Primeiros passos do hidrogênio verde encontram obstáculos

Valor Econômico – O mercado brasileiro de hidrogênio de baixo carbono promete. Cerca de R$ 200 bilhões em investimentos em 20 novas plantas estão anunciados até agora, e projeções do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Agência Internacional de Energia (IEA) indicam que o país pode suprir até 5% da demanda global até 2040 e se tornar um dos principais exportadores do combustível.

As projeções se baseiam em vantagens como a abundância de fontes de energia renovável, a extensão territorial, demanda interna crescente e posicionamento estratégico para exportações, com proximidade dos principais mercados consumidores (América do Norte e Europa).

Apesar disso, o chamado hidrogênio verde (H2V) ainda não decolou no país, mal contando 1% no conjunto “outras” fontes renováveis na matriz energética brasileira. Pouquíssimos daqueles 20 projetos saíram do papel até agora, e os que saíram ainda estão em escala-piloto.

O motivo não é um só, são vários, que cercam um setor ainda em construção. Somente no ano passado é que foram sancionadas as leis (14.948/24 e 14.990/24) que criam o marco legal e uma política nacional para o hidrogênio de baixo carbono.

Andréa Santos, professora do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, diz que o marco legal foi um passo fundamental para impulsionar o desenvolvimento do mercado de H2V, mas para que o setor se consolide é necessário superar uma série de gargalos.

Santos, que coordena o Laboratório de Transporte Sustentável (LabTS) da Coppe, dedicado à produção e aplicação de H2V em soluções de mobilidade urbana, lista como principais desafios o amadurecimento tecnológico para escalonar a produção e entrega do produto final; a infraestrutura necessária para transporte e segurança; e problemas técnicos que envolvem a produção, compressão e armazenamento e certificação do combustível.

Davi Bomtempo, superintendente de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), acrescenta recursos financeiros à lista de lacunas: “Fazer uma transição para baixo carbono custa, e custa caro. Precisamos desenvolver mecanismos para ter esse financiamento competitivo e acessível”.

Uma questão-chave para produção de H2V é a disponibilidade de eletricidade de fontes renováveis. Embora o Brasil conte com fontes limpas para praticamente metade da matriz energética, problemas têm surgido na transmissão e distribuição. “Eu não consigo dizer hoje que tem energia para os projetos”, afirma Fernanda Delgado, diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), referindo-se a deficiências na transmissão e distribuição. Segundo ela, a entidade está trabalhando neste momento com os órgãos reguladores para encontrar um equilíbrio entre oferta e demanda e as conexões de linhas do sistema elétrico.

No fim de março, empresas com instalações de H2V no porto do Pecém, no Ceará, relataram dificuldades no acesso à infraestrutura para conectar as plantas à rede de energias solar e eólica. O obstáculo foi atribuído ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que indeferiu pedidos de acesso. Em nota, o ONS informou que atua em conformidade com os procedimentos de rede e cumpre rigorosamente suas atribuições em relação às solicitações de conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN). O ONS explica ainda que conectar grandes consumidores, como os projetos de H2V, é um desafio e uma operação complexa, além de uma demanda recente, que trouxe novas variáveis a serem consideradas no planejamento do setor elétrico, mas que o órgão “vem trabalhando em conjunto com o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para viabilizar soluções estruturantes que permitam a futura conexão de novas cargas”.

Uma daquelas empresas de Pecém é a mineradora australiana Fortescue, que está na fase de engenharia de um projeto com capacidade de geração de 1,2 GW, previsto para entrar em operação no fim de 2026. “A transmissão é uma incerteza. Os investidores ainda estão apostando no Brasil, mas se não se resolver rápido, você começa a ter fuga de possíveis investimentos”, afirma o CEO da companhia, Luis Viga.

Eugenio Figueiredo, CEO da Porto do Açu Operações (terminal pertencente ao grupo Prumo), opina que o grande desafio das companhias que estão investindo em H2V é garantir compradores contratuais (offtake) para seus produtos. “Alguns já têm uma aceitação e um mercado um pouco mais desenvolvido, outros têm um pouco mais de desafio em termos de obter um offtake firme, mas eu diria que esse é um dos principais pontos que as empresas estão trabalhando para conseguirem evoluir.”

O porto do Açu tem contrato com quatro empresas que fizeram a reserva de área para produção futura de H2V e planejam iniciar operação a partir de 2028. São três dedicadas à produção de amônia verde, voltada para a produção de fertilizantes – Sempen, Fuella e Yamna – e uma que vai produzir e-metanol, a chilena HIF Global.

Questionado sobre quando pretende anunciar a regulamentação do marco legal, o MME informou que o processo está em andamento e as discussões estão no âmbito do Comitê Gestor do Programa Nacional do Hidrogênio (Coges-PNH2).

Fonte: https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/revista-energia/noticia/2025/05/30/primeiros-passos-do-hidrogenio-verde-encontram-obstaculos.ghtml

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