O Tempo (MG) – Aposta do governo federal e de governos estaduais para destravar obras de infraestrutura, as concessões entraram de vez em marcha lenta. O descontrole da inflação, o alto custo de insumos e as incertezas políticas obrigaram investidores a pisar no freio e muitos projetos sofrem com atrasos e adiamentos.
Em Minas, obras importantes, como a duplicação da BR-381 e a relicitação da BR-040, ficaram para 2023. Já os leilões de dois lotes de rodovias estaduais (no Sul de Minas e no Triângulo) e do Rodoanel, que estavam marcados para este mês, foram adiados para o final de julho.
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A ampliação do metrô de Belo Horizonte, antiga demanda da capital, também sofreu com um adiamento, mas continua como grande aposta do Palácio do Planalto na área da infraestrutura deste ano.
As incertezas econômicas – provocadas por questões locais e internacionais – são apontadas por representantes das concessionárias e especialistas do setor de infraestrutura como os obstáculos para tirar do papel projetos de concessões.
No setor de construção, a inflação está acima de 30%, ou seja, quase três vezes o valor do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado até este mês, de 11%. A alta dos juros, com a taxa Selic em 11,75% (e projeção de alta nos próximos meses), também é um entrave para os investidores, que veem o crédito de longo prazo mais caro e pouco atrativo.
“Voltamos a ter um cenário de incertezas. Estamos vendo um cenário internacional de aumento de preços e, no caso do setor da infraestrutura, com muitas variações no preço dos insumos, com aumentos fortes em períodos muito curtos. Isso afeta os contratos e os planos de investimentos são revisados”, explica Ana Maria Castelo, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE).
A economista cita um possível esgotamento das empresas que costumam disputar as concessões no país e ressalta a importância de que os governantes consigam trazer novos investidores.
“Precisamos atrair novos players e empresas interessadas além dos principais players de hoje, como a CCR, a Ecovias, e alguns outros. Essa concentração gera um esgotamento. Precisamos trazer mais empresas e também discutir novas modalidades de financiamento para a infraestrutura”, afirma ela.
Em fevereiro, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) decidiu suspender o leilão da BR-381, de BH até Governador Valadares, depois que nenhuma empresa demonstrou interesse em assumir a “Rodovia da Morte”, e pediu mais prazo para avaliar o projeto. Não há previsão de um novo leilão para o projeto, que incluiu também um trecho da BR-262 no Espírito Santo que será remodelado.
A obra de duplicação na 381 começou a sair do papel em 2014, e 65 quilômetros foram duplicados entre o trevo de Caeté e Nova União. No entanto, os 240 quilômetros restantes da obra foram sendo abandonados a partir de 2015.
“O projeto de concessão do sistema rodoviário da BR 381/262 está atualmente em revisão. Serão reanalisados e atualizados os estudos de viabilidade, assim como o plano de investimentos e a matriz de riscos do projeto, no intuito de melhorar sua viabilidade e sua atratividade para o mercado e de atender o interesse público”, informou a ANTT, em nota.
Metrô de BH volta ao debate neste ano
Como de praxe nas três últimas décadas, a ampliação do metrô de Belo Horizonte voltou à tona em um ano eleitoral. Em 2022, a aposta do governo federal para expandir os trilhos na capital mineira é fazer uma parceria com a iniciativa privada. Apesar das incertezas econômicas, o leilão está marcado para 28 de julho.
A empresa que assumir a gestão do metrô ficará responsável pela modernização da linha 1 e pela construção da linha 2, que ligará o bairro Calafate, na região Oeste da capital, até o Barreiro.
Serão destinados R$ 3,2 bilhões para o metrô dos cofres públicos, sendo R$ 2,8 bilhões do governo federal e cerca de R$ 430 milhões do governo de Minas Gerais, vindos do acordo de reparação com a Vale. Os investimentos totais são estimados em R$ 3,7 bilhões e serão complementados pela iniciativa privada.
Segundo o secretário de Estado de Infraestrutura e Mobilidade, Fernando Marcato, os recursos previstos no acordo da Vale já estão garantidos para a ampliação do metrô. “O processo do metrô tem sido tocado pelo governo federal, e o governo de Minas está prestando todo apoio. Os recursos que vão ser aportados pelo Estado já estão garantidos no Termo de Reparação assinado com a Vale”, explica Marcato
Obras de infraestrutura no país ainda são focos de investidores
Apesar de admitir um cenário de dificuldades e incertezas com a crise e o aumento dos preços, o diretor-executivo da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), José Carlos Cassaniga, considera aspectos positivos no adiamento de leilões rodoviários.
