Valor Econômico – Embora os desembolsos do BNDES tenham se mantido historicamente baixos nos primeiros meses da nova gestão, economistas veem chances de o banco público ir além dos 2% do PIB que o governo tem colocado como meta, principalmente se (ou quando) a atividade começar a desacelerar com mais força.
Os desembolsos – o que de fato saiu do caixa do BNDES e é emprestado – somaram pouco menos de R$ 20 bilhões no primeiro trimestre de 2023, o equivalente a cerca de R$ 100 bilhões (ou 1% do PIB) em termos anualizados.
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As consultas abertas pelas empresas para tentar captar recursos junto ao banco, no entanto, deram um salto já no fim do ano passado, observa Luiz Maciel, economista-chefe do Bahia Asset Management. Só a construção, aponta, somou, no segundo semestre de 2022, pouco mais de R$ 20 bilhões.
“De novembro para dezembro, foram aprovados R$ 25 bilhões para o setor e isso ainda não aparece nos desembolsos do primeiro trimestre”, diz Maciel. “Eles devem crescer. Achamos que o que estamos vendo nesses primeiros meses não é a regra do que vamos ver, se não em 2023, em 2024.”
“O BNDES deve ter uma visão ‘através do ciclo’, de impulsionar o PIB potencial”
— Bráulio Borges
O próprio presidente do banco, Aloizio Mercadante, afirmou recentemente que “houve aumento grande de consultas” das linhas de crédito do BNDES, de 185% nos quatro primeiros meses do ano.
Na visão do Bahia, quando a atividade começar a dar sinais claros de desaceleração, o BNDES deve surgir como um mecanismo “fácil” do governo para uma “política anticíclica”. “Hoje, os desembolsos do BNDES estão em 1% do PIB. Mas o seu balanço patrimonial permite dizer que ele tem potencial para poder gastar, pelo menos, mais 3% do PIB”, estima Maciel.
No cenário-base do Bahia, os desembolsos não saltariam de 1% do PIB em 2023 para 4% em 2024. “Mas eu acho bem provável que já seja superior a esses 2%”, afirma.
A gestora espera um PIB convergindo para 2,5% neste ano, mas, segundo Maciel, ficará claro em 2024 que esse não é o crescimento subjacente do Brasil. “Vai ser um PIB entre 1% e 1,5%. O governo vai ficar incomodado”, diz. Até 2026, é “muito mais fácil que os desembolsos do BNDES estejam em 3%, 3,5% do PIB”, afirma.
No cenário-base da A.C.Pastore & Associados, o PIB deve crescer 1,8% em 2023, mas deixar uma “herança” negativa de 0,5% para 2024. Ela seria parcialmente compensada pelo aumento dos gastos diretos do governo, deixando o PIB estagnado no ano que vem.
“Não incorporamos ainda medidas parafiscais porque é incerto quando elas vão surgir. Por mais que o governo tenha intenção de aumentar o BNDES, isso demora a aparecer e o impacto deve acabar vindo mais a partir do ano que vem. Mas é um risco que pode aparecer conforme o governo observar a desaceleração da atividade em 2024”, diz Paula Magalhães, economista-chefe da consultoria.
O principal fundo financiador do BNDES é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que, por sua vez, é alimentado por receitas do PIS-Pasep. “O FAT cresce organicamente. A taxa de crescimento média de 2004 para cá é de 7% real. O simples fato de ele crescer todo ano garante um ‘funding’ [fonte de recursos] de, pelo menos, mais R$ 150 bilhões para o BNDES nos próximos quatro anos”, diz Maciel.
Além disso, ele observa que o Índice de Basileia do BNDES – porcentagem dos ativos que os bancos precisam “reservar” em caso de dificuldades – está em 33%, enquanto outras instituições financeiras do Brasil rodam com 15% a 20%.
“Essa reserva do BNDES foi uma decisão do governo passado. Ele nunca teve índices tão altos. Se voltar para 15%, sobram mais uns R$ 150 bilhões para ele poder gastar ao longo de quatro anos”, afirma.
