Regra de debênture deve excluir outorga

Valor Econômico – O decreto que regulamenta as novas debêntures de infraestrutura com isenção fiscal, criadas pela lei 14.801, de janeiro deste ano, deve excluir o setor de petróleo e o pagamento de outorgas dos recursos captados por meio deste instrumento, como adiantou o Valor. O veto se estenderia às debêntures incentivadas, já regulamentadas e que dão isenção de Imposto de Renda (IR) para investidores pessoa física, de acordo com a minuta que o Valor teve acesso e que, dentro do governo, vinha sendo tratada como a versão final do decreto assinado ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que será publicado na edição de hoje do “Diário Oficial da União” (DOU).

Segundo Alberto Faro, sócio do Machado Meyer Advogados, não há uma proibição expressa na minuta à outorga, mas, como no decreto que regulamentou as debêntures incentivadas o instrumento estava listado, o entendimento é de que deixou de ser permitido. Além disso, em outro trecho, a minuta reforça que a emissão dos papéis “fica limitada ao montante equivalente às despesas de capital dos projetos de investimento.” Faro lembra que sobretudo os setores de saneamento e energia vinham usando o recurso para financiar o pagamento de suas outorgas. “O tema vai gerar muita discussão”, afirma ele.

Já a exclusão do setor petrolífero faz sentido diante da agenda de sustentabilidade do governo, afirma Marcelo Ikeziri, coordenador da área de bancos, serviços financeiros, mercado de capitais e ativos digitais do BVA – Barreto Veiga Advogados.

A minuta contempla, no setor de energia, projetos para geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição de energia elétrica; gás natural; produção de biocombustíveis e biogás, exceto na fase agrícola; e hidrogênio de baixo carbono, entre outros. Outro fator positivo apontado por Faro é a inclusão do setor de minigeração distribuída como prioritário. Até então excluídos dos benefícios da 12.431, esses projetos, porém, não poderão emitir as debêntures de infraestrutura, apenas as incentivadas.

Pela minuta, fica eliminada a exigência de que as empresas peçam autorização específica do ministério referente à sua área de atuação para cada projeto a ser financiado pela emissão tanto de debêntures de infraestrutura quanto incentivadas. A mudança era defendida pelo mercado de capitais por agilizar significativamente o processo, já que alguns órgãos federais levam até 90 dias para emitir esses documentos. No entanto, diz a minuta, os ministérios ainda terão que publicar portarias gerais, estabelecendo as prioridades em cada setor, sendo que as que já existem estariam mantidas. Faro ressalta que muitos ministérios importantes não têm essa portaria geral, caso de Saúde e Educação, por exemplo, o que pode gerar um gargalo.

Ikeziri afirma que o fim da obrigatoriedade das portarias ministeriais é positivo para que a análise não fique apenas a cargo do governo, ou seja, é uma responsabilidade que passa a ser compartilhada com as empresas, mas frisa que a expectativa era de que o decreto seria mais claro e definitivo. No entanto, comenta, ainda há muitas pontas soltas, o que não ajuda a solucionar o quadro atual de represamento de emissões, já que se criou uma espécie de vácuo em que as empresas estão segurando operações para decidir qual instrumento usar, se as debêntures de infraestrutura, cujo incentivo fiscal é para o emissor, ou as incentivadas.

O texto não detalha, por exemplo, como será o cálculo do incentivo fiscal desses papéis, ponto nebuloso da lei 14.801, que descreve que a empresa poderá deduzir do lucro líquido, para o cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), 30% do total de juros pagos pelas debêntures. Mas, como os títulos geralmente pagam um indexador mais a taxa, como IPCA mais 3%, por exemplo, a dúvida é se o índice de correção poderá entrar na conta. Esse esclarecimento, afirma Ikeziri, deve vir por instrução normativa da Receita Federal.

Outro ponto da minuta estabelece que, para ser prioritário, o projeto deve ser “objeto de instrumento de concessão, permissão, autorização, arrendamento”, limitação que não existia no decreto que regulamentou a 12.431. Isso exclui, por exemplo, empresas que fazem a construção das torres usadas para a infraestrutura do 5G, que hoje podem usar as debêntures incentivadas. No entanto, Faro afirma que, na grande maioria dos casos, os projetos estão enquadrados na nova regra. “É raro não estarem. O impacto desse artigo é marginal.”

A minuta também estabelece que uma mesma operação não pode ter uma série de debêntures incentivadas e outra das novas debêntures de infraestrutura, para não acumularem benefício tributário, mas podem ser usadas em instrumentos separados para o mesmo projeto. Além disso, o artigo 19 diz que os projetos já aprovados por meio de portaria do ministério setorial responsável que não se enquadrarem nos critérios e nas condições estabelecidas no novo decreto poderão ser objeto de emissão de novas debêntures incentivadas no prazo de 90 dias. Permite ainda que as novas debêntures de infraestrutura tenham cláusula de variação cambial, recurso que um emissor brasileiro que precise desses contratos de proteção nos papéis em reais pode fazer.

O texto divide em 15 áreas os projetos que poderão se enquadrar como usuários das novas debêntures de infraestrutura: logística e transporte; mobilidade urbana; energia; telecomunicações e radiofusão; saneamento básico; irrigação; educação pública gratuita; segurança pública e sistema prisional; parques urbanos públicos e unidades de conservação; equipamentos públicos culturais e esportivos; habitação social; requalificação urbana; transformação de minerais estratégicos para a transformação energética; e ainda iluminação pública.

Para se enquadrarem como prioritários na área de infraestrutura, os projetos devem atender a algumas condições. Entre elas, ser considerados “parte de projetos de investimento, ações e intervenções complementares que tenham como finalidade reduzir ou mitigar emissões de gases de efeito estufa no âmbito do empreendimento ou da infraestrutura.” Ainda de acordo com o texto, “o enquadramento dos projetos na área de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação se dará nos setores de transição energética, transformação ecológica, transformação digital, complexo industrial da saúde e complexo industrial aeroespacial e de defesa.”

Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/03/27/regra-de-debenture-deve-excluir-outorga.ghtml

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