O que é debênture e o que muda para o investidor com o decreto que cria nova modalidade de infraestrutura

O Globo – O governo federal publicou, nesta quarta-feira, no Diário Oficial da União, um decreto que regulamenta as chamadas debêntures de infraestrutura, uma modalidade de investimento que se soma às debêntures incentivadas. A diferença é que, em vez de oferecer benefício tributário ao investidor pessoa física, concede vantagens fiscais para os emissores.

Debêntures são títulos de dívida emitidos por empresas para financiar projetos. O investidor compra o papel por um determinado valor (que vai para o caixa da empresa emissora para financiar algum projeto) e resgata no prazo combinado a quantia acrescida de juros.

A nova regra, no entanto, cuja publicação era esperada desde fevereiro, dividiu opiniões. Para alguns especialistas, a promessa de atrair mais investimentos para o setor e de facilitar novas emissões pode não ocorrer como o esperado. Para outros, pode movimentar o mercado de dívida do país.

Mais investidores institucionais

Daniel Wainstein, economista e sócio sênior da Seneca Evercore, explica que, para fomentar o financiamento de projetos de investimento na área de infraestrutura, o decreto estabelece benefício fiscal ao emissor, com o objetivo de que as empresas ofereçam remunerações mais atrativas a potenciais investidores.

Assim, há perspectiva de atrair não só pessoas físicas, mas principalmente investidores institucionais, que são empresas, bancos, hedge funds, fundos de pensão e seguradoras.

Benefício tributário para emissor pode elevar remuneração

As debêntures de infraestrutura permitem que os emissores deduzam os juros pagos na apuração de seu lucro líquido e na sua base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Além disso, permitem a exclusão adicional de 30% dos juros pagos no exercício na apuração do lucro real e na base de cálculo da CSLL.

— As empresas terão um custo menor e poderão repassar parte desse benefício para os investidores via uma remuneração mais atrativa. Por outro lado, um custo menor de dívida deveria levar empresas a buscar um nível de alavancagem maior em sua estrutura de capital — avalia.

Francisca Brasileiro, da TAG Investimentos, destaca que cerca de 60% dos fundos de pensão ao redor do mundo alocam recursos em infraestrutura, enquanto, no Brasil, o percentual fica em torno de 5%.

Além disso, internacionalmente, aponta que cerca de 20% a 40% dos investimentos feitos no setor são oriundos de recursos dos clientes institucionais. Aqui, a fatia ainda não é relevante. Para ela, a nova regra poderia corrigir uma distorção do mercado de capitais brasileiro.

Como as debêntures de infraestrutura costumam ser investimentos de longo prazo, Alexandre Leal, diretor Técnico, de Estudos e Relações Regulatórias da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), acredita que o novo investimento deve atrair o interesse de seguradoras que trabalham com produtos mais extensos, por exemplo seguros de vida e previdência privada.

Nova regra pode atrair estrangeiros

Uma cláusula que permite a emissão com variação cambial, afirma Alberto Faro, sócio da área de infraestrutura do Machado Meyer Advogados, pode atrair mais investimento estrangeiro para o país:

— Os fundos de pensão canadense e americanos têm papel relevante no investimento de infraestrutura no Brasil. Eles investem majoritariamente em equities, na condição de patrocinador, dono do projeto, enquanto as debêntures apresentavam remunerações não tão interessantes, além dos riscos de construção — analisa Faro. — Com as mudanças, esse capital estrangeiro pode ir para os títulos de dívida, já que os fundos de pensão têm apetite e vocação para o setor de infraestrutura.

Menos burocracia

Anteriormente, para que uma debênture fosse emitida, era necessária a aprovação do governo para cada projeto, o que levava cerca de 90 dias, segundo Celso Contin, sócio da área de Bancário & Financeiro do Vieira Rezende Advogados. A expectativa era que esse processo fosse eliminado, acelerando as emissões.

De acordo com o Ministério da Fazenda, deixou de ser necessária a aprovação prévia dos projetos pelo governo, “mas as empresas continuam sendo obrigadas a apresentar a documentação relativa aos projetos para o Ministério setorial responsável, além de ficarem sujeitas a fiscalização pelo próprio Ministério, pela Receita Federal e pela agência reguladora, conforme o caso”.

A atualização das regras desse tipo de instrumento financeiro, segundo a Fazenda, permite ao governo “desburocratizar a emissão dos títulos, já que não é mais necessária a publicação de uma portaria ministerial por projeto, sem perder o controle da política pública”.