Magalhães, da A.C.Pastore, pondera que, se depender de repasses do Tesouro, levar o BNDES acima de 2% do PIB não será fácil. “Já tivemos uma história com repasses que deu muito errado no passado. Acho que não tem clima para voltar com isso e parece que o ministro da Fazenda [Fernando Haddad] não quer esse cenário.”
Uma participação mais ativa do BNDES também “é tudo que o Banco Central não quer para tentar controlar a inflação”, diz Maciel.
Segundo ele, o nível dos preços tem desacelerado mais por causa dos componentes ligados à oferta de commodities e aos bens comercializáveis do que por aqueles atrelados à atividade, como serviços.
“Isso tem favorecido o início de corte de juros. Mas a inflação de demanda precisa que os juros fiquem altos para cair também. Quando vem um crédito público, é como se o governo jogasse lenha enquanto o BC joga água nesse incêndio. Quanto mais o BNDES entrar, mais o BC vai ter de se manter mais restritivo”, afirma Maciel.
Calcular os impactos de um BNDES “inchado” sobre os indicadores macroeconômicos não é simples porque o banco nunca foi tão pequeno, observa Magalhães. “Não sabemos como é o efeito dessa volta dele. Mas, se a inflação começar a acelerar no meio do ciclo de corte de juros, o BC, talvez, tenha de parar, esperar e reavaliar se continua ou não”, afirma.
Os modelos do Bahia Asset indicam que cada um ponto percentual do PIB a mais de desembolso do BNDES, em média, sobe o juro neutro – aquele que não contrai nem estimula a economia – em 0,30 ponto. Se os desembolsos do BNDES subirem 3% do PIB, portanto, o juro neutro equilibraria em um ponto percentual a mais. “O BC, que hoje fala oficialmente em juro neutro de 4% – ou 4,5% nas entrelinhas -, iria para algo entre 5,5% e 6%”, diz Maciel.
No fim, aponta, o equilíbrio macroeconômico como um todo pode se tornar pior, com mais juros, menos crescimento e, possivelmente, um governo “menos feliz” e com uma popularidade menor. “No nosso cenário, um BNDES indo para 2% do PIB é compatível com um PIB de 1,5% em 2024. Se os desembolsos forem mais próximos de 3%, o PIB vai crescer perto de 2%, mas a inflação de serviços vai ser mais alta e, talvez, a gente tenha uma Selic mais perto de 11% do que de 9% no ano que vem.”
Aumentar os desembolsos do BNDES para 2% do PIB é dobrar o tamanho do banco em relação ao passado recente e retomar ritmo parecido com o da média de longo prazo, pondera Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre).
“Parece que o BNDES consegue ir para 2% do PIB por conta própria. Mas não adianta falar só em volume, é preciso discutir a qualidade desses empréstimos e, aí, entra a preocupação. Temos visto algumas sinalizações, mas, na prática, ainda não está muito claro qual será a política operacional desse ‘novo’ BNDES”, afirma.
Não é todo tipo de atuação do banco que é desejável, diz Borges, citando trabalho dos economistas Ricardo Barboza, Samuel Pessôa e colegas. Eles resenharam 70 produções acadêmicas e observaram, por exemplo, evidências de que os empréstimos do BNDES são um instrumento efetivo para aumentar o investimento, o emprego e as exportações, mas têm efeitos nulos sobre a produtividade das empresas e resultados inconclusivos para a potência da política monetária.
Como um banco de desenvolvimento, diz Borges, o BNDES deveria atuar onde há “falhas de mercado”, como no crédito a pequenas e médias companhias e no financiamento à infraestrutura. A visão do BNDES também deve ser de médio-longo prazo, afirma. “Não digo nem que ele deveria ter postura anticíclica ativa. Isso pode ser deixado para a política econômica, a monetária e a fiscal. O BNDES deve ter uma visão ‘através do ciclo’, de impulsionar o PIB potencial”, diz.
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