Valor Econômico – O governo federal e as operadoras de ferrovias Vale, Rumo e MRS têm travado conversas duras em torno das renovações antecipadas firmadas na gestão passada. O Valor apurou que, de um lado, as empresas não têm conseguido cumprir parte das obrigações pactuadas e têm buscado flexibilizações. De outro, o Ministério dos Transportes aproveita a janela para reavaliar os valores de investimentos incluídos nos aditivos – que, na visão da pasta, podem ter sido subestimados, considerando os ganhos obtidos com a prorrogação por mais 30 anos dos contratos.
A situação das companhias não é fácil, na avaliação de pessoas a par do tema. Um fator que aumenta a pressão sobre as empresas é uma cláusula, no aditivo das renovações, que diz que a prorrogação dos contratos só se concretizará caso sejam realizados 80% de todos os investimentos contratados em um prazo de até 2027, no caso da Rumo e da Vale, e 2026, para a MRS.
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O argumento central em defesa da renovação antecipada das concessões, no lugar de nova licitação, foi a antecipação dos investimentos. A ideia é que, caso as obras não se concretizem, a tese da vantajosidade perde sentido.
A regra funciona até mesmo caso a não execução seja fruto “de fato alheio à vontade ou que não possa ser exclusivamente imputado à concessionária”, dizem os contratos. Ou seja, caso os grupos não entreguem as obras no prazo – mesmo que por fator externo – a prorrogação pode ficar sob risco.
Do lado do governo, a discussão foi acompanhada de uma nova aferição da vantajosidade das renovações – algo que não fica claro em alguns casos, na visão do ministério, apurou o Valor.
As conversas ainda estão em curso, mas, na prática, o processo poderá resultar na adição de novos investimentos bilionários aos contratos, caso a vantajosidade destes não se comprove.
Entre as três empresas envolvidas, a situação mais complicada é a da Vale, avaliam fontes. A empresa firmou seu acordo em dezembro de 2020, para renovar os contratos de Ferro Vitória-Minas, por mais 30 anos, a partir de 2027, quando venceriam as concessões originais.
A contrapartida foi de R$ 24,7 bilhões: R$ 11,8 bilhões em outorgas e R$ 12,9 bilhões em investimentos cruzados. A principal obra é a construção da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), entre Mara Rosa (GO) e Água Boa (MT) – ferrovia que será posteriormente leiloada pela União.
Fontes do setor afirmam que o ritmo da construção da Fico tem sido lento. O primeiro trecho de desapropriação, para o início das obras, foi liberado em abril deste ano pela Infra SA (ex- Valec). A avaliação é que a governança em torno da obra, que envolve Infra SA e ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) pode impactar o andamento da construção – o que gera preocupação.
A ANTT, por sua vez, diz que o prazo para conclusão da obra é abril de 2028 e, portanto, “não há que se falar ainda em descumprimento” e que “acompanhará a evolução das obras seguindo os mecanismos do contrato”.
Procurada, a Vale afirmou, em nota, que o “processo de renovação das concessões foi estritamente regular”, e que o contrato foi assinado após cinco anos de discussões com ANTT, governo e TCU. A empresa também diz que “está cumprindo todas as obrigações decorrentes da renovação” e que “entregou 100% do compromisso cruzado da Fiol e adquiriu os equipamentos necessários para expansão da oferta de trens de passageiros”, e que “as mais de 470 obras de mobilidade urbana e a obra da Fico seguem em implantação.”
No caso da Rumo, que assinou a renovação da Malha Paulista em maio de 2020, a dificuldade de cumprir parte das obrigações já está sendo discutida no âmbito da Secex Consenso do TCU, órgão criado para mediar conflitos.
A empresa, do grupo Cosan, foi a primeira a firmar a renovação. O acordo que prorrogou o contrato por mais 30 anos, a partir de 2029, exigiu R$ 6,1 bilhões de obras na malha, além de uma outorga de R$ 2,9 bilhões à União.
Segundo fontes, a dificuldade da Rumo se dá porque a lista de obrigações do contrato é muito detalhada, sem margem para flexibilização. Além disso, algumas obras elencadas no caderno têm se mostrado inviáveis na prática.
Uma pessoa próxima ao grupo diz que o valor do investimento executado chega a superar o inicialmente previsto, porém, a empresa fez um rearranjo de prioridades, com a antecipação de obras programadas para o futuro – algo não previsto no contrato. Portanto, não há risco de a prorrogação não se efetivar por falta de investimento, segundo afirma.
A Rumo reconhece a possibilidade de novos investimentos serem incluídos, no âmbito das discussões com o governo, diz a fonte, que avalia que as obras adicionais podem ser positivas para ampliar a capacidade da ferrovia.
Procurada, a Rumo diz que “é natural que no decorrer dos anos sejam rediscutidas melhorias” nos investimentos, dado que o plano de negócios foi estruturado em 2016. A companhia afirma que “as alterações pontuais que a concessionária vem discutindo no caderno de obras junto ao poder concedente tem por finalidade maior eficiência dos recursos”.
A MRS firmou seu acordo em julho de 2022, com investimentos de R$ 6,2 bilhões e outorga de R$ 4,8 bilhões, em troca da extensão por mais 30 anos. Segundo a ANTT, a apuração do cumprimento das obrigações da empresa para o primeiro ano do contrato ainda está em andamento.
Procurada, a MRS afirma, em nota, que “vem executando as entregas previstas em seu plano de investimentos” e que “obras previstas para os próximos anos do contrato já estão em andamento”. O grupo diz que “não serão poupados esforços e empenho para que os resultados possam melhorar a eficiência e aumentar a capacidade do modal.”
Também procurado, o Ministério dos Transportes preferiu não comentar o tema neste momento. O TCU não se manifestou.
A ANTT também afirmou, em nota, que “confia na competência e no compromisso das concessionárias Rumo, Vale e MRS, que tiveram seus contratos renovados, portanto não considera a possibilidade de não efetivação das renovações” e observou que os aditivos têm “mecanismos modernos de fiscalização”.
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