Contin, no entanto, rebate esse argumento. Para ele, a criação de um filtro, que antes não era previsto pelo mercado, para as emissões traz insegurança jurídica e não agiliza tanto a criação de novas debêntures. Por isso, em sua opinião, o decreto pode não sacudir o setor de infraestrutura como era esperado, nem “liberar os projetos represados” que esperavam a divulgação dessa regulamentação.

Prazo maior para uso do dinheiro

Quando as empresas emitem uma debênture, elas precisam comprovar o uso do dinheiro para determinado projeto. A quantia não pode, por exemplo, servir para fluxo de caixa, explica Contin.

O uso da verba levantada com os investidores poderia ser feito depois da emissão ou até 24 meses antes. Agora, a regra das debêntures de infraestrutura estabelece que as empresas podem fazer o uso antes da arrecadação do montante em um prazo maior, que chegará a 60 meses em 2027.

— Se eu construir uma planta de energia solar em cinco anos e gastar R$ 80 milhões… Então, eu posso emitir uma debênture nesse valor e comprovar com recibos dos últimos 60 meses — exemplifica o advogado.

Beto Saadia, economista e diretor de investimentos da Nomos, acredita que as empresas façam emissões dos dois tipos para se financiarem, usando as debêntures incentivadas para captar principalmente recursos de pessoas física e as de infraestrutura para arrecadar capital institucional e estrangeiro.

— É bem possível que se emita as duas ao mesmo tempo. Isso abre uma porta muito grande para captação de recursos. São setores sólidos, que não são cíclicos como varejo. Há um conforto para os investidores por serem projetos em que há o interesse genuíno do estado na solvência da empresa — opina.

Matheus Licarião, head de mercado de capitais no Santander Brasil, acredita que, embora o decreto fosse muito aguardado pelo mercado, as emissões não irão se multiplicar tão rapidamente. Tanto as empresas, quanto investidores devem analisar com calma as vantagens e desvantagens desse novo investimento, assim como ocorreu após o lançamento das debêntures incentivadas, em 2012.

— Acredito que vamos ter pelo menos dois anos para ver maior número de emissões, principalmente por estarmos num momento de extrema liquidez no mercado. É difícil, então, em um momento como esse, a empresa tomar a decisão de fazer uma primeira emissão de um produto de dívidas. Existe um tempo de maturação para gente começar a ver os resultados, mas já estamos em conversa com algumas empresas que querem nossa ajuda para a emissão — comentou.

Setores prioritários

Pelas novas regras, os projetos prioritários para emissão das novas debêntures são:

  • logística e transportes;
  • mobilidade urbana, energia de geração por fontes renováveis; telecomunicações e radiodifusão;
  • saneamento básico;
  • irrigação;
  • educação e saúde pública e gratuita;
  • segurança pública e sistema prisional;
  • parques urbanos públicos e unidades de conservação;
  • equipamentos públicos culturais e esportivos;
  • habitação social, por meio de projetos de parcerias público-privadas;
  • requalificação urbana;
  • transformação de minerais estratégicos para a transformação energética;
  • iluminação

Pedro Saad Abud, especialista em Direito Societário do Abe Advogados, destaca que o texto amplia o conceito de energia elétrica, de modo que, pelo novo conceito, geração distribuída fica abarcada e possibilitada a emitir as debêntures de infraestrutura.

Na véspera, na cerimônia de lançamento, o governo havia destacado que o setor de óleo e gás deixaria de ser prioridade. No entanto, o texto permite que debêntures relacionadas à exploração e ao transporte de gás sejam emitidas, deixando apenas o setor de petróleo de fora.

Embora o governo tenha destacado que o objetivo é impulsionar investimentos comprometidos com a neutralidade climática, o desenvolvimento sustentável e a inclusão social, André Vasconcellos, vice-Presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores, considera que o decreto não será tão eficaz para a transição energética brasileira por não estipular medidas para combater o desmatamento, responsável pela maior parte das emissões de gases que provocam o efeito estufa no Brasil.

— O Brasil atualmente é quinto maior emissor mundial de GEE, precedido por China, EUA, Índia e Rússia. Seu padrão de emissões, no entanto, difere significativamente da média global. Enquanto as emissões brasileiras decorrem principalmente de mudanças no uso da terra e desmatamento (50%) e da agropecuária (24%), na média dos países do G20 cerca de 70% das emissões estão relacionadas ao setor de energia — explica.

Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/financas/noticia/2024/03/27/entenda-o-que-muda-para-os-investidores-com-o-decreto-que-cria-nova-debenture-de-infraestrutura.ghtml

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