Valor Econômico – Economistas e consultores avaliam que as obras emergenciais serão o principal motor para a recuperação da economia gaúcha, que, segundo projeções preliminares, deve apresentar crescimento zero este ano. Antes das enchentes, a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) havia projetado expansão de 4,7% para o Produto Interno Bruto (PIB) do Estado em 2024. “Os investimentos ligados à reconstrução serão um elemento importante para a atividade econômica das regiões afetadas. Inclusive, garantir a oferta de mão de obra, insumos e máquinas para realizar o esforço de reconstrução de forma tempestiva será um desafio importante, e, provavelmente, envolverá todo o país”, avalia Silvana Machado, diretora-executiva do Bradesco.
A Alvarez&Marsal (A&M), que disponibilizou 30 consultores a serviço do governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre para estruturar um modelo de gestão dos impactos econômicos e sociais provocados pela enchente, calcula que obras para recuperar a infraestrutura pública – rodovias, ferrovias, portos, pontes, viadutos, túneis, malha viária e sistemas água, energia, esgoto e águas pluviais -, além da recuperação de casas, hospitais, postos de saúde, escolas e delegacias, entre outros, exigirão investimentos públicos e privados de mais de R$ 100 bilhões.
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A Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) estima que serão necessários de R$ 110 bilhões a R$ 174 bilhões, com base parâmetros internacionais para o custo médio global de resposta a desastres naturais (1,6% do PIB), que no Estado equivaleria a R$ 174,4 bilhões.
Os mais de R$ 100 bilhões estimados pela A&M correspondem ao faturamento total de todas as empresas de engenharia e construção do país em 2022. “Daí o grande desafio de como executar tudo isso, visto que precisaremos de muita mão de obra, de insumos e de empresas especializadas para lidar com um volume tão significativo de obras em um espaço curto de tempo”, aponta Filipe Bonaldo, sócio-diretor da A&M Infra.
Rodovias estaduais e federais exigirão entre R$ 3 bilhões e R$ 9 bilhões. Levantamento do governo gaúcho indica que mais de 4,5 mil km de vias (ruas, rodovias, estradas vicinais etc.) foram comprometidas. As quatro rodovias que a CCR opera no Estado, pela Via Sul, tiveram comprometimentos e deve investir R$ 250 milhões em recuperação e recomposição de taludes e de pontes. Também vai manter o investimento original de mais de R$ 1 bilhão previsto até 2025, segundo, o presidente Eduardo Camargo. O recurso está destinado para a duplicação de quase 270 km da BR 386, a mais afetada.
Ainda não há dados sobre os impactos na malha ferroviária, utilizada em grande parte para o escoamento de grãos. A Rumo, que detém uma concessão, ainda está avaliando os danos.
Segundo o governo gaúcho, as enchentes afetaram de forma direta cerca de 283 mil residências, (5,3% do total), impactando quase 600 mil pessoas. Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, foi o município mais afetado: o rio Jacuí atingiu 80,8% das residências da cidade, segundo o Mapa Único do Plano Rio Grande.
Diversos imóveis sofreram danos estruturais, como o de Jaqueline Aguiar, que teve de deixar a casa de madeira em que vivia de aluguel em 3 de maio. “Caiu uma parte do assoalho [da casa]. A gente não imaginou que ia chegar nessa proporção”, afirma.
Empresas de construção avaliam que haverá uma mudança das centralidades nas cidades atingidas, fazendo com que indústria, comércio e serviços migrem para locais livres de futuros alagamentos. “As famílias também buscarão residências em lugares acima das cotas de inundação. Mesmo as cidades pequenas deverão sofrer um processo de verticalização”, afirma Leandro Kunst, diretor-executivo e sócio da Construarte.
Embora não existam dados precisos sobre investimentos no segmento daqui para frente, o empresário afirma que a recuperação de casas é tão grande que já é possível observar um aumento na demanda de materiais de construção, com reflexo nos preços. “A demanda por imóveis residenciais, sejam casas ou apartamentos, será maior nos próximos anos. A dificuldade que temos pela frente, assim como é possível verificar no restante do Brasil, é a elevada taxa de juros e o alto endividamento das famílias”.
Na loja de material de construção de Gessiel Serpa, em Eldorado so Sul, a demanda ainda é outra. “É bota, luva e capa de chuva”, diz.
Levantamento da Fiergs aponta que 81% das 220 indústrias consultadas foram afetadas. Os prejuízos mais comuns incluem questões logísticas, problemas com pessoal e dificuldades com fornecedores, diz Giovani Baggio, economista-chefe da federação. A intensidade das perdas está mais relacionada a localização, tamanho e capacidade de proteção dos ativos, do que ao setor econômico. “Aproximadamente 44 mil estabelecimentos, o equivalente a 16% do total no Rio Grande do Sul, estavam em áreas inundadas”, explica Baggio.
A executiva do Bradesco avalia que o mais importante é restabelecer a infraestrutura para o retorno das atividades a algum grau de normalidade. “Investimentos para tornar a infraestrutura pública e a estrutura produtiva privada mais resiliente a eventos climáticos podem favorecer o aumento da produtividade, na medida em que se tem a oportunidade de criar uma infraestrutura melhor daquela que existia anteriormente. Mas isso demorará mais tempo”, diz.
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