora sejam projetos ainda modestos de exploração de minério, os dois gigantes estão dispostos a fazer investimentos bilionários para que essa nova divisão de negócio se torne relevante no faturamento, apurou o Valor.
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Na J&F, os planos não se restringem a ficar com as duas minas recém-adquiridas da Vale, com produção atual de 2,7 milhões de toneladas – mas podem atingir 6 milhões de toneladas. Depois da compra das minas, a J&F avalia novas oportunidades, segundo pessoa próxima ao grupo. “Esse foi o primeiro passo”, disse a fonte, que preferiu não se identificar.
Assim como fez na indústria de proteína animal, a J&F planeja se consolidar como “player” relevante e erguer a “JBS da mineração”, acrescentou. Ir às compras tem sido estratégia recorrente da família Batista para avançar nos mercados em que apostou suas fichas.
A Vale confirmou a venda das minas à J&F, conforme antecipado pelo Valor, há cerca de duas semanas. A transação avaliou os ativos em US$ 1,2 bilhão (“enterprise value”, EV), incluindo contratos de longo prazo de “take or pay” na logística de transporte do minério.
Considerando-se o EV e o resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) de US$ 110 milhões, o múltiplo da transação foi de 10,9 vezes, “um atrativo múltiplo de saída” para a Vale, na avaliação do Bank of America (BofA).
Para os analistas Caio Ribeiro, Leonardo Neratika e Guilherme Rosito, a venda demonstra o compromisso da mineradora de “aprimorar e simplificar seu portfólio e focar em ativos de alta qualidade”. Comparado a outras operações da Vale, o Sistema Centro-Oeste representa uma ativo de menor qualidade, com Ebitda por tonelada de minério de ferro de US$ 41, ante a média da companhia US$ 102 por tonelada, observaram.
Na avaliação da J&F, porém, o negócio não saiu caro, disse outra fonte. A grande parte do US$ 1,2 bilhão atribuído aos ativos se refere a contratos de “take-or-pay” firmados com a Hidrovias do Brasil até 2039. Dessa forma, a soma do que os Batista terão de desembolsar efetivamente, US$ 150 milhões, e das dívidas da operação gira em torno de R$ 1 bilhão, bem abaixo do valor de empresa. Ao fechar o negócio, a J&F indica que vê margem para elevar os ganhos na operação, o que poderia passar por aumento de produção, observou.
A J&F decidiu entrar em mineração por considerar o setor resiliente e por haver no mercado ativos que podem ser melhor explorados. “Vamos analisar crescimento em todos os negócios adquiridos, incluindo mas não se limitando a mineração”, disse uma das fontes.
Também com áreas de negócios consideradas resilientes, a Cosan pretende avançar nesse setor. Os planos do grupo para a área são antigos – Rubens Ometto tentou comprar a participação do fundo de pensão Previ na Vale, mas o negócio não foi adiante.
Em agosto, a Cosan fechou a compra do terminal portuário da chinesa CCCC, com meta de integrar logística e mineração. À época, também anunciou que fechou parceria com o empresário Paulo Brito, fundador da Aura Minerals, para começar a explorar minério no Pará e escoar a produção pela ferrovia da Vale até o Maranhão.
A parceria ainda está em formatação – as partes discutem a participação de cada um na joint venture, apurou o Valor. Brito detém direitos minerários na região de Carajás, onde estão as minas da Vale. A ideia é produzir, a partir de 2025, cerca de 10 milhões de toneladas por ano e triplicar o volume nos anos seguintes.
A Cosan tem à frente do negócio o executivo Juarez Saliba, ex-Vale e ex- CSN. Ele também será acionista minoritário no projeto.
A Cosan informou, em nota, que ingressa com um projeto robusto para explorar minério de ferro no Pará, com escoamento via porto privado no Maranhão. “O projeto contará com a consolidada expertise do grupo no setor de logística (ferroviária e portuária) e de parceiro estratégico, com a ambição de se tornar um ‘player’ relevante do setor nos próximos anos.
Segundo o grupo, a empresa que vai gerir o negócio de de mineração e logística terá conselheiros e executivos com experiência no setor, para garantir mais tração ao seu desenvolvimento.
Para Patricia Muricy, sócia da Deloitte Brasil responsável pelo setor de mineração, o alto preço das commodities minerais deve atrair tanto novos entrantes quanto fundos de private equity (que compram participação em empresas). “Esse movimento representa também uma oportunidade para as grandes mineradoras que querem e que precisam reorganizar seu portfólio, focando em ativos de maior performance, menor impacto sócio-ambiental, menor pegada de carbono, muito em linha com os compromissos públicos assumidos referentes ao ESG.”
Para Muricy, é importante que os entrantes avaliem aspectos relevantes para todos os ‘stakeholders’ e não se restrinjam a uma análise econômico-financeira simplista, pois há muitos outros riscos que podem inviabilizar os retornos esperados.
Para fontes do setor ouvidas pelo Valor, esse novo momento de alta de preços do minério deve ativar projetos que estavam em stand-by, atraindo investidores. Entre eles, os planos de expansão da Bamin, na Bahia.
De acordo com pessoas a par do assunto, a Bamin vem buscando nos últimos anos um investidor financeiro para o projeto. Contudo, o valor pedido pela mineradora é considerado alto para entrada de um novo sócio.
Em nota, a Bamin informou que seu projeto, integrado, é de grande porte e de relevância para a Bahia. Envolve a Mina Pedra de Ferro, em Caetité, a construção do Porto Sul, em Ilhéus, e o trecho 1 da ferrovia Fiol. “São projetos de grande porte, que despertam interesse de parceiros diversos, com os quais a empresa estará sempre aberta para conversar.”
Os desembolsos maiores da empresa estão na conclusão da da ferrovia e no terminal portuário. A implantação da mina é o menor investimento, diz um executivo que conhece o projeto.
Outro projeto que ficou em stand-by, mas que pode ser reativado é o de exploração de minério da Manabi, em Minas Gerais, de acordo com outra fonte. Tirar essa mina do papel depende de logística (ferrovia ou mineroduto) e portuária. Fica próximo da mina da Anglo American e de ferrovia da Vale. Nenhum porta-voz da empresa foi encontrado para comentar o assunto.
Em minério de ferro, o grande desafio para entrantes é definir se quer ser grande – projetos acima de 20 milhões de toneladas por ano – e dispor de fôlego financeiro (fluxo de caixa) para montar o empreendimento, avalia José Carlos Martins, sócio da Neelix Consulting & Metals e ex-diretor de ferrosos da Vale por dez anos. Muitos investidores preferem ser pequenos e vender a produção para Vale ou CSN.
A depender do projeto, o investimento é na faixa de bilhões de dólares e costuma levar de três a cinco anos para ser implantado. Costuma haver atrasos por causa de licenciamento ambiental e de problemas em obras de logística (ferrovia e porto). “No Brasil há pelo menos uns 20 projetos que aguardam oportunidade de sair do papel. Espaço há no mercado, neste momento. Fatores críticos são os que apontei, além do cenário de demanda, e preços, que deve ser considerado”, afirma o consultor.
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