Tecnologias em passagens em nível – Edição Novembro/Dezembro 2023

Sinalização desenvolvida pela MPK Engenharia - Fotos: Divulgação
Sinalização desenvolvida pela MPK Engenharia - Fotos: Divulgação

Empresas especializadas estão desenvolvendo novos modelos para aumentar a segurança nos cruzamentos

Em novembro deste ano, uma colisão entre um ônibus e um trem de carga deixou uma mulher morta e cinco pessoas feridas num cruzamento de ferrovia com rodovia em Brasília. De acordo com testemunhas, o ônibus estava em cima do trilho quando o sinal fechou e o condutor não teve tempo de sair da linha. Por meio de uma nota oficial, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) lamentou o acidente e disse que, após uma análise prévia, foi possível observar que o coletivo avançou a passagem em nível sem atentar para a sinalização do local e para os avisos de emergência emitidos pelo trem da Ferrovia Centro-Atlântica.

Este é o exemplo mais recente de um caso trágico em passagens em nível (PNs), cruzamentos que existem aos montes pelo país. Embora não haja dados oficiais, especialistas estimam que a maioria dos acidentes metroferroviários acontece nesses locais, por falta de sinalização adequada ou de atenção humana. Esse cenário tem levado algumas empresas a apostarem no desenvolvimento de soluções para garantir mais segurança e eficiência nas PNs pelo Brasil.

A tecnologia tem sido uma importante aliada nesse processo. A Boslooper, por exemplo, criou um novo modelo de detecção da aproximação do trem numa passagem em nível, que trabalha com visão computacional aliada a sensores do tipo doppler. Essa solução, segundo o gestor da empresa, Alessander Cidral, tem a característica de não ser intrusiva na via permanente e de trabalhar com “double check” (dupla checagem na falha segura) de sensorizacão. “Enquanto os tradicionais trabalham com no máximo quatro sensores, o nosso sistema trabalha com a premissa de oito sensores”, completa Cidral.

O especialista diz que para serem realmente seguras, as PNs precisam estar 100% disponíveis — ou seja, em pleno funcionamento. Outra solução da Boslooper é a PN Vision, ferramenta que oferece gerenciamento e supervisão remota nos cruzamentos. Com essa tecnologia, é possível saber, após 10 segundos, se houve queda de energia em qualquer uma das PN’s”, exemplifica Cidral.

A MPK Engenharia trabalha com o conceito de CCPN (Centro de Controle de Passagens em Nível), que recebeu investimentos da VLI, em Betim (MG). Na cidade mineira, os equipamentos de campo são monitorados por câmeras através de IoT (internet das coisas, que resumidamente conecta objetos físicos e dispositivos digitais para troca de dados). As câmeras monitoram as placas dos veículos que trafegam pela PN durante 24 horas por dia.

O controlador do CCPN pode se comunicar com o maquinista diretamente através de sistema de rádio em nuvem e ainda controlar remotamente a sinalização, caso seja necessário. Pela elaboração da CCPN, a VLI, em trabalho conjunto com a MPK, venceu o prêmio Destaques da ANTT na categoria “Gestão de Obras e Investimentos de Ferrovias” este ano.

A empresa é especializada no desenvolvimento de tecnologias ferroviárias em sinalização, e tem como principais clientes a Rumo, VLI e MRS. Desde 2017, a MPK fornece cancelas ferroviárias, sinalização luminosa e sonora e sensores de detecção de trens para o setor metroferroviário.

Supervisão

Para Vinicius Monteiro, responsável pela área de Marketing da MPK, muitos acidentes em PNs ocorrem em função de vandalismo e da falta de manutenção nos cruzamentos. O CCPN, explica Monteiro, ajuda a fiscalizar e a supervisionar essas ocorrências. Há tecnologias implementadas na forma de subprodutos do Centro de Controle, como o Sistema de Supervisório Remoto AWS IoT Core, que monitora o funcionamento de todos os periféricos da sinalização, como os luminosos, sonora, dispositivo de proteção de surto, entrada de energia, nível das baterias de nobreak e sensores contadores de eixos.

“Em caso de falha de qualquer um dos periféricos, o supervisório gera um alarme registrando data e horário em que a falha entrou. Após a correção, o sistema registra a data e horário do conserto e da falha em um histórico de manutenção”, comenta Monteiro.



Entre os sistemas desenvolvidos pela MPK, destacam- -se o de detecção de trens, através do contador de eixos que indica em tempo real a quantidade de eixos e o sentido de passagem da composição, e o de monitoramento por câmeras: cada passagem em nível possui sete câmeras, sendo cinco de monitoramento e duas de OCR (reconhecimento óptico de caracteres, que analisa as imagens e identifica os caracteres, transformando os dados num formato que pode ser lido e pesquisado por softwares de texto). As câmeras de monitoramento identificam os fluxos de veículos e de trens, enquanto as de OCR registram todas as placas que passam pelo local, e em caso de evasões, permitem a aplicação de multas.