Cassaniga diz que o interesse de investidores internacionais e nacionais continua aquecido paras as demandas de infraestrutura.
“Calibrar o melhor momento para se lançar uma concessão é um bom desafio para os órgãos reguladores. A postergação de um leilão não é necessariamente uma má notícia. O Brasil continua no radar dos investidores internacionais, tanto projetos da União quanto de Estados com planos de concessão”.
Segundo ele, os investidores avaliam os riscos, a maturidade regulatória e a segurança jurídica, e podem considerar que aguardar a renovação de projetos é o melhor caminho.
De acordo com Cassaniga, todos os setores estão sofrendo com as variações de preços, mas o impacto no setor rodoviário se tornou ainda maior com o alto custo do asfalto.
“Tivemos leilões bem sucedidos no ano passado, com um cenário um pouco diferente. Hoje, há dúvidas em todos os setores, mas o de rodovias tem uma particularidade: é o que consome o asfalto como insumo mais relevante”.
Cassaniga observa que o asfalto faz parte da cadeia de produção dos serviços de infraestrutura, na ampliação de rodovias, no recapeamento, na construção de terceira faixa, então por isso o impacto é maior.
O diretor-executivo da ABCR avalia que os projetos previstos para as rodovias mineiras são muito aguardados, mas envolvem também grandes riscos. “São projetos emblemáticos, o corredor da BR-381 que faz a ligação de Belo Horizonte com Governador Valadares (Leste de Minas) e com o Espírito Santo. A postergação está muito ligada ao tamanho dos investimentos e de alguns riscos associados”, avalia ele.
Relicitação sem data marcada
A relicitação da BR-040 ainda não tem data marcada. Em fevereiro, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) assinou aditivo com a Via 040 para manter a prestação de serviço da atual concessionária por 18 meses, ou seja, até agosto de 2023.
A empresa do grupo Invepar, que assumiu a gestão da rodovia entre Juiz de Fora e Brasília em março de 2014, decidiu devolver o trecho ao governo federal em setembro de 2017.
A concessionária diz que as condições de financiamento bancário para os investimentos foram modificadas, houve redução no tráfego de veículos com a crise econômica de 2015 e 2016, além de atrasos na emissão de licenças ambientais para execução de obras.
Em novembro de 2019, a ANTT aceitou o pedido de relicitação. “O caso da BR-040 é um processo com rito próprio. Envolve primeiro a não paralisação dos serviços prestados, para que haja continuidade, e também a reformatação do projeto para que um novo concessionário assuma”, avalia o diretor da ABCR.
Entrevista
“É boa a expectativa para os leilões”, diz secretário de Infraestrutura
Os dois primeiros lotes de concessão nas rodovias estaduais foram adiados. Qual a expectativa do governo para os dois leilões dos primeiros lotes do Programa de Concessões Rodoviária?
A expectativa do governo para as duas concessões é muito positiva, apesar de sabermos que o mercado está difícil em função do aumento dos preços na pandemia. Mas o governo do Estado, com o apoio do BNDES, tem feito conversas institucionais com empresas nacionais e internacionais interessadas, e estamos com boa expectativa para os leilões que vão ocorrer no dia 21 de julho.
Algum outro lote de estradas estaduais será leiloado em 2022?
Além desses dois lotes que estão publicados e do Rodoanel Metropolitano, temos outros cinco lotes que estão prontos, cinco estudos. Estamos justamente aguardando a realização desses dois primeiros lotes e também um pouco da melhora do cenário macroeconômico para que a gente possa soltar os demais lotes. Possivelmente, não vamos soltar os cinco lotes este ano, mas a nossa intenção é soltar pelo menos mais dois ou três lotes em função do mercado. Todos os estudos estão feitos, agora é uma questão de decidir o melhor momento para lançar as concessões para termos maior concorrência e gerar maior benefício para o interesse público.
Os leilões da BR-381 e da BR-040 estão sem previsão ou calendário. Como avalia as dificuldades do governo federal para tocar essas concessões?
No setor de rodovias, tem tido essa dificuldade, e isso não só para as concessões, mas para as obras rodoviárias como um todo em função dessa variação de preços exponencial, associada tanto com as questões dos combustíveis, a guerra entre Rússia e Ucrânia, como também o problema da pandemia.
Fonte: https://www.otempo.com.br/politica/trunfos-politicos-concessoes-travam-em-ano-eleitoral-1.2658398
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