Infomoney – Assunto acompanhado com ansiedade pelo mercado financeiro desde o ano passado, o imbróglio envolvendo a renovação antecipada dos contratos de concessão Vale (VALE3) pelas Estradas de Ferro Carajás (EFC) e pela Estrada de Ferro Vitória Minas (EFVM) deverá ter novos capítulos nos próximos dias.
O ministro dos Transportes, Renan Calheiros Filho (MDB), confirmou ao InfoMoney ter recebido, há cerca de 10 dias, uma proposta formal da companhia por um acordo em torno do montante adicional a ser pago à União pelas outorgas. Ele classificou a proposta como “boa” e defende que o governo “faça um esforço”.
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“A proposta foi boa. Na minha visão, acho que o governo deveria fazer um esforço no sentido de encontrar um caminho”, disse, sem entrar em detalhes, em entrevista concedida à reportagem na quinta-feira (11), em São Paulo.
“O problema é que a proposta de pagamento tem um espaçamento no prazo. Mas as obras ferroviárias também. E esse prazo não dialoga diretamente com os desafios de governos”, ponderou.
O ministro conversou com o InfoMoney poucas horas antes do primeiro leilão de concessão rodoviária realizada pelo governo em 2024, que envolveu o trecho entre Belo Horizonte (MG) e Juiz de Fora (MG) da BR-040, vencido pela EPR.
Agora superado o leilão rodoviário, Renan Filho pretende reservar agenda na próxima semana para tratar da questão da Vale e chegar a uma posição sobre se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aceita os termos propostos pela mineradora ou se aciona o Tribunal de Contas da União (TCU) em busca de outros caminhos.
“No entendimento do Ministério dos Transportes, é uma proposta relevante. Principalmente porque eles já tinham o contrato e fizeram essa proposta de maneira adicional, porque demonstramos que, da maneira que tinha sido feito [a renovação antecipada das concessões], não era justo com o país, estava desvalorizando o ativo público federal”, pontuou o ministro.
As declarações foram dadas um mês após Renan Filho dizer, em entrevista ao Broadcast, que o governo estava próximo de alcançar um acordo com a mineradora. Na ocasião, o ministro afirmou que o acordo com a Vale estava “mais adiantado do que se imaginava” e que seria “100% resolvido nos próximos dias”. Na semana passada, a própria Vale divulgou comunicado ao mercado em que informava estar “em discussões avançadas com o Ministério dos Transportes sobre as condições gerais para a otimização dos planos de investimentos” dos contratos de EFC e EFVM.
O governo cobra R$ 25,7 bilhões da Vale por outorgas não pagas na renovação antecipada dos dois contratos ferroviários em 2020, ainda durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O Poder Executivo usa entendimento firmado pelo TCU, de que ativos não amortizados em contrato anterior não poderiam ser abatidos de nova outorga, para reabrir a discussão sobre as duas concessões – sem, contudo, entrar em questões pactuadas nos próprios contratos, segundo o ministro.
“Com os parâmetros estabelecidos lá [no contrato], o valor da outorga a ser pago [pela Vale] por Carajás, por exemplo, seria R$ 19 bilhões. Só que a Vale disse que tinha R$ 18,4 bilhões aproximadamente de ativos não amortizados investidos na ferrovia, que teriam que ser amortizados até o final do prazo de 30 anos. Como ela tinha esse crédito e teria que pagar a outorga de R$ 19 bilhões, pagou [apenas] a diferença. Mas o TCU decidiu que o ativo não amortizado, em caso de renovação, não pode ser abatido da outorga. Em caso de licitação, sim”, explicou o político.
“Ela (a Vale) desejou renovar a ferrovia, não correu o risco de alguém ganhar Carajás. Ou seja, a outorga, se fosse a leilão, poderia não ter sido R$ 19 bilhões, poderia ter sido R$ 40 bilhões. E aí? Aí o governo recebia e pagava o débito da Vale. Mas, como fizeram um entendimento para não licitar, o TCU disse que o ativo não amortizado, no entendimento de não licitar, não pode ser abatido na cabeça da outorga – ele tem que ser amortizado no novo prazo de 30 anos. Então, em vez de receber o dinheiro à vista, que receberia se perdesse a licitação, ela vai receber aqueles R$ 19 bilhões em 30 anos, no novo contrato, que vai gerar uma nova receita, e paga a outorga à União. Porque, se não, a União daria um duplo benefício: nem paga a outorga, nem disputa a licitação”, argumentou.
“Essa tese ficou com uma clareza tão grande, que a própria Vale resolveu fazer esse entendimento. Por isso é que eles também não podem pagar muito menos do que isso (os R$ 25,7 bilhões pedidos pelo governo)“, continuou.
