Valor Econômico – As estradas de ferro iniciaram o ano com projetos de modernização e expansão da infraestrutura, refletindo as perspectivas de maior demanda pelo transporte de carga geral. O governo acena com um novo impulso na esteira de investimentos públicos e privados. Paralelamente, anunciou um estudo de dois terços da malha ferroviária nacional – que conta com 29,8 mil km de extensão – sobre a viabilidade para trechos pouco utilizados ou ociosos.
Diante de perspectivas promissoras já se desenha um novo cenário para a malha ferroviária, modal relevante para equilibrar a matriz nacional de transporte. A Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário foi escalada para essa missão e trabalha na estruturação do setor.
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Não faltam promessas para o futuro do modal. Segundo o governo, mais de R$ 94 bilhões serão injetados nas linhas férreas até 2026 por meio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em outra frente, o governo revisou o aprimoramento dos contratos renovados com as concessionárias na gestão anterior. Os recursos arrecadados serão aplicados em novas ferrovias.
Somados, os valores adicionais corrigidos nos contratos da Vale e MRS podem render à União R$ 29,5 bilhões. De acordo com o Ministério dos Transportes, o acordo fechado com a MRS, referente à otimização do contrato da Malha Paulista, atingiu R$ 2,6 bilhões.
Procurada, a Vale reitera que “continua cumprindo com as obrigações decorrentes da renovação antecipada das ferrovias Estrada de Ferro Vitória a Minas e Estrada de Ferro Carajás em 2020, tendo entregue 100% do compromisso cruzado da Fiol [Ferrovia de Integração Oeste-Leste] e adquirido os equipamentos necessários para expansão da oferta de trem de passageiros. As obras de mobilidade urbana, que irão beneficiar 33 municípios a partir de investimentos previstos de R$ 2,8 bilhões, e a obra da Fico [Ferrovia de Integração Centro-Oeste], com desembolsos de R$ 10,7 bilhões, seguem em implantação”. A MRS não quis comentar o assunto.
Beto Abreu, presidente da Rumo, destaca que “a negociação foi um pleito da própria empresa, apresentado em agosto de 2022, com uma proposta de adequação do Caderno de Obrigações da Malha Paulista, assumido no contexto da renovação antecipada dessa concessão em 2020”. Segundo ele, “para proceder a atualização do Caderno de Obrigações, nos termos da Solução Consensual, a Malha Paulista precisará recompor o equilíbrio econômico-financeiro do contrato em um montante estimado em cerca de R$ 1,170 bilhão, dos quais R$ 500 milhões serão convertidos em investimentos na sua malha ferroviária”. O acordo, diz ele, conta com a anuência de todos e é chancelado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A preocupação do governo também aparece no empenho anunciado pela Infra S.A., a mais nova estatal em operação e que rege o projeto da retomada de ferrovias no país. Jorge Bastos, presidente da companhia, declarou, em evento em São Paulo, que está estudando nada menos que dois terços da malha ferroviária nacional.
O objetivo é desenvolver projetos de concessões, relicitações, além de estudos de viabilidade para trechos pouco utilizados ou ociosos. Segundo ele, vários projetos estão avançando. Entre eles, as obras da Transnordestina no trecho pernambucano Salgueiro/ Suape, que devem ser iniciadas em breve. Os investimentos previstos são da ordem de R$ 7 bilhões para conclusão.
O projeto da Ferrogrão, que prevê a construção de 933 km ligando Sinop (MT) ao porto paraense de Miritituba, anunciado em 2014, até agora não começou. O Ministério dos Transportes informa que trabalha na atualização do projeto em busca de “uma solução que seja ambientalmente sustentável e que atenda às necessidades para o escoamento da produção pelo Arco Norte”. Os estudos da ferrovia devem ser concluídos em seis meses.
A Bamin – Bahia Mineração, que faz parte do Eurasian Resources Group (ERG), é responsável pelo trecho I da Ferrovia Oeste-Leste (Fiol I). Com um total de 537 quilômetros de extensão, a ferrovia passará por 20 municípios e viabilizará um projeto integrado de logística (mina, ferrovia e porto), com capacidade de movimentar 60 milhões de toneladas de carga por ano. As obras começaram com investimentos de cerca de R$ 20 bilhões.
De acordo com os dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a expansão da malha ferroviária do país soma 12 mil km de novos trilhos, em 19 unidades da federação. O Brasil conta com requerimentos e autorizações para mais de 22 mil km de novas ferrovias, com investimentos previstos de R$ 295 bilhões. O governo prevê que o setor ferroviário poderá transportar o dobro da carga movimentada até 2035.
