O Globo – Região em que o presidente Lula elegeu governadores aliados em oito de seus nove estados, o Nordeste é palco de uma queda de braço neste início de mandato: de um lado está Pernambuco, único sob gestão de um partido de oposição; do outro, Piauí e Ceará, ambos governados por petistas e, portanto, com interlocução mais fácil com a União. As arestas entre os estados envolvem a retomada da ferrovia Transnordestina, obra iniciada em 2006, na primeira passagem de Lula pela Presidência e paralisada há cinco anos. O caso coloca um desafio ao Palácio do Planalto para conciliar projetos distintos que mobilizam o primeiro escalão do governo federal.
O plano apresentado aos governadores do Ceará, Elmano de Freitas (PT), de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), e do Piauí, Rafael Fonteles (PT), em reunião no início do mês com o ministro da Integração Nacional, Waldez Góes, prevê o destravamento de um dos ramais da ferrovia, que se estenderá do sertão piauiense até o Porto do Pecém (CE). No encontro, Góes buscou mobilizar o trio de governadores para pleitear um novo aporte da União à concessionária Transnordestina Logística (TLSA), responsável pela obra.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
As tratativas não agradaram Raquel Lyra, única cujo partido não integra a base de Lula, e que pleiteia uma solução para o outro braço da ferrovia, previsto para desembocar no Porto de Suape (PE). No fim de dezembro, nos últimos dias de transição da gestão Bolsonaro, a TLSA assinou um termo aditivo com o governo federal no qual formalizou a desistência de construir o trecho pernambucano.
Debate ampliado
Embora integrantes do governo Lula tenham afirmado, na reunião, que o ramal de Suape segue nos planos, interlocutores do governo de Pernambuco avaliam que o cenário apresentado por ora atende apenas aos outros dois estados. Ao GLOBO, Raquel Lyra afirmou que seguirá em negociações com o governo federal.
— O que se apresentou foi a busca da solução para Pecém. Eu digo que o formato completo da Transnordestina não pode sair do radar. Não proponho disputa entre estados, mas sim o entendimento de que é um modal importante para todo o Nordeste — disse a governadora.
A estratégia do governo de Pernambuco envolve atrair para o debate lideranças de Alagoas, cujo governador, Paulo Dantas (MDB), é aliado do ministro dos Transportes, Renan Filho. Embora sua pasta seja responsável pela obra da ferrovia, Renan não participou da reunião e foi representado por um secretário. O plano original da Transnordestina previa a construção de outra ferrovia, numa licitação à parte, ligando o trecho pernambucano ao sul de Alagoas, o que atenderia diretamente redutos do ministro.
Outros integrantes do primeiro escalão do governo Lula com atuação política no Nordeste acompanham de perto a queda de braço. O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí, participou da reunião com a pasta da Integração Nacional. Ao GLOBO, Dias afirmou que foi convidado por ter familiaridade com o assunto, já que também dirigiu o Consórcio Nordeste, e disse que apresentou uma proposta de “capacitação de mão de obra com público do Bolsa Família/Cadastro Único, para oportunidades que vão surgir” pela retomada das obras.
Aliado próximo de Dias, o deputado Merlong Solano (PT-PI) afirma que a obra facilitaria o escoamento de produção do agronegócio e de minério de ferro do estado e, por isso, há pressa para a conclusão de qualquer um dos ramais.
— Temos que resolver o trecho até Pecém enquanto não se resolve Suape. O Piauí quer os dois ramais funcionando, mas não se justifica paralisar um trecho para resolver o outro — avaliou.
Diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) à época do lançamento do projeto da Transnordestina, o deputado José Airton (PT-CE) avalia que cabe a Pernambuco “buscar uma relação profícua” com o governo federal para pleitear uma solução que contemple o estado.
Raquel Lyra fazia oposição ao ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara, então no PSB, que encerrou seu mandato no ano passado sem emplacar sucessor. Câmara foi indicado por Lula para assumir o Banco do Nordeste, um dos possíveis financiadores do restante da Transnordestina.
— Talvez a quebra de continuidade política esteja atrapalhando, mas esperamos que ela (Lyra) possa se integrar nessa relação harmônica — afirmou Airton.
Seja o primeiro a comentar