‘Temos feito escuta ativa’, diz chairman da Vale

Valor Econômico – Desde o fim do ano passado, a Vale, uma das grandes mineradoras mundiais, assumiu uma série de compromissos financeiros em dois grandes acordos com o governo: a reparação definitiva da tragédia de Mariana (MG), ocorrida em 2015, e a renovação antecipada de concessões ferroviárias da companhia. Só no caso de Mariana, o acordo envolve o pagamento de R$ 132 bilhões em 20 anos a serem arcados pela mineradora em parceria com a sócia BHP e com a controlada Samarco. A essas obrigações se somam outras, como o desembolso de dividendos aos acionistas e os investimentos que a companhia tem que fazer na operação no dia a dia.

Esse conjunto de obrigações, maior do que se esperava quando a empresa começou a negociar Mariana com o governo, levantou dúvidas em agentes do setor sobre possíveis efeitos na dívida em um contexto de incertezas para o minério de ferro, o principal produto da companhia, cenário esse agravado pela guerra tarifária aberta em abril pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O “tarifaço” pode provocar desaceleração econômica global e queda na demanda por commodities, caso do minério de ferro, o que até o momento não aconteceu.

“Não vamos estrangular a companhia, a geração de caixa, com essas obrigações”, diz o presidente do conselho de administração da Vale, Daniel Stieler, reconduzido em assembleia de acionistas da empresa, na quarta-feira (30). Ele reforça, assim, mensagem de otimismo responsável, algo que o comitê executivo, capitaneado pelo presidente da empresa, Gustavo Pimenta, também tem se encarregado de fazer.

O que a Vale fez ao fechar os acordos, diz Stieler, foi resolver problemas que eram motivo de preocupação interna e do mercado. Até sacramentar o acordo de Mariana, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), havia dúvidas sobre qual seria o tamanho da conta. Ela veio maior do que se falava no começo das tratativas, mas ainda assim compatível com o cenário base de geração de caixa projetado pela companhia. “Não assumiríamos compromissos se não tivéssemos segurança de que a geração de caixa iria suportar.”

No cálculo também entram os dividendos, segundo o estabelecido na política de remuneração aos acionistas. A Vale considera o pagamento mínimo de 30% do lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) menos o investimento corrente. No ano passado, a empresa teve um Ebitda de US$ 14,8 bilhões (R$ 90 bilhões) e investiu US$ 6 bilhões (R$ 36,6 bilhões), distribuindo R$ 26,9 bilhões referente ao exercício fiscal em duas parcelas (setembro de 2024 e março de 2025).

No primeiro trimestre de 2025, a Vale terminou o período com dívida líquida expandida, conceito que inclui os compromissos com Mariana e com outra tragédia, a de Brumadinho, de US$ 18,2 bilhões, alta de 11% em relação há um ano. O aumento foi motivado pelo pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio. A vantagem da Vale é que a empresa é forte geradora de caixa e tem mantido compromisso com as finanças, o que no jargão corporativo é chamado de “disciplina de capital”.

É esse lado positivo que Stieler prefere destacar, sem esquecer dos desafios que a Vale tem, os quais são, nas palavras dele, “enormes”. O chairman diz que trabalha em sintonia com o CEO, Pimenta. “O conselho é sempre orientado pelo comitê executivo”, diz Stieler, e acrescenta: “não queremos ser um conselho protocolar, mas um conselho que ajude a administração a encontrar alternativas.” Ele separa a alta administração nesses dois colegiados: o comitê executivo, no qual estão Pimenta e sete vice-presidentes, e o conselho de administração, formado por 13 pessoas.

“Tentamos criar um clima de harmonia entre esses dois colegiados”, diz Stieler. A busca por um maior equilíbrio nas relações – dentro da Vale e dela para com públicos de interesse – vem depois de um período, em 2024, em que a empresa enfrentou uma sucessão de CEO conturbada, com tentativas de ingerência do governo em uma companhia que, desde 1997, é privada e que, em 2020, tornou-se “corporation”, sem controle acionário definido.

Essas duas instâncias (conselho e comitê) passaram por mudanças desde que Pimenta, antes vice-presidente financeiro da Vale, tomou posse, em 1º de outubro do ano passado. A alteração mais recente passa pelo advogado Sami Arap, que assume, em 2 de junho, como vice-presidente executivo jurídico no lugar de Alexandre D’Ambrosio, cuja saída era especulada.

No conselho de administração, que vai ditar os rumos estratégicos da companhia no período 2025-2027, também houve mudanças. A eleição para o colegiado, na quarta-feira (30), ocorreu sem sobressaltos. Foram eleitos 12 indicados pela empresa e os acionistas também referendaram um representante dos empregados.

Houve três mudanças na formação. Entraram o holandês Wilfred Theodoor Bruijn, o americano Franklin Lee Feder e a brasileira Anelise Lara. O trio entra nas vagas de Paulo Hartung, do australiano Douglas Upton e de Luis Henrique Guimarães, que pediram para sair. Dos 13 integrantes do colegiado, oito são independentes e quatro ligados a acionistas de referência: Previ (dois), Mitsui e Bradespar. Há três mulheres e quatro estrangeiros no conselho.

O colegiado eleito representa uma continuidade daquele cujo mandato terminou esta semana. “O grande desafio de um conselho de administração é a formação de um comitê executivo de alta performance”, diz Stieler, uma vez que são esses executivos que vão executar a estratégia definida pelos conselheiros.

Stieler diz que, até 2030, a estratégia da Vale se apoia em um tripé que considera ter um portfólio de produtos superiores, parcerias confiáveis com os clientes, as siderúrgicas que compram o minério de ferro, e seguir sendo uma empresa orientada para resultado. Na carteira, a Vale tem produtos de alto teor de ferro e aposta em implantar “mega hubs”, que são complexos industriais para produção de aglomerados, como os briquetes, que ajudam a siderurgia a reduzir emissões de gases.

“O conselho olha estabilidade de produção, segurança e disciplina de capital”, prossegue Stieler. Na produção, há expectativa de que o governo edite decreto tratando de mineração em áreas onde há cavidades (cavernas), o que, segundo Stieler, uma vez aprovado, vai ajudar a reduzir custos. A estabilidade de produção também se aplica à Vale Base Metals (VBM), separada da empresa-mãe, com ativos no Canadá e Brasil, e na qual há anos a Vale tem dificuldades de garantir melhores resultados.

Stieler diz que, desde outubro, quando Pimenta assumiu, a empresa fez visitas a 50 ou 60 acionistas nos Estados Unidos e na Europa, Ásia e Brasil, sobretudo para ouvi-los. E qual é a preocupação dos estrangeiros, mais da metade da base acionária da empresa, sobre as tentativas de ingerência do governo na Vale? “Esse investidor [o estrangeiro] está mais longe e por vezes a informação chega a ele de forma ruidosa. Mas temos dado direito a um processo de escuta, que é muito importante”, diz Stieler. No Brasil, Pimenta tem melhorado o diálogo com o governo, antes conturbado. “Estreitamos a relação, mas é uma relação responsável”, diz Stieler.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/05/02/temos-feito-escuta-ativa-diz-chairman-da-vale.ghtml

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*



0