Valor Econômico – No momento em que se aproxima a data para definir quem será o próximo presidente da Vale, a mineradora brasileira vai apresentar a investidores nesta terça-feira (5), em Londres, um cenário otimista para os próximos anos. A expectativa é que até 2026 diversos projetos em curso nas duas áreas de negócios da empresa — minério de ferro e metais para a transição energética — mostrem resultados capazes de adicionar valor à companhia.
A mineradora brasileira valia ontem US$ 68 bilhões, atrás da BHP Billiton (US$ 155,4 bilhões) e da Rio Tinto (US$ 112,4 bilhões), segundo dados do ValorData.
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A curto e médio prazos o futuro da empresa reserva oportunidades, como os executivos da mineradora vão mostrar hoje no Vale Day, o encontro anual com investidores, mas há também uma lista de deveres de casa por fazer. “Olhando em retrospectiva, nos últimos cinco anos, temos sido diligentes e cumprido com aquilo que nos comprometemos”, disse na segunda-feira (4) ao Valor, Eduardo Bartolomeo, CEO da Vale.
Nos próximos anos, a Vale quer garantir o crescimento da produção de minério de ferro, a maior alavanca de valor da empresa. Mas essa estratégia será conduzida não somente olhando para volumes, mas buscando assegurar qualidade. Significa produzir com teor de ferro superior a 65%, importante para fornecer às siderúrgicas, clientes da Vale, produtos que ajudem na descarbonização das respectivas operações. O foco está em atuar em segmentos, nichos, de alta qualidade.
Ainda no minério de ferro, a Vale e a sócia anglo-australiana BHP Billiton terão que continuar a perseguir um acordo global com as autoridades federais e estaduais, no Brasil, para encerrar o caso Mariana (MG), que envolveu o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, da qual as duas mineradoras são sócias. Esse acordo tenta replicar modelo seguido em outra tragédia recente da Vale, Brumadinho (MG), em 2019, que matou 270 pessoas. Em 2021, foi celebrado um acordo judicial para reparação integral de Brumadinho no total de R$ 37,7 bilhões.
“As negociações [de Mariana] estão ocorrendo e queremos fazer o acordo”, disse Bartolomeo. Ele afirmou que possíveis números envolvendo reparações de Mariana só serão conhecidos depois de aprovado um eventual texto do acordo global. Em 2022, circularam informações extraoficiais segundo as quais o acordo poderia superar os R$ 100 bilhões, o que nunca foi confirmado pela Vale. A mineradora entende que um possível acordo sobre Mariana, no Brasil, tiraria “materialidade” de outro processo sobre o tema aberto no Reino Unido, em 2018, e do qual a BHP tornou-se ré.
Em 2022, a BHP pediu que a Vale tivesse participação financeira proporcional caso a companhia britânica viesse a ser condenada na ação coletiva movida no Reino Unido. Em 24 de novembro deste ano, a Vale informou que o Tribunal de Apelação Inglês recusou pedido da empresa de ouvir recurso sobre a competência desse tribunal para julgar a ação de contribuição movida pela BHP contra a mineradora brasileira.
“Importante esclarecer que o mérito da referida ação não foi ainda apreciado e tampouco julgado”, disse a Vale, na ocasião. E acrescentou: “A Vale, como acionista da Samarco, entende que as soluções criadas pelos acordos no Brasil, em especial o TTAC [Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta], estão aptas a endereçar os pleitos do processo estrangeiro.”
Em outra frente, a mineradora ainda tem um caminho de melhorias operacionais a seguir nas produções de níquel e cobre no Brasil e no Canadá depois de ter separado essas atividades da empresa-mãe, constituído uma companhia separada – a Vale Base Metals (VBM) – e vendido 13% dessa sociedade por US$ 3,4 bilhões para a saudita Manara e para o fundo californiano Engine No 1. O negócio foi anunciado em julho deste ano, e Bartolomeo disse ontem que não está nos planos vender uma nova fatia do negócio agora, nem tampouco, por enquanto, abrir o capital da VBM em bolsa. O foco no presente é a melhoria operacional.
Na visão de Bartolomeo, é como se a Vale se aproximasse agora da meta de chegada de uma maratona que foi corrida desde a tragédia de Brumadinho, que irá completar cinco anos em 25 de janeiro de 2024. Ele entende que o trabalho feito permitiu ter hoje uma empresa mais focada em termos de negócios, com dois grandes ativos (minério de ferro e metais para a transição energética), e processos mais seguros. O trabalho feito também dá perspectivas de cumprir as metas de produção em 2023 e 2024 a partir de projetos contratados.
Nos últimos anos, a Vale vinha tendo dificuldades de cumprir metas seja no minério de ferro ou nos metais básicos. Depois de produzir quase 308 milhões de toneladas de minério de ferro em 2022, a empresa projeta atingir entre 310 milhões e 320 milhões de toneladas este ano. E a meta para 2026 é subir para uma escala entre 340 milhões e 360 milhões de toneladas.
