É preciso colocar a narrativa férrea nos trilhos

Globo Rural – O poeta ensina que há “Coisas que a gente se esquece de dizer; Frases que o vento vem às vezes me lembrar; Coisas que ficaram muito tempo por dizer; Na canção do vento não se cansam de voar” [1]; e, assim como na canção há equivocadas narrativas sendo lançadas ao vendo contra o denominado projeto “Ferrogrão”, objeto que será de exame pelo Supremo Tribunal Federal no dia 31 de maio.

Ora, e a afirmação acima se sustenta quando analisamos o Ofício expedido pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) à Advocacia-Geral da União (AGU), expediente esse que reclama “pela necessidade de reversão do entendimento por parte dessa Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a supressão de áreas de proteção ambiental na Amazônia para construção da Ferrogrão.”

E o Ofício em comento estaria fundado em Nota Técnica, documento este para a qual necessitamos deitar olhos com acuidade, uma vez que eivado de vícios que podem levar o desatento leitor a interpretações errôneas sobre o projeto “Ferrogrão”.

De largada, constatamos afirmação feita naquela Nota Técnica sobre a área que se pretende reduzir, vazada no sentido de que “(…) o governo federal estaria planejando a redução do Parque Nacional do Jamanxim por meio da Medida Provisória n.º 758/2016. A medida prevê a redução de cerca de 35% da área do parque, o que corresponde a 480 mil hectares da área original, (…), além de adequá-lo à passagem da estrada de ferro EF-170, paralela à BR-163 (…).

Sem muito esforço, pois o texto da mencionada Medida Provisória nos socorre, confrontamos a alegação informando que a proposição não previa a redução do Parque Nacional do Jamanxim em “480 mil hectares da área original”, como erroneamente consigna a Nota Técnica parcialmente transcrita, mas, sim, em aproximadamente “862 ha (oitocentos e sessenta e dois hectares)”, conforme expressamente disciplinado pelo Art. 2º da Medida Provisória tomada por fundamento pelo documento elaborado pelo MPI.

Para que não restem dúvidas, destacamos ainda que os limites da faixa de domínio da BR-163, incorporados à Lei 13.452/17 (conversão da MP 758/2016), foram definidos para acomodar apenas:

  • a faixa de domínio da BR163 (404 há ou 0,05% da área original do Parque Jamanxim);
  • adicional de área para a faixa de domínio da EF-170 (166 ha);
  • área entre rodovia e ferrovia (91 ha);
  • excedente de área à Oeste da EF-170, para possíveis ajustes de traçado quando da elaboração do projeto executivo da ferrovia.

Cabe ainda ressaltar que eventuais áreas não utilizadas para a implantação da EF-170 e distâncias de segurança serão reincorporadas ao Parque Nacional do Jamanxim.

E se alteração para a redução da referida área houve e para o texto original da Medida Provisória, tal ocorreu em sede parlamentar, tendo a lei de conversão adquirido com tal modificação autonomia formal em relação ao texto anterior, afastando qualquer viés de inconstitucionalidade.

Assim, na medida em que a implementação da “Ferrogão” não é resultado imediato da Medida Provisória, mas da sua lei de conversão, não se pode imputar à Medida Provisória vício por um atributo acrescido por iniciativa parlamentar superveniente.

Caminhemos, agora para enfrentar a indicação de que não teria havido consulta prévia aos povos indígenas. Com relação a esta ilação observamos que A MP visava apenas a regularização e redimensionamento da faixa de domínio da BR-163, que, como consta no próprio decreto de criação do parque, já não integrava sua área original.

Além disso, não há terras indígenas no interior do parque nem a menos de 10km da ferrovia, distância estabelecida por Portaria ministerial datada de 2015; e, mais, sem prejuízos, a Consulta Livre, Prévia e Informada aos povos indígenas afetados pela implantação da EF-170 vinha sendo executada pela EPL na etapa do licenciamento ambiental do projeto entre 2018 e 2020.

