Renúncia de conselheiro independente da Vale escancara processo de sucessão conturbado

Valor Econômico – O pedido de renúncia do conselheiro independente da Vale, José Luciano Duarte Penido, formalizada em uma carta enviada ao colegiado na segunda-feira (11), escancara a crise vivida pela companhia no processo sucessório, marcado por tentativas de intervenção do governo e por movimentos empresariais nos bastidores.

“Apesar de respeitar decisões colegiadas, em minha opinião o atual processo sucessório do CEO da Vale vem sendo conduzido de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política”, escreveu Penido em trecho da carta, à qual o Valor teve acesso. O documento foi endereçado ao presidente do conselho de administração da mineradora, Daniel Stieler, ao vice-presidente de finanças da empresa, Gustavo Pimenta, e ao diretor de governança corporativa, Luiz Gustavo Gouvea.

O pedido de renúncia tornou-se público ontem, confirmando que o processo de sucessão segue conturbado, apesar de o colegiado ter votado, por maioria, na sexta-feira (8), pela extensão de mandato do atual presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, até dezembro deste ano. Na reunião do dia 8, ficou decidido que os conselheiros vão definir a sucessão do futuro presidente em um processo competitivo.

Penido e Paulo Hartung foram os únicos que votaram contra a decisão majoritária pela abertura do processo competitivo para a escolha do novo CEO. Todos os demais 11 membros do colegiado, incluindo representantes da Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, da Bradespar, empresa de participações do Bradesco, da japonesa Mitsui e da Cosan votaram a favor do processo. Também acompanharam a decisão os demais conselheiros independentes e o representante dos empregados.

O contrato de Eduardo Bartolomeo terminaria em 26 de maio e foi levado até 31 de dezembro, quando um novo presidente deverá estar eleito. O executivo vai participar da transição do futuro CEO, permanecendo na Vale até o fim de 2025.

Com a decisão do colegiado na sexta-feira, parecia que o processo sucessório da mineradora tinha vencido uma etapa conturbada para entrar em uma nova fase, a derradeira, da escolha do novo CEO. Afinal, depois de meses de discussões, se chegou a uma definição por maioria que, embora não tenha agradado a todos, permitiu encaminhar uma solução até o fim do ano. Mas a trégua durou pouco.

Na carta, Penido indicou que há uma combinação de interesses no colegiado que não é boa para a companhia: “No conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse. O processo tem sido operado por frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro descompromisso com a confidencialidade.”

As críticas do executivo não pararam aí: “Não acredito mais na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale a padrão internacional de uma Corporation”, afirmou. E concluiu: “Nesse contexto minha atuação como conselheiro independente se torna totalmente ineficaz, desagradável e frustrante.”

“Sucessão sofre evidente e nefasta influência política”
— José Duarte Penido

Na segunda-feira (11), na esteira da decisão do conselho da empresa de estender o mandato de Bartolomeo só até o fim do ano, o Valor noticiou que o colegiado havia discutido em detalhes o perfil que se busca para o novo CEO.

Ao se colocar uma série de restrições para a escolha do sucessor, buscaria-se limitar o poder de ação do governo de voltar a interferir na sucessão e também restringir a margem de manobra de alguns acionistas. Mas a reportagem apurou que ainda não há um acordo formal no conselho em termos das travas que podem ser colocadas para evitar, por exemplo, a entrada de uma indicação política na companhia, como aconteceu quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quis indicar o ex-ministro Guido Mantega como CEO.

Um outro ponto que teria sido colocado na reunião do dia 8 seria a não indicação de um executivo ligado aos acionistas da companhia. Um dos membros do conselho é contra a indicação de Luís Guimarães, do grupo Cosan, nome de confiança de Rubens Ometto, para compor a lista tríplice, apurou o Valor.

Penido foi eleito como conselheiro independente da Vale em Assembleia Geral de Acionistas, com mandato de maio de 2023 até abril de 2025. Ele era um dos oito conselheiros independentes da Vale e estava no colegiado da mineradora desde 2019. Chegou a presidir o conselho de administração da empresa e é um executivo com experiência em mineração.

O Valor apurou que há algumas possibilidades em relação à vaga de Penido no colegiado. Uma delas é que um substituto não seja nomeado agora e o conselho fique com 12 integrantes até a próxima eleição, em abril de 2025. Outra alternativa seria o conselho aditar o edital da assembleia de abril de 2024, já convocada, e incluir deliberação para escolher um novo nome. Depois de se tornar empresa sem controle acionário definido, em 2020, a Vale deixou de ter suplentes para o conselho. Só há suplente para o representante dos empregados.

Na noite de segunda-feira (11), a Vale tinha esclarecido que, diante da renúncia, o conselho seguirá o curso regular de seus trabalhos em conformidade com o estatuto e as políticas corporativas em linha com as legislações aplicáveis.

Ontem, em comunicado, a empresa informou ter recebido manifestação do presidente do conselho da Vale, Daniel Stieler, segundo o qual a atuação do colegiado, no processo de definição do presidente da empresa, está “rigorosamente” em conformidade com o estatuto social e o regimento interno do órgão e políticas corporativas. “O Conselho de Administração seguirá desempenhando as ações previstas nos processos de governança da Vale e executando sua missão de forma diligente.”

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/03/13/renuncia-de-conselheiro-independente-da-vale-escancara-processo-de-sucessao-conturbado.ghtml

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