Valor Econômico – O aumento da inflação no país volta a jogar luz sobre a principal taxa de juros usada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar as empresas. Criada por lei em 2017 depois de muita discussão no Congresso, e implementada em 1º de janeiro de 2018, a Taxa de Longo Prazo (TLP) contribuiu, em quase cinco anos a contar da sua implementação, a serem completados em 2023, para reduzir o tamanho do banco, e permitir maior participação do mercado de capitais nas dívidas das empresas. O repique inflacionário desde o ano passado, tornou a TLP mais cara, uma vez que a taxa tem parte do custo atrelado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Nesse cenário, retoma-se o debate, às vésperas da eleição, sobre os instrumentos que o BNDES dispõe para estimular o investimento na economia brasileira.
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A discussão retorna pelas mãos do economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre). Em artigo publicado no blog do instituto, Giambiagi, que fez carreira no BNDES, chegando a ocupar o cargo de economista-chefe do banco, defende a criação de uma nova taxa, alternativa à TLP, que continuaria a existir. No “paper”, Giambiagi define o novo indexador como Taxa de Juros Nominal de Longo Prazo (TNLP).
Pela proposta, a TNLP seria flutuante, nominal e definida trimestralmente pelo Banco Central. No texto, Giambiagi diz que a taxa teria vigência por períodos trimestrais, periodicidade de ajuste similar ao da antiga Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) até 2017, mas com um mecanismo operacional “explícito e definido em lei”.
Cabe lembrar que a TLP surgiu, no governo de Michel de Temer, para acabar com os subsídios praticados pelo governo, via BNDES, nos empréstimos em TJLP. Entre 2008 e 2014, o Tesouro repassou ao BNDES mais de R$ 440 bilhões a taxas subsidiadas. Entre 2011 e 2015, por exemplo, enquanto a média anual nominal da TJLP foi de 5,6%, a Selic nominal média, chegou a 10,5%, quase o dobro. A Selic é a taxa básica da economia. O BNDES vem quitando a dívida com o Tesouro e, entre 2009 e julho deste ano, pagou à União R$ 630,3 bilhões, segundo dados do banco. O valor inclui principal, juros e liquidações antecipadas. A previsão é de que, em 2022, o banco devolva R$ 34 bilhões.
Ainda de acordo com a proposta de Giambiagi, a TNLP combinaria o mesmo componente real da TLP, baseado na NTN-B de cinco anos, título de dívida do Tesouro Nacional, mais a expectativa de inflação para os próximos 12 meses. A vantagem da TNLP, diz Giambiagi, é que, em cenário de queda dos juros na economia, as empresas carregariam as taxas de juros reais mais elevadas por um período relativamente curto e não por toda a vigência do empréstimo, geralmente de prazo longo. Na TLP, quando uma empresa fecha o financiamento, o componente real da taxa de juros é “travado” por todo o tempo do contrato. O que varia é o custo atrelado ao IPCA.
“A reflexão é que, a rigor, para adotar uma taxa que seja de mercado, que não embuta subsídios, não necessariamente a TLP é o único mecanismo”, diz Giambiagi. Ele afirma que o amadurecimento da economia também leva a pensar em instrumentos de crédito mais sofisticados. E acrescenta que se o Tesouro Nacional, como devedor, tem um “cardápio” de títulos que coloca para serem comprados pelo público, por que não se pensar, na outra ponta, também ter um menu” de taxas a ser ofertado.
A proposta de Giambiagi divide opiniões de economistas consultados pelo Valor (ver Economistas encaram a proposta com críticas). Há quem considere a discussão importante, mas há também quem manifeste preocupação com o momento em que o tema volta ao debate, no período pré-eleitoral. “Em momento de populismo fiscal, é líquido e certo que, se abrir essa discussão agora, vai sair um ‘monstrengo’ ao fim de uma eventual tramitação no Congresso”, diz um executivo que passou pelo governo Temer e prefere não se identificar. O executivo diz não ver problema em ter uma taxa pré-fixada, que balize os empréstimos do BNDES, mas é contra a ideia de Giambiagi agora.
O receio é que a proposta de Giambiagi abra a porta para a volta do subsídio no juros praticados pelo BNDES, como ocorreu nos governos do PT. Embora Giambiagi deixe claro que a TNLP seria uma taxa de mercado, economistas observam que a proposta já indica um juro, na largada, inferior à Selic. No artigo, o economista fez simulações e indicou que, nas circunstâncias atuais e considerando uma taxa real de cinco anos com custo na faixa de 6,2% ao ano, e uma expectativa em 12 meses, pelas taxas implícitas de inflação, em torno de 6%, a proposta feita implicaria uma TNLP nominal ligeiramente superior a 12,5% ao ano, se fosse lançada no momento atual. A Selic hoje encontra-se em 13,25% ao ano.
O retorno dos subsídios no BNDES é um cenário que alguns executivos do mercado financeiro consideram possível caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas de intenção de voto, seja eleito. Em uma eventual reeleição do presidente Jair Bolsonaro, a visão do mercado é que o BNDES siga a mesma linha que marcou a atual gestão: redução do papel do banco nas dívidas das empresas, venda de ações de companhias participadas na carteira de renda variável da instituição e ênfase na estruturação de projetos de infraestrutura visando privatizações, concessões e parcerias público-privadas (PPPs).
A possibilidade de ter alternativas à TLP havia sido mencionada, em abril, em entrevista ao Valor, pelo presidente do BNDES, Gustavo Montezano. Na ocasião, ele afirmou que a instituição estudava a criação de uma nova ferramenta de indexação de empréstimos para as empresas. O conceito seria semelhante ao da “cesta de moedas”, usado pelo banco, no passado, para oferecer aos clientes alternativas à TJLP. Naquela entrevista, Montezano entrou em detalhes sobre a proposta. Agora a reportagem procurou o BNDES para comentar a proposta de Giambiagi, mas o banco não quis falar: “O BNDES está aberto a contribuições acadêmicas que ajudem a promover o debate sobre políticas de desenvolvimento econômico e social do Brasil. Como a proposta em questão ainda não foi publicada, o seu teor não é de inteiro conhecimento da instituição”, disse o banco em nota.
Na visão de Giambiagi, a proposta da TNLP aumenta a propensão do empresariado a investir. O argumento se apoia no fato de que as taxas atuais altas podem adiar decisões de investimento uma vez que a parcela de juros real da TLP vale para todo o contrato. Já na TNLP, o juro real seria móvel e definido trimestralmente, o que significa que se os juros caírem à frente o custo para as empresas nos financiamentos também se reduz em período mais curto. O estudo de Giambiagi prevê, ainda, um instrumento adicional, a TNLP5, com taxas nominais fixas por períodos de cinco anos.
Haveria assim uma espécie de “menu de possibilidades”, com pelo menos três opções: a TLP atual, a TNLP, taxa nominal que mudaria trimestralmente e incluiria a projeção de inflação para os doze meses seguintes, e a TNLP5, que mudaria a cada cinco anos. “Podemos oferecer um conjunto de alternativas. E o tomador do empréstimo escolhe a que prefere”, diz, ressaltando a possibilidade de aperfeiçoar e diversificar a TLP cinco anos depois de sua criação.
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