Mobilidade Estadão – A última paralisação do transporte sobre trilhos na capital paulista em 3/10 levantou a discussão sobre qual é o modelo de prestação de serviço mais adequado para atender a população que depende, todos os dias, do transporte público.
Para saber como outros países lidam com esse desafio e, também, quais são hoje os sistemas públicos e privados do Brasil, conversamos com Joubert Flores, Presidente do Conselho da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos). Confira a entrevista.
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Como é o serviço de transporte sobre trilhos no mundo? A maioria dos países adota um modelo estatizado ou privado?
Joubert Flores: A maioria dos sistemas globais é operada por entes públicos. A prestação do serviço é sempre pública, mas que pode ser feita tanto pelo Estado como pelo setor privado ou mesmo por um terceiro, sob concessão.
Em locais como Europa, Ásia ou mesmo Oriente Médio, existe uma forma muito comum que consiste em um contrato de operação, como se fosse um serviço terceirizado. Há diversas linhas que funcionam dessa maneira, como a de Pequim e a de Shenzhen, ambas na China, a de Copenhagen, na Dinamarca, e até mesmo a mais nova de Londres, a Elizabeth Line, inaugurada em 2022 – todas elas operadas dessa forma.
E, na América Latina, que modelo é mais comum?
Por aqui, temos formatos diferentes, como concessões e PPPs (parcerias público-privadas). Dessa forma, como exemplo de operação privada, temos Buenos Aires (Argentina), Lima (Peru), além de várias no Brasil.
Alguns exemplos locais são o grupo que compreende a Metrovia, a SuperVia e o VLT, no Rio de Janeiro; em São Paulo, temos as linhas 4, 5, 8 e 9, além do VLT de Santos; assim como em Salvador (BA) e Belo Horizonte (MG). No total de 1.129 km de trilhos para passageiros urbanos que temos no Brasil, há 16 operadoras, sendo que 9 delas são privadas e 7 públicas. E a tendência tem sido um aumento das privadas.
E, na sua visão, qual é a razão para esse aumento?
O motivo de termos tantas operações privadas, hoje, no Brasil, passa por uma questão de recursos. Em outros países, os governos têm capital para fazer e manter uma operação, mesmo que subsidiada, para expansão e renovação das redes. Já no Brasil, não temos recursos; por aqui, infelizmente, isso não é uma política.
Em São Paulo, por exemplo, temos um Metrô com quase 50 anos, e possui em torno de 100 quilômetros de extensão; já o do Rio de Janeiro tem cinco anos a menos e 54 quilômetros de extensão. Em outros países da América Latina, sistemas com idade parecida, como o do México, têm mais de 200 quilômetros de extensão.
Isso porque partiram de uma decisão política de investir, ao contrário do Brasil, onde sempre estamos limitados, em relação aos recursos. Então, nesse contexto, vejo como a única maneira de expandir o sistema é atraindo o setor privado.
No Brasil, a maior parte do transporte sobre trilhos é estatizado ou privado?
O que temos de operação pública no Brasil se localiza em Brasília (DF), Porto Alegre (RS) e Recife (PE), mais três pequenos sistemas que são operados pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que ficam em Natal (RN), João Pessoa (PB) e Maceió (AL). Além desses, temos também operação pública em Fortaleza (PE) e Teresina (PI). Mas alguns desses estão em vias de serem privatizados (veja quadro com a classificação de todas as linhas).
Pensando em quem opera melhor (o sistema público ou o privado), no Brasil, considero ambas as operações boas. Em termos de eficiência operacional, os metrôs do Brasil, como os de São Paulo e Rio de Janeiro, possuem qualidade comparáveis aos europeus, como Londres, Paris e Madri. Agora os asiáticos, além de serem eficientes, prestam um serviço melhor no atendimento aos clientes e na limpeza das estações.
Falando da SuperVia, que opera os trens metropolitanos no RJ e desistiu da concessão, qual seria a melhor solução?
A SuperVia é um sistema grande, com mais de 250 quilômetros e mais de 100 estações, que, no passado, já transportou mais de 1 milhão de passageiros em um dia útil. Nessa época, havia subsídio do governo federal, e as tarifas de ônibus eram cobradas pela distância percorrida – então, eram muito mais caras do que hoje.
Quando a concessão da SuperVia ocorreu, em 1998, eles transportavam cerca de 150 mil passageiros por dia, e, antes da pandemia, já registravam 700 mil/dia, sendo que, hoje, deve pouco mais do que a metade disso. Uma das linhas atravessa mais de 120 comunidades, com 10% dela em regiões que nem mesmo o Estado dá conta; então, não será uma operadora que dará.
Então, para que a prestação do serviço seja adequada, é preciso melhorar a questão da segurança pública para que as pessoas tenham acesso, para que não sejam assaltadas no entorno das estações e poder usufruir do investimento em infraestrutura urbana.
É fundamental melhorar isso e, talvez, até seja o caso de rever o contrato, porque muitos investimentos foram vandalizados. Então, é preciso que exista um sistema que permita prestar um serviço de qualidade, que atraia as pessoas, que o Estado possa estimular a integração para aumentar o número de passageiros, possibilitando, também, que a viagem seja mais rápida. Essa operação tem sido afetada duramente pela falta de segurança, e os investimentos não frutificam.
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