O Globo – O som à moda antiga anuncia a chegada do transporte coletivo de design arrojado. Mas nem o toque do sino, que lembra o dos bondes do passado, nem a imponência em movimento do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) são suficientes para abrir caminho no centro do Rio. Pelo contrário. A iminência de sua passagem provoca alvoroço: pedestres tratam de correr para atravessar fora da faixa, ciclistas se arriscam perto da composição e vendedores ambulantes empurram carrinhos diante da cabine, onde o piloto com frequência se vê obrigado a reduzir a velocidade para evitar acidentes.
Na manhã da sexta-feira passada, entre 11h e 12h, a equipe do GLOBO presenciou cenas típicas da rotina na Avenida Rio Branco: pessoas ignoravam os sinais de alerta e colocavam suas vidas em risco ao cruzarem os trilhos sem a devida atenção.
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— Quando o VLT está vindo, espero ele parar na estação e atravesso rápido. Não tenho medo porque ele vem devagar. Sei que é errado, mas facilita a minha vida — confessou um pipoqueiro enquanto empurrava seu carrinho.
A situação é ainda mais crítica no cruzamento da Rio Branco com a Avenida Nilo Peçanha, onde o tráfego de bicicletas e até ônibus que invadem os trilhos é constante. Motoristas buscam fugir dos congestionamentos, transformando a região em um cenário de desordem e risco.
— Aqui é comum. Quem trabalha ou frequenta a Rio Branco está acostumado a ver isso. Eles fazem porque não há fiscalização suficiente. Cada um faz o que acha melhor, sem pensar nos riscos — comentou Ana Lúcia Machado, vendedora de uma loja de celulares na região.
Fiscalização insuficiente e números alarmantes
Desde a implantação do videomonitoramento, em dezembro de 2023, a Guarda Municipal do Rio (GM-Rio) já aplicou 14.689 multas por irregularidades nos trilhos do VLT. Dessas, 13.689 foram por invasão de veículos aos trilhos, infração considerada gravíssima pelo Código de Trânsito Brasileiro. A penalidade inclui multa de R$ 293,45 e perda de sete pontos na carteira.
Ainda assim, os números não parecem refletir uma mudança de comportamento. Outros tipos de infração, como estacionamento irregular, também foram registrados, com 404 multas aplicadas no período. Carros, motos e até patinetes são estacionados na via, entre os trilhos, sem a menor preocupação.
Gerente executivo de Operações do VLT Carioca, Rodrigo Feitoza, explica as ações para conscientizar a população:
— Fazemos alertas sonoros, campanhas educativas e treinamos nossas equipes para garantir a segurança. Durante as férias, essas ações são intensificadas, pois muitos visitantes desconhecem as regras de trânsito. Nosso objetivo é evitar acidentes e reduzir as infrações.
Apesar dos esforços, a falta de policiamento contínuo e a ausência de placas claras que sinalizem a proibição de circulação nos trilhos agravam o problema.
— O VLT piorou a circulação de pessoas. Na Sete de Setembro, várias lojas fecharam porque o movimento diminuiu. Além disso, as pessoas continuam andando pelos trilhos porque sabem que dificilmente serão multadas. Carioca não gosta de seguir regras — reclamou Carlos Mendonça, vendedor ambulante que trabalha na região há mais de 20 anos.
Cultura de desrespeito às regras
A desordem diária no entorno do VLT revela um desprezo pelos riscos associados à circulação nos trilhos. Muitos pedestres acreditam que, por ser um modal mais lento, o VLT não apresenta grandes perigos.
— Mais do que uma questão de fiscalização, o problema reflete uma cultura de desrespeito às normas de trânsito e ao espaço público. A circulação nos trilhos, além de ser uma infração grave, coloca em risco vidas e compromete o funcionamento do VLT, um modal essencial para a mobilidade urbana no Rio de Janeiro — disse o empresário Marcos Castello, que tem um escritório na região e passa todos os dias pela via.
Acidentes também são frequentes, segundo as pessoas que circulam no local. O entregador André Santos, de 23 anos, por exemplo, conta já ter presenciado atropelamento envolvendo o VLT ao menos duas vezes entre o ano passado e este ano.
— No mês passado, uma rapaz que estava de bicicleta foi passar pelo cruzamento sem olhar. O VLT estava vindo e não deu tempo de frear. Ele caiu no chão com a bicicleta e teve alguns arranhões. Por sorte, não sofreu algo pior — disse o entregador.— As pessoas acham que o VLT é inofensivo porque não corre tanto quanto um ônibus ou um carro. Mas é perigoso, e a negligência pode levar a acidentes graves.
Enquanto isso, comerciantes e moradores da região apontam para a falta de ações efetivas por parte das autoridades. Na Sete de Setembro, um dos pontos mais movimentados, a circulação de veículos e pedestres em áreas proibidas é constante.
O comandante da GM-Rio, inspetor-geral José Ricardo Soares, reconhece os desafios:
— O VLT está em operação desde 2016 e já faz parte da rotina da cidade. Contudo, muitos motoristas e pedestres ainda desrespeitam as regras, assumindo o risco de provocar acidentes. A fiscalização é essencial para coibir essas práticas e promover uma mudança cultural. Respeitar as normas evita acidentes e melhora o trânsito como um todo.
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