Revelando-se neste artigo que, segundo base cartográfica da FUNAI datada de 2020, não há terras indígenas no Parque Nacional do Jamanxim.

Consignamos ainda que a legislação em que convertida a Medida Provisória não autorizou qualquer supressão de vegetação ou intervenção que possa causar degradação ambiental, dado que condicionou possível desafetação de área ao prévio licenciamento ambiental, com dependência, entre outros:

  1. da emissão de licença prévia e de instalação;
  2. da autorização do órgão gestor do Parque Nacional;
  3. da emissão de autorização de supressão de vegetação;
  4. da autorização de Captura, Coleta e Transporte de Material Biológico.

Nenhuma intervenção no meio ambiente que possa causar degradação será permitida sem prévio licenciamento ambiental, o que deve ser considerado pela Corte Suprema.

Não fossem bastantes os equívocos incorridos pela Nota Técnica que embasada Ofício do MPI à AGU, imperioso é de se destacar que a BR163, que corta o Parque Nacional do Jamanxim é anterior à sua criação, sendo que na rodovia há um tráfego diário na ordem de 2.000 a 4.000 mil caminhões/dia; sendo que uma única viagem de trem, quando implementada a “Ferrogrão” corresponderá à redução do tráfego de 400 caminhões, melhor, 10 viagens férreas corresponderão a menos 4.000 caminhões, o que certamente impactará na redução de emissão de gás carbônico, reduzindo de modo significativo os impactos atmosféricos, de ruídos e atropelamento da fauna nativa daquela região.

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Aliás, de modo distinto ao do modal rodoviário, a ferrovia não induzirá a abertura de novas áreas, por tecnicamente impossibilitar o transporte fora dos terminais de transbordo de carga.

Assim, tem-se que a “Ferrogrão” funcionará como uma barreira física à expansão do desmatamento; e não em conversão de áreas para pastagens e plantações, como erroneamente afirma a Nota Técnica do MPI, o que sabidamente não ocorre no caso da manutenção do tráfego rodoviário, que reconhecidamente gera indução à abertura de novas áreas, ocupação antrópica, conflitos com povos indígena e fauna locais.

O investimento sustentável no modal ferroviário em que fundado o projeto “Ferrogrão” atende, inclusive, posicionamentos recorrentes do Tribunal de Contas da União (TCU) para Executivo a realização imediata de um plano e solução para a questão da integração multimodal dos transportes, isto, anualmente e em razão das auditorias que realiza para a análise da infraestrutura logística do Brasil. [2]

Adicionalmente, é forçoso lembrar que os exportadores de grãos, principais usuários da futura Ferrogrão, possuem governança ambiental privada consolidada e com comprovados resultados em favor da eliminação do desmatamento na cadeia de suprimento.

E sobre a expansão da produção da soja fruto da Ferrogrão, supostamente responsável pelo desmatamento adicional a ocorrer no futuro, pode ocorrer em mesma ordem de magnitude a depender da demanda internacional e dos investimentos alternativos a serem feitos na BR-163, caso o projeto da Ferrogrão seja engavetado.

Esperando termos colaborado para com mais essa nova frente de debate sobre o projeto “Ferrogrão”, e os cuidados necessários para com a devida prestação de informações corretas sobre seus impactos, concluímos pedindo licença ao poeta para declarar que o país precisa pegar “o trem azul, o Sol na cabeça O Sol pega o trem azul, você na cabeça O Sol na cabeça” [1].

Referências:

[1] O trem azul, Salomão Borges Filho – Lô Borges
[2] TC 010.173/2019-6

* André Nassar é presidente executivo da Abiove; Dalton Miranda é diretor de negócios jurídicos e tributação da Abiove

Fonte: https://globorural.globo.com/google/amp/opiniao/vozes-do-agro/noticia/2023/05/e-preciso-colocar-a-narrativa-ferrea-nos-trilhos.ghtml

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