Mobilidade Estadão – O dia 29 de fevereiro de 2024, exótico pela sua repetição a cada quatro anos, agora também pode entrar para a história como o dia oficial da retomada dos trens de passageiros de média e longa distância no Brasil. Nessa data tivemos o vencedor do leilão da licitação realizada pelo governo do Estado de São Paulo.
Quem da minha geração, aqueles nascidos nos fins dos 60 ou início dos 70, não lembra de ouvir um familiar mais velho recordando as viagens ferroviárias, seguras, confiáveis e confortáveis. Até hoje eu tenho no meu imaginário o carro, ou vagão para os leigos, onde as pessoas podiam fazer refeições, como se fosse um restaurante.
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Um dos maiores fracassos da nossa nação, no sentido de sermos um povo que se unifica por diferentes componentes culturais, foi o desmonte da malha ferroviária pujante e que fazia inveja em todo o mundo.
Fico sempre imaginando como explicar para um alemão ou para um japonês, que sem termos sofrido nenhum bombardeio, terremoto ou furacão, reduzimos espontaneamente uma malha ferroviária que conectava praticamente o Brasil a apenas duas linhas: as estradas de ferro Vitória a Minas e a Carajás.
Praticamente todo o transporte de passageiros sobre trilhos no Brasil é realizado por trens metropolitanos.
Trem de alta velocidade
Por mais de dez anos o governo do Estado de São Paulo estudou o projeto de implantação de um trem intercidades que conectasse a sua capital a algum outro centro metropolitano. A opção escolhida, depois de alguns anos de indefinição em razão da expectativa do trem de alta velocidade, foi a conexão entre a cidade de São Paulo e Campinas.
Faz todo sentido porque são as duas maiores regiões metropolitanas do Estado. São Paulo tem mais de 23 milhões de habitantes e Campinas, por sua vez, mais de 3 milhões.
Tenho demonstrado que um projeto dessa magnitude não é apenas um projeto de transporte, apesar de resolver várias equações neste campo ao mesmo tempo. Contribui imensamente para a descarbonização do deslocamento das pessoas.
Vale sempre lembrar que o setor de transporte é um dos que mais emitem gases de efeito estufa. Qualquer iniciativa que transfira pessoas para modos de transporte mais eficientes e sustentáveis é muito bem-vinda. O trânsito também é a maior causa de mortes entre jovens no Brasil. Perdemos aproximadamente 110 pessoas por dia nas rodovias e ruas brasileiras.
As ferrovias são infinitamente mais seguras. E o transporte ferroviário também é mais confiável e rápido. Ou seja, por qualquer ângulo que se olhe, o trem oferece muito mais vantagens que os automóveis e mesmo os ônibus.
Trem São Paulo-Campinas: maior rapidez entre as duas cidades
Mas, para além de ser uma solução para o transporte, um sistema ferroviário que conecte de forma limpa, rápida e confiável, Campinas a São Paulo em exatos 64 minutos, poderá oferecer uma formidável solução de planejamento urbano e de sinergia entre as duas metrópoles.
Poderemos tranquilamente conviver entre as duas regiões metropolitanas como se absolutamente integradas estivessem. Distâncias não se medem em quilômetros, mas em tempo.
Reduzir drasticamente o tempo de deslocamento e oferecer uma certeza quanto a esse tempo, que os engarrafamentos das rodovias e vias são incapazes de permitir às viagens rodoviárias, irá permitir que moremos em uma e trabalhemos ou estudemos em outra.
As possibilidades de conexão irão se multiplicar, provocando uma imensa sinergia. Talentos e valores de Campinas poderão ser utilizados em São Paulo e vice-versa de forma muito mais intensa do que nos dias de hoje. E é preciso lembrar que o trem também irá conectar Valinhos, Vinhedo, Louveira e Jundiaí. Espera-se um intenso desenvolvimento imobiliário nas regiões de influência do trem.
Por isso, o Poder Público precisa ficar atento para atuar evitando a gentrificação de áreas e induzindo um desenvolvimento urbano sustentável, inclusivo, democrático e que promova a melhoria da qualidade de vida de todos, e não apenas lucro do setor imobiliário ou repetição de erros que levam a bairros de uso exclusivo e não sustentável.
Também se espera que o Poder Concedente esteja preparado, atento e independente para regular o contrato de forma a garantir o seu equilíbrio entre Estado e Concessionária, mas sem perder de vista os direitos do usuário do serviço.
Por fim, é tempo de celebrarmos e comemorarmos. Sem deixar de torcer para o sucesso do projeto, que, ao final, não é a existência de um vencedor do leilão, mas sim a operação do trem intercidades transportando milhares de pessoas todos os dias. Ainda há um longo caminho para percorrermos.
Sérgio Avelleda
Coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq. Futuro de Cidades, do Insper
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