Inovação e desafios nas desapropriações das autorizações

Por CÁSSIA MALACARNE e CAMILLE VIANA
Diretoras da consultoria InfraConnect, especializada em regulação de infraestrutura de transportes

Em meio a uma jornada de evolução e desafios no setor de transportes no Brasil, a “Lei das Ferrovias”, Lei nº 14.273 de dezembro de 2021, propõe um marco regulatório capaz de impulsionar o setor ferroviário brasileiro, conferindo novas possibilidades ao setor privado e se deparando, para tanto, com a antiga e complexa questão das desapropriações.

A desapropriação de terras para estradas de ferro tem raízes na história brasileira, desde o Decreto nº 1.664, de 1855. Adotado durante o Império, tal decreto já previa normativas para viabilização de infraestruturas ferroviárias. Contudo, a “Lei das Ferrovias” revigora o debate ao explicitar que não apenas as concessionárias, mas também os autorizatários exploradores de novas ferrovias podem promover desapropriações.

Este passo visa ampliar investimentos privados para a expansão da malha ferroviária do país. Entretanto, não se pode ignorar que, a despeito das inovações e potenciais benefícios, os procedimentos de desapropriação até sua concretização ainda estão submetidos à Resolução nº 5.819, de 2018, alterada recentemente pela Resolução nº 6.007, para projetos e investimentos no âmbito das outorgas estabelecidas pela ANTT e atos específicos Estaduais quando se tratar de autorizações.

A inserção do setor privado neste cenário, que engloba expressivas responsabilidades, traz à tona reflexões cruciais. O artigo 29, §2º, da “Lei das Ferrovias”, por exemplo, destaca que o autorizatário arcará com os custos e riscos durante a fase executória do procedimento de desapropriação. Quando exploramos o artigo 61, §2º, III, observamos que o papel das autorizatárias se expande, englobando a responsabilidade de desenvolver um projeto urbanístico vinculado à ferrovia, não se limitando apenas à execução das desapropriações.

Diante disso, é inegável a necessidade de uma visão sistêmica e estratégica por parte dos autorizatários, para contemplar não apenas as variáveis econômicas e operacionais, mas também aquelas de ordem social e ambiental, sendo crucial reconhecer e mitigar os possíveis impactos negativos que o processo de desapropriação pode acarretar nas comunidades afetadas.

Desconsiderar as nuances do processo fundiário pode gerar litígios, inflacionar os custos e gerar atrasos na implantação dos projetos, exigindo do setor privado análise cautelosa quanto à viabilidade e riscos envolvidos, especialmente considerando que as autorizações podem envolver contratos de até 99 anos de exploração.

A desapropriação é elo fundamental na construção de uma ferrovia, requerendo análise criteriosa do percurso e das propriedades afetadas. Este elemento se torna ainda mais essencial quando compreendemos que o início das obras depende não só da obtenção de licenças ambientais, mas também da garantia de direito de uso da área pertinente pela autorizatária, sublinhando a relevância de uma desapropriação bem-sucedida para a progressão do projeto.

Percebe-se a necessidade de explorar alternativas que possam otimizar e agilizar o processo, como a desapropriação por utilidade pública e a instituição de “servidão”, tal qual visto na concessão outorgada pelo Governo de Mato Grosso à Rumo, para a extensão da Ferrovia de Integração Estadual Senador Vicente Vuolo.

Sob o cenário atual, onde há mais de 40 contratos de adesão celebrados entre a ANTT e autorizatários, tais empresas trilham um percurso repleto de atenção e diligência. Em meio a um quadro regulatório que segue evoluindo e se adaptando ao contexto contemporâneo, e tendo em vista os robustos investimentos em jogo, a jornada se desenha por caminhos que anseiam por uma sedimentação normativa, conduzindo a uma viagem que entrelaça experiências e aprendizagens contínuas para todas as partes interessadas.

A expansão ferroviária no Brasil, guiada pelas novas diretrizes e oportunidades que emergem da “Lei das Ferrovias”, inevitavelmente se depara com o complexo e delicado cenário das desapropriações. E o equilíbrio entre a agilidade na execução de projetos, a conformidade com os procedimentos legais e o respeito aos direitos dos proprietários torna-se eixo vital para a prosperidade do setor ferroviário no Brasil.


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