O Globo – Num país de extensão continental como o Brasil, com 5.570 municípios, a construção de cidades inteligentes inclui superar uma série de desafios locais. Para especialistas, é preciso que os gestores públicos levem em conta as realidades de cada município. E, na esteira desse esforço, capacitação da mão de obra e investimentos em infraestrutura são passos fundamentais para isso.
Essa foi a visão trazida pelos especialistas no painel “Cidades inteligentes e desenvolvimento: como entregar o futuro aos cidadãos”, em seminário promovido pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico e a rádio CBN, com o tema “Como preparar as cidades para os desafios climáticos e a promoção do bem-estar dos cidadãos”.
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— Falar de cidade inteligente na Europa é uma coisa, mas num país emergente como o Brasil é outra história — disse Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes. — Todo mundo fala em smartphones, satélites. Mas o que adianta ter essas tecnologias se quando eu vejo a estrutura das cidades brasileiras você está devendo desde a calçada em que você pisa? — questionou Quintella, ao defender a ampliação de investimentos em infraestrutura.
Para Sabine Zink, cofundadora da SAS Brasil, desenvolver cidades inteligentes pressupõe reconhecer as diferentes realidades dos municípios brasileiros. E a promoção do acesso igualitário à saúde, um dos objetivos defendidos pela startup coordena pr ela, deve fazer parte do debate sobre cidades conectadas:
— O brasileiro viaja hoje, em média, 72 quilômetros para chegar até um atendimento básico de saúde, um postinho. Essa é uma realidade no sertão do Brasil. Como criamos soluções pra este tipo de problema? Essa é uma pauta que envolve tecnologia, saúde digital e meio ambiente. E temos que entender de maneira mais sistêmica e multifatorial como criamos soluções a partir de realidades tão diversas e, ao mesmo tempo, conectadas.
A cofundadora da SAS Brasil citou ainda dois entraves ao desenvolvimento das cidades inteligentes: a barreira geográfica (hoje, 97% dos especialistas em saúde estão hoje em 5% dos municípios, por exemplo) e a desigualdade de acesso à tecnologia pela população. Segundo Sabine, sua startup busca desenvolver soluções de saúde digital com foco no olhar social.
Na pandemia, em de vez “telemedicina”, foi adotada a expressão “Tem médico do zap”, contou Sabine, ao comentar a criação de ferramenta de consulta médica à distância via WhatsApp. Já para quem não tinha acesso à consulta através de smartphone próprio, a SAS instalou cabines de telemedicina na Maré. Nos pequenos municípios, para evitar deslocamentos, enfermeiras foram treinadas para operar exames com o acompanhamento remoto de obstetra.
Para a diretora da SAS Brasil, a inovação é um pilar importante para as cidades inteligentes, mas não deve ser buscada a qualquer custo:
— É preciso inovação que considere os desafios sociais, se não vamos alavancar desigualdades de um país que já é extremamente desigual — frisou.
Capacitação para conter desigualdades
Suzana Kahn, diretora da Coppe UFRJ, ressaltou a importância de capacitação da população para lidar com as novas tecnologias. Essa é uma medida que, segundo ela, pode ajudar a conter a piora da desigualdade:
— Quanto mais se exige de conhecimento e tecnologia, mais se abre a “boca do jacaré”. E se nada for feito para capacitar essas pessoas para viver essa revolução 4.0, mais desigual vai ter a sociedade e as cidades vão perdendo protagonismo na economia regional e mundial.
A participação social é também um pilar para tornar mais democrático o processo de construção de cidades inteligentes, destacou Stella Hiroki, especialista em Inovação Urbana e Cidades da PUC-SP.
— Precisamos parar de fazer esse “copia e cola” de soluções do exterior. E com isso, trabalhar essas informações (produzidas pela população no espaço urbano) e trabalhar em projetos que dialoguem com os nossos desafios climáticos.
Segundo Stella, informações como moradia, deslocamento, e publicações nas redes sociais podem ser usados para criar soluções locais.
— O tempo da cidade é diferente do tempo da tecnologia, que é muito mais rápido. Existem diferentes estágios para que uma cidade se torne inteligente. A longo prazo, olhar só para a infraestrutura não é sustentável. A gente pode utilizar os dados dos smartphones, por exemplo. Interpretando e traduzindo esses dados, a gente pode entender a realidade das pessoas e criar soluções mais adequadas — disse Stella.
Na mesma linha, Suzana Kahn reiterou que os dados podem, sim, ser aliados da gestão pública no planejamento das cidades e não só diante de eventos extremos.
— A tecnologia precisa chegar na gestão pública. Ela pode ajudar, seja via internet ou de uma forma sistematizada, a mostrar e mapear onde e quem está precisando mais, onde está mais carente. Há uma dificuldade enorme de usar recursos já disponibilizados. Até hoje tem recursos parados na Caixa Econômica Federal por causa das chuvas de 2011, em Petrópolis. Se não casar as duas coisas, abre-se um precedente para a corrupção. É preciso ter cuidado e fazer o dinheiro chegar na ponta — disse Suzana.
O projeto G20 no Brasil tem o governo do Estado do Rio de Janeiro como estado anfitrião, Rio capital do G20 como cidade anfitriã, patrocínio de JBS e realização dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e rádio CBN.
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