O ministro sustenta que a construção de um acordo representa um “grande ganho para o País”, mas também seria “excelente” para a Vale. “Se a ferrovia Carajás fosse uma ferrovia greenfield, para ser feita agora, custaria R$ 60 bilhões ou R$ 70 bilhões. Se [a Vale] fosse fazer greenfield por autorização do Brasil, ela o faria pelo prazo de 30 anos. Depois disso, ela volta para o ativo público federal. Então, ela teria que colocar R$ 70 bilhões para ter aquele ativo. Ela vai levar por muito menos do que isso e explorar por 30 anos, sem disputar licitação. E se abrisse licitação e o chinês ganhasse? Ela (a Vale) explora na mina de Carajás e tem que pagar o frete para chegar ao porto… O negócio mudaria completamente”, disse.
Impacto fiscal
Antes da Vale, o governo celebrou acordo usando raciocínio similar, com a Rumo (RAIL3), para o pagamento adicional de R$ 1,5 bilhão pela renovação antecipada da concessão da Malha Paulista, e com a MRS, para outros R$ 2,6 bilhões, pela Malha Sudeste. Os recursos têm forte impacto nas expectativas de arrecadação do governo para 2024.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) projetava receita de R$ 44,369 bilhões apenas com concessões e permissões – montante que foi ajustado para R$ 31,566 bilhões no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) do primeiro bimestre, divulgado em 15 de março pelo Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO). Segundo o documento, “o decréscimo ocorreu principalmente nas receitas de renegociação de contratos do setor ferroviário, uma vez que, mesmo sem alteração do valor global dos acordos, pode ocorrer reprogramação do cronograma de pagamentos ao longo de 2024 e 2025”.
“O problema é que houve uma estimativa do estoque possível atingível, e nós vamos ter um pagamento parcelado. Vai haver um impacto fiscal positivo – talvez não do tamanho que foi estimado. Mas há como ensejar uma negociação com a Vale”, disse Renan Filho. Segundo ele, ainda é possível incluir nas tratativas com a mineradora a possibilidade de pagamento à vista das outorgas com desconto.
Negócio da China
Durante a entrevista, Renan Filho também assegurou que o governo do presidente Lula não mexerá em termos de contratos estabelecidos (como estimativas de receitas e taxas de retorno previstas). Mas, quando questionado sobre “valor justo”, o ministro estimou que os 4 projetos (os 2 da Vale e os outros de MRS e Rumo) poderiam valer, somados, cerca de R$ 100 bilhões – mais de 3 vezes acima do que foi pactuado nas renovações.
“Se você tem o custo de oportunidade de R$ 70 bilhões para fazer uma obra, você presume que, em 30 anos, o fluxo de caixa dela será superior aos R$ 70 bilhões aplicados de Capex. Então, se o custo da obra é R$ 70 [bilhões], como a gente faz uma renovação que recebe R$ 19 bilhões? É como se ela fosse um investimento improdutivo. Não há lógica”, disse sobre o contrato das Estradas de Ferro Carajás com a Vale.
No contrato de renovação antecipada, a Vale assumiu compromissos totais estimados em R$ 24,7 bilhões, a serem executados até 2057, sendo R$ 11,8 bilhões para pagamento de outorga. Do montante total, a companhia desembolsaria R$ 9 bilhões com contrapartidas relacionadas às obras da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO) no trecho de 383 km de extensão, compreendido entre os municípios de Mara Rosa (GO) e Água Boa (MT), e da entrega de trilhos e dormentes para trecho na Bahia da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL). Além de R$ 3,9 bilhões com outros compromissos.
Segundo Renan Filho, os números indicam um WAAC (Weighted Average Capital Cost, da sigla em inglês) – jargão utilizado no mercado para se referir à taxa de retorno esperada do investimento – na casa de 12% reais ao ano. O que o ministro considera desproporcional para os riscos baixos envolvidos em uma operação consolidada.
“A Vale paga a tarifa para ela mesma, que é baixíssima, porque é ela que opera a ferrovia. Usaram um WACC para trazer o fluxo de caixa, receitas e despesas a valor presente, de 12% reais. Também não mexi nisso. Ou seja, aceitei que ela desvalorizasse a 12% real meu ativo por ano. Mesmo assim, com essas premissas – tarifa baixa, WACC muito alto para fazer o desconto –, sobraram R$ 19 bilhões [para a Vale pagar na renovação antecipada]. Imagine se colocássemos tarifa justa e WACC compatível. Porque lá é risco baixíssimo. Primeiro, a ferrovia está construída. Segundo, ela já opera há 30 anos, conhece tudo. Então, tem que ser o menor WACC possível. Ela colocou o maior – maior, inclusive, que o da licitação da BR-381 (a chamada “Rodovia da Morte”, em Minas Gerais)”, afirmou.
A reportagem está aberta caso a Vale ou qualquer uma das empresas mencionadas queira se manifestar sobre o assunto.
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