MPK criou juntamente com a VLI o CCPN (Centro de Controle de Passagens em Nível)

A Wise, que teve seu primeiro produto em passagem em nível desenvolvido em conjunto com a MRS e aplicado em 2017 no centro de Juiz de Fora (MG), tem promovido melhorias na performance das soluções, para atender os diferentes requisitos das ferrovias, como tipo de fixação, dormente e trilhos. A empresa aposta no pavimento polimérico com capacidade de compressão que, segundo o gerente comercial da Wise, Diego Gevaerd, não cede ao longo do tempo como o asfalto.

“O sistema desenvolvido para fixação não permite a movimentação lateral ou vertical das peças como usualmente acontece com as placas em concreto. Quando garantimos que não ocorrerá deformação ou movimentação, o risco de um veículo sobre rodas ficar preso ao ultrapassar os trilhos diminui substancialmente”, diz Gevaerd.

A inteligência artificial também está presente nas soluções da Wise, com maior influência nos acessórios de passagens em nível como cancelas, monitoramento, telecom e nas sinalizações. O impacto dessa tecnologia é menor nas placas que são aplicadas sobre o lastro e que ficam estáticas.

Tecnologia de ponta

Para a Wabtec, há uma forte tendência no mercado de uso de inteligência artificial no tratamento de imagens e análise de dados, para auxiliar nas avaliações de falhas, bloqueios e acidentes nas regiões de cruzamento. Com o “PTC Smart Crossing” — que teve sua primeira aplicação em 2016, nos EUA, e agora está em processo de adaptação às necessidades do mercado ferroviário brasileiro —, a Wabtec oferece monitoramento em tempo real nas PNs.

“Com isso, é possível estimar o tempo de aproximação do trem em direção ao cruzamento e, consequentemente, estabelecer o acionamento da passagem em nível no momento exato em que precisa ser acionada”, explica Bruno Novais, gerente de Sinalização e Engenharia da Wabtec.

Segundo ele, a solução dispensa as conexões com os trilhos, o que gera redução de custos com implementação e manutenção pelas operadoras, mitiga riscos associados a interferências, possibilita otimização na atualização do design através de software e proporciona incremento em segurança crítica. “Estamos cientes da quantidade de PNs no Brasil ainda sem sinalização e das várias demandas por soluções que vão além de sinalização. Queremos fazer isso utilizando tecnologia de ponta”, pontua Novais.

O gerente diz que apesar da histórica predominância das passagens em nível convencionais por bloco fixo, as tecnologias de predição vêm ganhando espaço em função dos resultados e do menor impacto na via. “A ativação das passagens em nível no momento correto traz benefícios às populações às margens da ferrovia, consequentemente é esperada uma redução de acidentes causados pelas tentativas de avanço das barreiras, muitas vezes associadas à longa espera”, complementa.

Novas ideias

O mercado de soluções para passagens em nível continua crescendo à medida em que a tecnologia avança mundo afora. A Boslooper tem aperfeiçoado técnicas como tempo de saída do trem, e a montagem de um Centro de Controle de Operações interno para gerenciar automaticamente a diversidade de dados que são coletados nas PNs. “Estamos pensando ainda em relacionar a energia da PN com algo sustentável, ou trazer soluções com energia renovável. Em breve, podemos falar mais disso. Nosso sistema é pioneiro no mundo. Não há esse tipo de implementação em local algum”, pontua Cidral.

A Wise, pelo contrário, busca em outros países a inspiração para desenvolvimento de seus produtos. A empresa aposta no benchmarking para aprimorar sua tecnologia e acompanhar as principais tendências do setor. “Nosso desenvolvimento para PNs é constante. De 2017 até agora, lançamos passagens em nível para dormentes de concreto, implementamos melhorias no sistema de fixação, agregamos novos acessórios, introduzimos estudos de elementos finitos, melhorias nos moldes, lançamento de passagem para pedestres e estamos avaliando a possibilidade de executar a implantação de PN”, destaca Gevaerd.

A Wise aposta em pavimento polimérico nas passagens em nível

Na MPK, os avanços tecnológicos proporcionam a introdução de outros tipos de trabalhos relacionados às passagens em nível, como o sistema supervisório, que recebe a informação se um dos clusters de led da PN está avariado. “A empresa está o tempo todo olhando para as ferrovias europeias e americanas, buscando desenvolver soluções que sejam consonantes com o que acontece no mundo. Dessa forma, sempre buscamos aperfeiçoar sistemas e trazer conceitos que já são ferroviários para a aplicação”, afirma Monteiro.


elza

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