Valor Econômico – Sob pressão do novo regime fiscal e sem recursos públicos disponíveis, o governo deixou em segundo plano a ideologia e procura capital privado para os projetos de concessão de infraestrutura, muitos dos quais parados há anos, para atender a população e os projetos econômicos.
Com os recursos consumidos em sua maior parte pelas despesas obrigatórias, o Brasil vem investindo bem menos do que os 4% a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) necessários não só para repor a depreciação dos ativos de infraestrutura existentes, como também para ampliar o estoque para acompanhar a demanda e estimular a própria expansão da economia. De acordo com estudo da consultoria Inter.B feito para o Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada – Infraestrutura (Sinicon), esse investimento tem ficado abaixo de 2% do PIB. Para dobrá-los será imprescindível a participação do setor privado, diante das restrições fiscais do setor público.
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O estoque brasileiro de ativos de infraestrutura tem em média de 30 a 40 anos. A maior defasagem, de acordo com a Inter.B, está exatamente no setor de transportes. Desde o início do século, em 2001 até este ano, o investimento médio anual em percentual do PIB realizado em transportes tem ficado em pouco mais de um terço do necessário. Em seguida está o saneamento, onde os investimentos ficaram em pouco mais de 40% do imprescindível. Nas telecomunicações, setor privatizado, há defasagem também, mas menor, com os investimentos em 72% do necessário.
Diante desses números, o Ministério dos Transportes vem se esforçando para atrair o investidor. Os recursos privados representaram 49% dos investimentos em ferrovias e rodovias no ano passado. A intenção é chegar a 75% no fim do atual mandato do presidente Lula e a 78% no fim de um eventual quarto mandato, em 2030.
Para a atrair o investidor, há um cardápio de concessões de 35 rodovias, objetivando captar US$ 41,9 bilhões, e de cinco ferrovias, com aportes previstos de US$ 13,5 bilhões. Se todos os leilões de concessões forem bem-sucedidos, a injeção anual de recursos no setor dobraria de US$ 5,2 bilhões em 2023 para US$ 11 bilhões em 2030, elevando o investimento privado a 78% do total.
Este ano marca uma virada nesse projeto. O Ministério dos Transportes estima que o investimento privado vai superar o público no setor, atingindo 65%. Cinco leilões de rodovias já foram realizados e, somando o único ocorrido em 2023, chega-se ao total de seis, o mesmo número de todo o governo passado. Mais cinco estão previstos totalizando 11 em dois anos. O mais recente foi a Rota do Zebu, que vai de Uberaba a Betim (MG), vencido pela Kinea. Pouco mais de um mês antes foi leiloada a Rota dos Cristais (GO), cuja concessão foi arrematada pela Vinci Highways, a primeira empresa estrangeira a concorrer em seis anos.
Mais quatro leilões de concessões de rodovias sob a organização federal estão previstos ainda neste ano. São a Rota da Celulose, em parceria com Mato Grosso do Sul, a Rota Verde, em conjunto com Goiás, e os lotes 3 e 6 de rodovias do Paraná. Há ainda a licitação da Ponte Binacional São Borja-Santo Tomé, que liga o Brasil à Argentina.
No primeiro semestre de 2025 deverão ser realizados outros seis leilões de rodovias. O primeiro será a relicitação da Concer, no trecho da BR-040 entre Juiz de Fora e Rio de Janeiro. Em seguida vêm os leilões da Rota Agro Norte, em Rondônia; a Rota Agro, entre Mato Grosso e Goiás; a Rota Agro Central entre Rondônia e Mato Grosso; e os Lotes 4 e 5 do Paraná. O Ministério também estuda um plano nacional de ferrovias de R$ 20 bilhões, com a ressalva de que os projetos ainda dependem de recursos que virão das renegociações com as operadoras ferroviárias que firmaram renovação antecipada no governo passado, além de outras prorrogações em pauta.
A participação dos fundos de investimento tem marcado a fase atual das concessões de rodovias. Nem sempre foi assim. No início do século, as protagonistas eram as grandes construtoras, e a concorrência era grande. Em média, oito empresas participavam de cada disputa até 2014. A Operação Lava Jato afastou as construtoras. Nas 13 outorgas de rodovias realizadas entre 2015 e 2024, havia 2,5 participantes em média, e os principais players eram as concessionárias. Mais recentemente chegaram os participantes do mercado financeiro, gestoras de fundos de investimentos, muitas vezes em parceria com as construtoras e concessionárias. Na rodada de concessões federais e estaduais da semana passada, havia investidores internacionais e novos players nas disputas.
Para atrair esses investidores mais exigentes, não basta um cardápio de projetos atraentes e com potencial de retorno, especialmente em momento de juros em alta. Um avanço institucional positivo ocorreu com os ajustes na Lei de Licitações, com a preocupação ambiental e com o marco regulatório das garantias e compartilhamento de riscos. Mas é preciso também oferecer segurança jurídica, com estabilidade e previsibilidade de regras, e reforçar o papel das agências reguladoras, que estão em xeque neste momento. O ajuste fiscal é vital para atrair o investidor privado, em especial o estrangeiro, assegurando estabilidade econômica e ambiente propício aos investimentos.
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