Primeiros passos do 3º governo Lula

Valor Econômico (Opinião) – Alinha mestra do terceiro governo Lula já foi definida na campanha: eliminação da miséria e redução da pobreza. Passados os primeiros dias da vitória eleitoral, Lula e Geraldo Alckmin precisarão cuidar da formação da aliança de governo, pois os partidos que apoiaram a campanha no 2º turno – PT, PCdoB, PV, PSOL, Rede, PSB, Avante, PDT e Cidadania – têm uma bancada de 140 deputados federais e 14 senadores, insuficiente para aprovar reformas constitucionais. Assim, será preciso atrair parlamentares de outras agremiações, inclusive de algumas que estiveram com o presidente Jair Bolsonaro nas eleições.

A incorporação do PSD e do MDB será quase integral. Apesar de não ser tão simples, parte dos congressistas do PSDB, influenciados pela sua velha guarda, tende a apoiar o governo. Muitos dos parlamentares de partidos mais associados ao candidato derrotado, como o Podemos e o União Brasil, também tendem a ser favoráveis à negociação com o novo governo. Do mesmo modo, vários congressistas dos partidos da base de Bolsonaro – PL, PP e Republicanos, menos ligados ao atual presidente, pressionarão seus partidos a aderir ao governo PT ou abandonarão essas agremiações em algum momento.

É importante avançar na formação da aliança de governo antes de qualquer escolha de programas e nomes

A negociação incluirá discussões sobre: posições nos ministérios e nas estatais; acordos sobre a alocação de recursos do orçamento; programas de governo; e a composição das mesas da Câmara dos Deputados e do Senado, pois dificilmente os presidentes das duas casas, em particular o da primeira, serão capazes de se reeleger.

Como o presidente Lula já deixou claro que a equipe e o plano de governo representarão um espectro mais amplo de partidos, a melhor forma de solidificar uma vida mais longa e sustentável para a coalizão seria avançar na formação da aliança de governo antes de fazer qualquer escolha, em particular a divulgação do programa e o anúncio da equipe.

Julgo que o novo governo anunciará políticas responsáveis nos próximos meses, entre as quais:

1 – Novo arcabouço fiscal – a melhor alternativa seria a escolha de metas plurianuais de superávit primário, com uma convergência para 2,5% do PIB até 2026, o que permitiria o recuo da relação dívida bruta/PIB no médio prazo. O governo provavelmente imporá regras para a evolução de várias despesas, em particular as relativas à folha de pagamentos e aos benefícios previdenciários dos servidores públicos. Será crucial negociar com o presidente Jair Bolsonaro e os atuais líderes do Congresso para evitar a criação de bombas fiscais pela atual legislatura no orçamento de 2023. O melhor cenário seria postergar a aprovação desse orçamento, permitindo uma negociação mais ampla sobre a nova estrutura de despesas e receitas fiscais.

2 – Aprovação de reformas estruturais – o presidente Lula já defendeu a implementação de reformas, entre as quais a tributária e a administrativa. A PEC tributária em discussão no Senado será provavelmente utilizada para dar celeridade à sua aprovação, com a incorporação de emendas para que o seu espírito seja mais condizente com as promessas de campanha do novo governo.

3 – Novas fontes de recursos para as despesas adicionais – o novo sistema tributário precisará assumir o aumento de impostos, ainda que temporário, para atender diversas promessas de campanha, entre as quais: a ampliação das despesas com os mais pobres; a elevação em termos reais do salário-mínimo e dos benefícios previdenciários; e o aumento do nível de isenção do imposto de renda. Essa alta de impostos incluirá provavelmente a cobrança de impostos sobre dividendos, a ampliação das faixas do IR para maiores rendas e a redução de renúncias tributárias.

4 – Novo arcabouço para as emendas parlamentares – os recursos das emendas do relator são direcionados de acordo com a influência dos congressistas sobre a Comissão Mista do Orçamento, bem como sobre os líderes da base aliada e os presidentes das duas casas legislativas. Apesar de o Legislativo não ter estrutura para selecionar, analisar e monitorar a aplicação de recursos de forma a maximizar os seus benefícios, Lula e Alckmin terão de usar seu capital político para tentar alterar esse arcabouço durante a negociação para a formação da base aliada. Será necessário empenho para convencer os parlamentares a, ao menos, direcionar grande parte dos recursos para projetos estaduais e municipais enquadrados em programas federais nas áreas de educação, saúde, saneamento básico e infraestrutura.

5 – Manutenção da venda de concessões de serviços públicos – apesar de já ter manifestado que não avançará com um programa de privatização, o futuro governo continuará com a venda de concessões de infraestrutura, como rodovias e portos, estimulando as parcerias público-privadas e a venda de concessões por entes regionais.

6 – Preservação e avanço dos ajustes microeconômicos – além de não alterar o Marco Legal do Saneamento Básico, a Lei de Liberdade Econômica e a Lei da Cabotagem, entre outras, o novo governo estimulará a aprovação de novas medidas para melhorar o ambiente de negócios.

7 – Criação de ministérios – apesar de um número reduzido de ministérios melhorar a coordenação do governo, a criação de novos órgãos facilita a formação de uma aliança de governo mais ampla. Como o presidente Lula indicou que escolherá um político para o Ministério da Economia, uma eventual recriação do Ministério do Planejamento permitiria alojar um economista para coordenar as agendas de reformas e ajustes.

O país sai muito dividido destas eleições – Lula com 51% dos votos válidos e Bolsonaro com 49%, sobretudo após uma campanha repleta de ataques e das tristes “fake news”. Nesse ambiente, a minha esperança é que a sociedade conceda por alguns meses um voto de confiança para que o novo governo possa apresentar e implementar seus projetos. Torço também para que o presidente Bolsonaro prepare uma passagem de poder democrática e tranquila, provendo todas as informações possíveis para a equipe de transição. Presumo que essa seja a estrada que a maioria dos brasileiros queira ver trilhada nos próximos meses.

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/primeiros-passos-do-3o-governo-lula.ghtml

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