Folha de S. Paulo – A escalada da taxa básica de juros nos últimos meses pode prejudicar a participação do setor de infraestrutura em projetos que exijam um grande investimento de capital, diz André De Angelo, diretor-país da Acciona no Brasil. Segundo ele, com a Selic mais alta, algumas empresas terão de aguardar o momento adequado para participar de licitações.
Em entrevista à Folha, De Angelo diz que a alta nos juros não afetou a atividade da Acciona no Brasil. Entre outros projetos, a companhia espanhola está à frente da construção da Linha 6-Laranja do metrô de São Paulo. Além disso, venceu em setembro de 2024 um lote da PPP (parceria público-privada) da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná) que prevê a prestação de serviços de saneamento em municípios do Paraná.
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“Se eu for pegar a fotografia atual, realmente, é difícil fazer uma dívida de 20 anos [para algum projeto] com essas taxas de hoje. Mas daqui a seis meses a gente não sabe. Isso não nos assusta”, afirma.
Apesar do cenário macroeconômico difícil para o setor, De Angelo diz que os contratos de concessões evoluíram e hoje preveem compartilhamento de riscos com o poder público, o que torna os projetos mais equilibrados, afirma.
Por que decidiram competir pelo lote da Sanepar, a primeira PPP da Acciona no setor de saneamento, no ano passado?
Nós estivemos participando de uma PPP do primeiro leilão da Sanepar e perdemos. O segundo pacote, que foi esse do ano passado, tinha três lotes divididos no estado. Nós seguimos estudando e participamos com bastante competitividade e terminamos ganhando um dos lotes.
Mas o que fez essa PPP ser interessante para a Acciona?
O que a gente enxerga como saneamento é a qualidade de vida das pessoas. Nesse nosso lote, tem 48 municípios que hoje estão com uma média de só 25% do esgoto tratado. Poder dar dignidade para essas pessoas, eu acho que isso que nos chama a atenção.
No ano passado, depois da privatização da Sabesp, o presidente da companhia paulista, Carlos Piani, disse que “quem tem que fazer política pública é o Estado”. Como a Acciona enxerga isso? Com a Sanepar, as políticas públicas ficarão para o governo do Paraná?
A política pública é sempre, por definição, pública. É dever do Estado.
No nosso caso, nós temos que investir em estações de tratamento de esgoto, em redes coletoras e entregar esses esgotos tratados de volta aos mananciais dos rios. Isso cabe a nós.
A empresa já está de olho em algum outro leilão no setor de saneamento?
Sim, nós estamos acompanhando o mercado. Nós acompanhamos a licitação de Bauru, aqui em São Paulo. O edital foi suspenso. Também íamos participar de Ipatinga, em Minas Gerais. Nós tivemos visitas, tudo, mas o edital também foi suspenso.
Sabesp nunca foi do interesse da Acciona?
No caso da Sabesp, o modelo por meio do qual foi feita a licitação, com a questão da transferência de ações, da venda de ações, não é o modelo que nós buscamos. A gente busca um modelo no qual a gente possa agregar com engenharia, com construção, com tecnologia.
[Na Sabesp] Nós estaríamos como acionistas de referência, mas não estaríamos atuando diretamente na gestão da companhia, na questão de inovação e tudo mais.
Em São Paulo, a Acciona é responsável pelo projeto da Linha 6-Laranja e está fazendo os estudos da Linha 16-Violeta. Ao redor do mundo, a empresa esteve à frente de projetos como o metrô de Dubai, a expansão do metrô de Madri etc. Existe alguma diferença entre fazer esses projetos em outros países e fazer no Brasil?
Sob o ponto de vista técnico, sim, existem diferenças, porque cada projeto de metrô tem as suas características de acordo com a demanda, a quantidade de usuários, a profundidade da linha.
De início, a Linha 6 não era complicada tecnicamente. Ela era complicada administrativamente. Existia um contrato de concessão com sócios anteriores que não levaram adiante o projeto por dificuldades financeiras em razão da época. Isso fez com que o estado buscasse outros potenciais investidores que pudessem assumir essa concessão. Foi quando nós entramos em uma negociação totalmente transparente, aberta, pública, com o governo do estado [de São Paulo] e com os sócios anteriores.
