Valor Econômico – O sucesso no leilão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) poderá impulsionar as demais desestatizações de portos em curso. Porém, há ceticismo no mercado quanto à viabilidade de tirá-las do papel em pleno ano eleitoral, principalmente a privatização de Santos – projeto extremamente complexo do ponto de vista técnico e político.
As concessões dos portos de São Sebastião (SP) e Itajaí (SC), também previstas para 2022, são menores e mais simples. Por isso, a realização dos leilões ainda neste ano é vista como mais provável, embora também haja desafios.
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A desestatização de Santos é uma prioridade para o governo federal. A etapa de consulta pública do projeto se encerrou na semana passada, e o cronograma prevê publicar o edital em novembro, para fazer o leilão no fim de 2022. A assinatura do contrato seria feita no próximo ano.
Objetivo do BNDES é antecipar ao máximo estudos para permitir leilões em 2022 e ampliar carteira
O modelo do projeto será parecido com o da Codesa: haverá a privatização da companhia docas, a Santos Port Authority (SPA), e a concessão da administração do porto por um prazo de 35 anos. Estão previstos R$ 1,4 bilhão de obras e R$ 14,16 bilhões para manutenção (principalmente dragagem). Além disso, o vencedor terá que destinar R$ 3 bilhões para viabilizar o túnel submerso Santos-Guarujá – cuja construção e operação serão licitadas separadamente.
O projeto tem sido alvo de interesse no setor privado, mas a percepção de risco é também alta. “Há vários grupos estudando, mas será importante que o governo dê um prazo razoável para as empresas estudarem o edital, porque há muito risco. É um porto complexo, que engloba múltiplos interesses, muitos contratos de terminais portuários vigentes e obrigações de investimento pesadas”, afirma Rodrigo Paiva, sócio da consultoria Mind-Infra.
Para Thiago Miller, sócio do RMM Advogados, é improvável que o leilão ocorra neste ano. “O fator determinante do cronograma será a análise do Tribunal de Contas da União”, avalia. A descrença quanto à viabilidade do prazo é partilhada por ao menos outras três fontes que acompanham o tema com proximidade.
O governo, porém, garante que há tempo suficiente para fazer o leilão em 2022 – e, diante dessa postura, os interessados no processo estão se preparando para o cenário de o leilão acontecer.
O diretor de Concessões e Privatizações do BNDES, Fábio Abrahão, afirma que a equipe buscará antecipar ao máximo os estudos, para tentar viabilizar inclusive a assinatura do contrato neste ano – no mercado, a avaliação é que deixar o ato para 2023, com uma possível mudança de governo, cria risco adicional.
“Fazer privatização hoje é diferente do que era nos anos 1990. Não temos mais aquela resistência. Em Santos, há obrigações bilionárias de investimento, todo o setor produtivo está convencido de que é necessário, e as empresas já entenderam as regras de proteção [aos contratos vigentes]. Seria uma decisão antieconômica [não fazer a privatização]”, afirmou o diretor do banco, que é responsável pela estruturação do projeto.
O leilão da Codesa, realizado na quarta-feira (30), foi a primeira desestatização de uma companhia docas no país. No Brasil, já há diversos terminais privados ou arrendados a empresas. Porém, a administração e o desenvolvimento das áreas comuns dos portos é totalmente estatal.
Para além de Codesa e de Santos, o governo federal tem estruturado uma carteira de projetos no segmento. “Estamos criando um novo mercado”, diz Abrahão.
Os leilões de São Sebastião e Itajaí foram modelados de forma diferente: não haverá privatização, apenas a concessão dos portos. O novo operador terá direito a explorar não apenas a estrutura comum, mas também irá movimentar carga em terminais – no caso de Codesa e Santos, pelo contrário, há restrição para a participação de terminais no leilão, para evitar conflitos de interesse.
O formato foi escolhido por serem portos pequenos e com vocação específica. Portanto, não haveria viabilidade para uma concessão apenas de áreas comuns.
No porto de São Sebastião, a principal carga é barrilha, insumo importado por indústrias de vidro e sabão. O local também abriga um Terminal de Uso Privado (TUP) da Petrobras.
O projeto é considerado desafiador do ponto de vista econômico. Por outro lado, o edital não prevê investimentos mínimos. A ideia é que o operador, uma vez que assuma, defina as intervenções. “As receitas são menores, mas as despesas e riscos também”, afirma o advogado Raphael Schwind, sócio do Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Para Miller, há dois grandes desafios para a expansão em São Sebastião. O primeiro é a necessidade de construir um segundo píer, mais avançado em direção ao mar, para obter mais profundidade. O segundo é a falta de uma alça de acesso terrestre ao porto, algo que dependerá do Estado.
Já o Porto de Itajaí é voltado a contêineres. A expectativa é atrair grandes grupos de navegação do setor. Trata-se de um projeto também complexo, com alto volume de investimentos (R$ 2,8 bilhões) e desafios operacionais. “Seria importante mitigar alguns riscos relevantes, como as obrigações de desapropriação e compra de áreas privadas. Para um grupo privado é um risco muito difícil de valorar”, afirma Paiva. Ainda assim, ele vê interesse no ativo.
O BNDES também iniciou o processo para a desestatização da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba), que deverá seguir uma modelagem semelhante à de Santos e Codesa. Porém, o projeto ficará para 2023. O banco negocia ampliar a carteira, com outros projetos que ficariam para o próximo governo. “No curtíssimo prazo, estima-se que já entrem outros portos. Seria natural ter Rio de Janeiro, e Pará seria um bom candidato”, diz Abrahão.
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