Os trens, que por décadas foram vistos como transportadores de minério, começam a ampliar o espaço para a diversificação de produtos, antiga reivindicação dos usuários de transporte ferroviário.
O aumento da carga geral, ainda que pouco expressivo, já vinha sendo registrado em anos anteriores. De todo modo, o relatório elaborado pela Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), sobre o desempenho de 2023, destaca que a movimentação total atingiu o maior nível em cinco anos. Foram 530,6 milhões de toneladas úteis transportadas por trens, terceiro maior volume da série histórica, só perdendo para o recorde de 569,4 milhões de toneladas úteis em 2018 e de 538,3 milhões obtidos em 2017, segundo a ANTF. Entre 2006 e 2023, o crescimento foi de 64%.
O movimento de diversificação de mercadorias – exceto minério – obteve um acréscimo maior, ao transportar 148,6 milhões de toneladas úteis, maior volume para a categoria desde 2005, quando foram movimentados149,6 milhões de toneladas úteis.
“Esse volume é pouco significativo para um país que produz cerca de 2,5 bilhões de toneladas de carga geral por ano”, diz Luis Henrique Teixeira Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut), “Ainda há uma defasagem de 31,1 milhões de toneladas sobre 2018. E há uma preferência pelo minério de ferro. Em resumo, temos uma ferrovia do minério de ferro”, observa.
Os investimentos vêm de diversas fontes. O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estima que mais de R$ 94 bilhões serão injetados no transporte ferroviário até 2026, entre dinheiro público e privado. Mesmo neste cenário animador, Baldez olha para frente com certa descrença. “O futuro é de cinco a dez anos à frente e os 60% da ferrovia que estão no foco da Infra S.A. não serão 100% operacionais”, diz. “Os estudos demandam tempo. E quem terá interesse operacional nesses dois terços de ferrovia?”, indaga. Na sua maioria, destaca, estão ociosos ou inoperantes.
De todo modo, os projetos são uma boa notícia, afirma Baldez. Mas, para que esses projetos fiquem em pé, é necessário superar três variáveis, na sua opinião. A primeira é quem financiará. A segunda são as licenças ambientais, que exigem tempo adequado para a implantação. E, por fim, a regulamentação de um sistema ferroviário que permita o direito de passagem e a integração da malha.
“A rede ferroviária interligada beneficiaria todo o processo produtivo e o escoamento das exportações brasileiras”, afirma Baldez. “Nas regras de hoje, qualquer concessionária pode impedir a passagem. Isso não é um sistema ferroviário, mas sim trechos ferroviários”, critica. “É preciso criar condições hoje, para lá na frente movimentar a carga geral.” Para 2024, ele não acredita em aumento do volume total transportado.
A Rumo, por sua vez, movimentou 77,2 bilhões de toneladas por km útil (TKUs) em 2023, superando os 74,9 bilhões de TKUs em 2022. “Foi o maior volume da história da companhia”, diz Beto Abreu. Para este ano, prevê em crescimento médio de 7%.
Segundo o executivo, esse resultado reflete a consistência do plano estratégico da empresa, que colheu os frutos dos investimentos feitos nos últimos anos. Entre as obras estão o aumento de capacidade da Malha Paulista e no porto de Santos, a inauguração de novos terminais na Malha Central – Ferrovia Norte-Sul –, bem como o projeto de expansão da ferrovia em Mato Grosso, trazendo perspectivas otimistas para os próximos anos, relata.
Nos últimos três anos, diz Abreu, a Rumo investiu quase R$ 10 bilhões entre expansão da Malha Paulista, aquisição de material rodante, modernização de via permanente, término de obras da Ferrovia Norte-Sul (Malha Central), além do início do projeto de construção da Ferrovia Estadual de Mato Grosso. “Projetamos para 2024 algo entre R$ 5,3 bilhões e R$ 5,8 bilhões”, destaca.
O dado mais recente divulgado pela MRS mostra que, no segundo trimestre de 2023, a concessionária obteve o melhor resultado da história em volume transportado, com 51,4 milhões de toneladas de carga, 12% superior ao mesmo período de 2022. O incremento foi puxado pela movimentação de carga geral recorde de 19,7 milhões de toneladas, alta de 8,4% sobre os 18,2 milhões de igual intervalo do ano anterior. A movimentação de minério avançou 14,5%, atingindo 31,7 milhões no período, ante os 27,7 milhões anteriores.
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