A questão é que a Vale criou uma infraestrutura logística para lhe assegurar capacidade de produzir 400 milhões de toneladas anuais, o que ficou mais difícil depois de Brumadinho. Mas mesmo com meta menor, Bartolomeo mostra-se otimista com os negócios da empresa de forma geral: “Vamos pegar dois anos de vento de popa.”
A Vale continua com sentimento positivo também em relação à China, o principal mercado da companhia. Em 2022, o mercado chinês representou 75% da demanda global de minério de ferro, 59% no caso do níquel e 54% no cobre. Também no ano passado a China respondeu por quase 63% dos embarques de minério de ferro e pelotas da mineradora brasileira.
A pergunta presente há alguns meses é quem vai liderar a empresa nesse novo momento nos próximos anos. A expectativa é de que até o fim de janeiro a sucessão na presidência da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, esteja resolvida. Até lá caberá ao conselho de administração da empresa tomar a decisão se renova o contrato de Bartolomeo, no cargo desde março de 2019, ou se toma a decisão de substitui-lo, o que, neste caso, levará à contratação de empresa de seleção de executivos para indicar candidatos ao posto.
O processo sucessório na Vale ganhou destaque este ano depois que circularam informações segundo as quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gostaria de fazer o ex-ministro Guido Mantega como presidente da mineradora. A tese, embora tenha perdido força, foi interpretada no mercado como mais uma tentativa de intervenção do governo em empresas privadas, uma marca da atual gestão de Lula. Em novembro, em outro movimento, ganhou destaque o nome de Luis Henrique Guimarães, ex-presidente da Cosan, como potencial sucessor de Bartolomeo.
A Cosan, do empresário Rubens Ometto, tornou-se acionista de referência da Vale em 2022 ao comprar 4,9% do capital da mineradora. A Vale tem outros acionistas relevantes, caso das gestoras americanas Black Rock e Capital e da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Sem controlador definido, é difícil para um acionista, isoladamente, conseguir promover uma mudança no comando da empresa. Uma das principais barreiras para movimentos como esse está na composição do conselho de administração, formado por oito conselheiros considerados independentes em um total de 13 assentos.
Em Londres, Bartolomeo não se furtou a falar sobre a sucessão dele na empresa. Disse que há um “processo” a ser cumprido, em referência à governança da Vale, a qual estabelece um rito para renovar o contrato do CEO ou trocá-lo. “Meu contrato termina no fim de maio e, pela política da companhia, tenho que ser informado quatro meses antes se haverá ou não a renovação.” Significa que até o fim de janeiro de 2024 o conselho de administração da Vale deve se reunir para apreciar o tema, e definir se Bartolomeo continua ou não à frente da empresa.
Engenheiro de formação, Bartolomeo assumiu o comando da Vale meses depois do rompimento da barragem de Brumadinho. Com longa carreira na mineradora, ele estava à frente à época das operações da empresa no Canadá e assumiu o posto de CEO no lugar do antecessor, Fabio Schvartsman, afastado depois da tragédia.
Uma das prioridades da empresa no pós-Brumadinho foi reduzir riscos e fazer uma reorganização do negócio. Foram R$ 7 bilhões investidos no programa de descaracterização de barragens semelhantes às de Mariana e Brumadinho desde 2019. No total, 13 estruturas ou 43% das chamadas barragens a montante foram descaracterizadas. Ao mesmo tempo, o portfólio de negócios foi reduzido. A Vale vendeu dez negócios diferentes, incluindo fertilizantes, bauxita e operações deficitárias no carvão e no níquel. Mais do que ganhar dinheiro com as vendas, a medida estancou perdas e reduziu riscos.
Essa mudança criou as condições para fazer a separação dos metais e abriu espaço para melhor gestão no minério de ferro. “Quando tem dez negócios o corporativo [da empresa] é uma holding por mais que tenha áreas e executivos para tocar os diferentes negócios”, disse Bartolomeo.
Nos metais, o objetivo agora é melhorar as operações no Canadá e no Brasil. Com esse propósito, a Vale chamou Mark Cutifani, ex-executivo chefe da Anglo American, para ser presidente do conselho de administração da Vale Base Metals, com sede no Canadá. Em maio deste ano, em entrevista ao “Financial Times”, Cutifani disse que pretendia orientar o foco da empresa às margens de lucro e à comercialização para preparar a companhia para uma possível abertura de capital no futuro.
Na semana passada, a Vale informou que a atual executiva à frente da VBM, Deshnee Naidoo, deixará a empresa em março do próximo ano. O processo sucessório para seleção do novo CEO está em curso na VBM.
No minério de ferro, a Vale aposta em três projetos para aumentar a oferta. Dois deles — Capanema e Vargem Grande — estão em Minas Gerais e o terceiro, no Pará. O projeto paraense busca aumentar para 120 milhões de toneladas anuais a capacidade de produção na Serra Sul de Carajás, o que vai demandar US$ 1,5 bilhão em investimentos.
Como se vê, projetos não faltam à Vale, que se diz pronta para um novo ciclo de crescimento. Mas só o tempo dirá se as projeções de fato se confirmam.
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