Todo esse problema administrativo, com construtoras do consórcio passado envolvidas na Operação Lava Jato e com a paralisação das obras, trouxe alguma herança ruim ao projeto?
Não, pelo contrário. Era um projeto que estava havia tantos anos parado, um projeto tão necessário para São Paulo. A nossa entrada foi vista como uma solução.
Sobre a Linha 16-Violeta, a Acciona começou muito recentemente os estudos. Dá para ter uma previsão de quanto tempo levaria para construir o ramal?
Hoje nós temos a obrigação de entregar os estudos para o governo do estado em maio. A partir daí, se o governo estiver de acordo e realmente for um projeto viável e necessário, o estado fará uma licitação pública para uma PPP. E entra nos passos previstos em lei, ou seja, audiências públicas, discussão com a sociedade, preparação de documentação.
Se tudo correr dentro dos prazos legais e o governo for cumprindo as etapas, existe a previsão de o governo licitar esse projeto em novembro deste ano.
Se a Acciona assumir essa obra, tem uma ideia de quanto tempo levaria para ficar pronta?
Isso é um projeto de sete anos para construção de 100% da linha. Dependendo do traçado que for tomar, conexões com algumas outras linhas, [uma primeira parte da] Linha 16 pode vir a ser liberada antes de estar 100% concluída.
Seria um prazo aproximado de sete anos.
Sim. É um prazo normal para um projeto desse tamanho.
Em relação ao contrato, o que que faz um projeto como a Linha 16-Violeta chamar a atenção da Acciona?
O contrato deve ser equilibrado. Uma parceria é quando existe um ganha-ganha —quer dizer, quando é um contrato justo, equilibrado, quando as duas partes ganham. Hoje nenhuma empresa industrial faz obras sem ter lucro.
Mas o que faz o contrato ser equilibrado?
Compartilhamento de riscos. Tem riscos que a engenharia assume e tem riscos que o poder concedente assume. Esse é o contrato equilibrado.
Se tu olhas como eram os contratos daquela época e como são hoje, houve uma evolução positiva tremenda. Hoje nós nos sentimos muito cômodos e confortáveis em entrar em projetos de longo prazo no Brasil, em razão da evolução dos contratos administrativos.
Estamos vendo no cenário macroeconômico brasileiro uma expectativa de que os juros aumentem mais ainda neste ano. Isso traz algum tipo de insegurança para o setor, para a execução das obras ou para a competição em novos leilões?
O Brasil sempre foi assim. Sempre teve momentos de muita estabilidade econômica, com taxas de juros baixas, outros momentos com taxas de juros altas, e o país sempre se ajustou.
Hoje, nós estamos vivendo uma situação de juros altos. Mas há dois anos não estava assim. E, quando nós fechamos [o contrato da] Linha 6 [em 2020], então, era mais baixa ainda. Nós entendemos que isso é uma situação pontual que está se equacionando.
Existe muita intenção do próprio governo federal, principalmente, em fazer ajustes fiscais, melhorar o gasto público.
Os projetos que nós estamos olhando hoje são projetos que se viabilizam em dois anos. Até que isso venha a ser contratado, passam-se meses, semestres. Se eu for pegar a fotografia atual, realmente, é difícil fazer uma dívida de 20 anos [para algum projeto] com essas taxas de hoje. Mas daqui a seis meses a gente não sabe. Isso não nos assusta.
Mas isso pode atrapalhar projetos novos? Se aparecer um leilão agora, talvez não seja tão interessante para competir?
Principalmente se o projeto tiver uma necessidade de capital muito grande, um capex [investimentos] muito grande e que grande parte dele venha por meio de dívida. Aí com certeza prejudica os interessados. Empresas poderão olhar para um projeto muito interessante, porém, com essas taxas de hoje, terão que aguardar o momento adequado para que ele venha sair. Mas isso não nos preocupa.
E até agora isso não atrapalhou a Acciona?
Não. No ano passado teve [o leilão da] Sanepar, e a taxa não era tão baixa [a Selic estava em 10,75% ao ano em setembro de 2024].
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/02/e-dificil-fazer-divida-de-20-anos-com-juro-de-hoje-diz-diretor-de-construtora-de-linha-do-metro-de-sp.shtml
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