Valor Econômico – Por pressão de deputados independentes e de oposição, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara começará a discutir na próxima semana proposta de emenda constitucional (PEC) que determina que os empréstimos dos bancos públicos controlados pela União precisarão do aval do Congresso quando envolverem operações fora do Brasil. A medida visa bloquear os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a obras e serviços no exterior, tema utilizado pela oposição para desgastar os governos do PT, mas causou preocupação na indústria pelo impacto nas exportações.
As PECs dos deputados Mendonça Filho (União-PE) e Daniel Freitas (PL-SC) foram protocoladas em março e somam o apoio de 233 deputados. Ambas tramitam juntas e estavam paradas na CCJ desde então, mas ganharam força com a volta das tratativas para que o governo brasileiro auxilie na execução de obras no exterior, como o financiamento a gasodutos na Argentina, e com a renegociação da dívida da Venezuela com o Brasil. A CCJ é presidida pelo deputado Rui Falcão (SP), do PT, que prometeu à oposição pautar as propostas para votação após perceber a movimentação para que fosse aprovado um requerimento de “extrapauta”.
Escolhido relator, o deputado Arthur Maia (União-BA) antecipou ao Valor que dará parecer favorável as PECs. “O governo tem que parar com essas medidas ideológicas que são contra o desejo da grande maioria dos brasileiros e do Congresso, que é liberal e de centro-direita”, disse. O Valor apurou que diretores do BNDES devem ir a Brasília esta semana para conversar com os parlamentares, mas Maia garante que isso não mudará sua opinião porque a avaliação da CCJ é apenas se a PEC fere alguma cláusula pétrea. “E não há nada de inconstitucional nelas. Na comissão especial o governo terá a oportunidade de apresentar com mais profundidade seus argumentos e tratar do mérito”, destacou.
O BNDES rebate este discurso em nota técnica enviada aos deputados e afirma que a PEC 3/2023 viola o princípio de separação entre os Poderes e dá ao banco tratamento diferenciado em relação as outras empresas de sua atividade econômica. Além disso, aponta que o Congresso analisar os empréstimos violará o sigilo bancário, tornará públicas informações sensíveis dos negócios e vai impor insegurança jurídica as empresas brasileiras. “A proposta sujeitará os exportadores a uma maior incerteza, por exemplo, quando à aprovação e ao prazo de disponibilidade do financiamento ou garantia”, diz.
O diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, José Luis Gordon, afirma que o discurso de que o banco emprestou dinheiro para outros países não é verdadeiro. “Os recursos vão para empresas brasileiras, em reais, e essas empresas vão vender seus produtos e serviços lá fora”, diz.
As operações que causaram polêmica junto à opinião pública e denúncias de corrupção em governos estrangeiros aliados do PT resultaram em calotes bilionários. Segundo o site do BNDES, Cuba tem US$ 250 milhões em parcelas atrasadas, a Venezuela tem US$ 722 milhões e Moçambique possui US$ 122 milhões. Na cotação de sexta-feira, significava um calote de R$ 5,2 bilhões. Quem arcou com o prejuízo, porém, não foi o BNDES, mas o Fundo de Garantia à Exportação (FGE).
Esse fundo, segundo Gordon, não está com prejuízo no geral. O governo FHC (1994 a 2002) aportou US$ 1 bilhão e hoje, com o pagamento dos prêmios pelas empresas que o usaram, teria saldo de US$ 7,5 bilhões. “Como é um fundo contábil e não financeiro, ele tem que entrar no Orçamento como uma rubrica, mas não tem recursos do contribuinte”, diz.
Para Gordon, a atual participação do setor público no financiamento às exportações é muito baixa. Em países como Turquia, Índia, Coreia do Sul e China, mais de 10% do total emprestado vem de órgãos governamentais. No Brasil, esse apoio foi de só 0,2% em 2022. “Existem 90 países com instituições semelhantes ao BNDES e fundos garantidores de exportações, como Estados Unidos e Alemanha. Quem quer ganhar competitividade internacional seguem este tipo de padrão”, pontua. “Em 2010, o Brasil apoiou US$ 11 bilhões para exportação. Ano passado, isso caiu para US$ 600 milhões”, afirma.
Ex-diretor do BNDES no governo Collor e atual presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), Venilton Tadini destaca que a PEC afetará a inserção internacional da economia brasileira e que os deputados “querem montar estrutura de controle que não faz sentido”. “O setor bancário já é ultra regulado e os bancos públicos federais ainda passam por fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU)”, disse. A PEC afetaria não apenas o BNDES, mas também empréstimos do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) afirma que a proposta atrapalhará a exportação de máquinas, tubos para exploração de petróleo e transformadores de energias produzidos no Brasil. “A justificativa da proposta, de que se pretende evitar ações que ‘beneficiam um ou outro governo, mas não o país’, não tem fundamento econômico. Ao contrário, a atuação das instituições financeiras controladas pela União, por ser focada em melhoria da competitividade das empresas nacionais, sejam elas produtoras de bens ou prestadoras de serviços, movimenta uma grande cadeia de fornecedores brasileiros nos projetos conduzidos pelas empresas exportadoras e, portanto, tem impacto direto na geração de emprego, renda, arrecadação e divisas do país”, disse a entidade em nota.
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