Shortlines: desejo antigo, mas com futuro incerto

Por Maurício Ferreira Wanderley – Auditor do Tribunal de Contas da União e especialista em Governança e Controle da Regulação no setor de transportes. Diretor na Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Portuária e Ferroviária e Igor Pereira Oliveira – Auditor do Tribunal de Contas da União, com experiência em Controle Externo da Infraestrutura. Mestre em Engenharia pela Universidade de São Paulo

MAURÍCIO FERREIRA WANDERLEY
MAURÍCIO FERREIRA WANDERLEY

Após o advento do Marco Legal das Ferrovias (Lei 14.273/2021) e da evolução legislativa que nos trouxe a uma nova realidade valorizando as autorizações do Poder Público com o objetivo de atrair a iniciativa privada, muito se discute sobre as inovações, escolhas e lacunas regulatórias deixadas pelo caminho, mas um assunto deveria merecer mais atenção: a adequabilidade ao ambiente legal e regulatório necessário para a reutilização dos trechos ociosos, sejam eles abandonados ou de baixo tráfego/baixa demanda/baixa rentabilidade ou mesmo em processo de devolução ou desativação. Explica-se.

Em um mercado onde se prioriza o fornecimento de infraestrutura e serviços adequados às necessidades das principais mercadorias de exportação, em vez de se fomentar o desenvolvimento do transporte ferroviário doméstico, falta a construção de um ambiente propício para a implantação das shortlines, abrangendo aspectos legais, regulatórios e, principalmente, comportamentais e empresariais.

Para atingir esse objetivo, deve-se viabilizar: (i) a reutilização de trechos ociosos ou antieconômicos para as atuais concessionárias, refletida em regras claras, viáveis e efetivas que cubram todo o ciclo composto por devolução, indenização e redestinação ao mercado via chamamento público; e (ii) o tratamento regulatório da interconexão obrigatória entre as shortlines e as linhas tronco, sejam elas de concessionárias ou de autorizatárias, dado que a esmagadora maioria das rotas geradas ou mesmo destinadas às shortlines tendem a ter uma de suas pontas para além de sua própria malha.

No primeiro caso, o arcabouço legal referente à devolução de trechos ociosos evoluiu desde o Regulamento dos Transportes Ferroviários (Decreto 1.832/1996, Art. 3º), passando pelo disposto na Lei 13.448/2017 (art. 25), até o Marco Legal das Ferrovias (art. 15). Mas o que permaneceu inalterada foi a imposição de indenização ao Poder Concedente, tendo como fato gerador a própria devolução.

Ao se analisar o comportamento das concessionárias desde o início da vigência dos contratos de concessão, nota-se que os valores resultantes das regras de indenização, embora justos nos seus fundamentos, podem estar se mostrando expressivos o suficiente para se constituírem numa barreira à adoção da devolução, levando à realidade de abandono em que se encontra grande parte da nossa malha ferroviária. Não é à toa que o tema “indenizações” resultou em Solicitação de Solução Consensual ao TCU (Processo 000.855/2023-5).

Além disso, resolvida a efetivação de devoluções, ainda está pendente a norma do chamamento público para os trechos brownfield, prevista na Agenda Regulatória 2023/2024 da ANTT, que ressaltou: “Uma vez promovida a regulamentação do procedimento de chamamento público (…), espera- -se que seja dada efetividade ao Programa de Desenvolvimento Ferroviário, por meio da viabilização de autorizações relacionadas, especialmente, a trechos ociosos e em processo de devolução ou desativação, o que permitirá a recuperação de trechos ociosos ou inoperantes da malha ferroviária nacional, uma ampliação do transporte por ferrovias e, por conseguinte, uma maior integração e desenvolvimento do país” (Processo ANTT 50500.272382/2022-22).

IGOR PEREIRA OLIVEIRA
IGOR PEREIRA OLIVEIRA

Ademais, nos mercados onde existem, as shortlines são criadas principalmente para atender à última milha, agregando cargas, rotas e possibilidades às ferrovias de grande porte, desempenhando um papel vital de captação e distribuição que é fundado no uso intensivo de pátios de interconexão formando uma rede de hubs intermodais, os pontos de entrada e saída na rede. Sem as hubs e regras claras de interconexão as shortlines ficam, na prática, ser ter onde entregar ou receber suas cargas nas linhas tronco e não se viabilizam1.

* Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU  

1 Mais detalhes em estudo da coletânea de Pós-graduação do ISC/TCU, disponível em https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/shortlines-caracteristicas-e-necessidades-regulatorias-para-a-viabilizacao-de-trechos-e-ramais-ferroviarios-abandonados-ou-considerados-de-baixa-demanda-no-brasil.htm

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