Estadão – O consórcio liderado pela Vale com o grupo mineiro Cedro Participações e a BNDESPar fez as contas e não viu retorno do investimento de US$ 5,5 bilhões (equivalente a R$ 31 bilhões) em projeto da mineradora Bahia Mineração (Bamin). A tendência é que desembarque do negócio até o final do mês.
O governo tenta, neste meio tempo, encontrar um sócio estrangeiro para viabilizar o negócio e reduzir a parcela de investimento necessário da Vale e do BNDES, mais o grupo Cedro, que se tornariam sócios segundo o desenho discutido pelo governo.
Pessoas próximas ao projeto disseram ao Estadão que as contas do investimento para produção de 26 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, no período de 20 anos, não fecham. Sob controle do grupo Eurasian Resources Group (ERG), do Cazaquistão, há uma década e meia, a obra é de grande interesse da gestão petista da Bahia e do governo federal, à frente o Presidente da República e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que foi governador da Bahia.
O Palácio do Planalto tem feito pressão desde 2023 para que a Vale assuma o projeto, adquirindo a mineradora ERG e colocando em marcha todas as obras a serem executadas. O grupo cazaque é controlador da mineradora desde 2010, e diz ter investido cerca de US$ 2,2 bilhões (R$ 12,3 bilhões ao câmbio atual). Decidiu não pôr mais dinheiro no empreendimento e busca uma saída.
O projeto da Bamin, empresa criada em 2005 em Caetité, sudoeste da Bahia, envolve uma mina de ferro para 26 milhões de toneladas por ano, a conclusão de uma ferrovia de 537 km (Ferrovia de Integração Oeste-Leste-Fiol 1) e um porto marítimo para receber navios de grande porte situado 12 km ao norte da cidade de Ilhéus (BA), apto para exportação de minério, grãos e cargas gerais.
O trecho da ferrovia e o porto, chamado de Porto Sul, fazem parte do traçado da via Bioceânica, que o governo deseja deslanchar com o apoio da China para cortar o País de leste a oeste e escoar a produção pelo Peru até os portos chineses.
O grupo cazaque não dispõe de recursos para bancar o investimento sozinho e, por isso, tem buscado compradores para a empresa ou sócios estratégicos. Segundo informações obtidas pelo Estadão, a Bamin parou de fazer as obras do trecho 1 da Fiol, cuja concessão arrematou em leilão do governo federal em 2021, e também do terminal portuário em Ilhéus.
Cerca de 60% da obra da ferrovia está realizada, mas requer ainda vários bilhões de reais para ser completada entre Ilhéus e Caetité. O porto teve início apenas das obras de acesso e outras na parte marítima.
O negócio, em uma nova configuração societária com a Vale, contaria com fontes públicas de financiamentos, principalmente o BNDES, e com verbas do próprio Orçamento da União, além de uma linha especial do Fundo da Marinha Mercante (FMM) para o terminal. Ficou a cargo da Vale, pelo seu peso global no setor de minério de ferro, adquirir o controle da Bamin para seguir com o projeto e torná-lo realidade.
A empresa já avaliava o projeto desde 2022, mas intensificou estudos mais detalhados de viabilidade técnica e econômica do ano passado para cá, com o aumento da pressão do governo federal. No entanto, conduziu a passos lentos, pois, conforme pessoas próximas da companhia, esse investimento não é atrativo para mineradora, que vê retorno de investimento mais robusto na região de Carajás (PA).
De qualquer forma, decidiu estudar o projeto após reiterados pedidos do governo Lula. Mas optou por ter parceiros para diluir os aportes financeiros na retomada da Bamin. A Vale decidiu formar, há cerca de um ano, um consórcio com o grupo Cedro, do empresário mineiro Lucas Kallas, e com a BNDESPar, braço de investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que surge como um grande financiador do investimento.
Antes, a companhia tentou formar parcerias com uma grande siderúrgica da China e com a maior mineradora saudita, mas a iniciativa não prosperou.
Reestruturação do capital
A Vale não colocou porta-voz para comentar o processo de compra do controle da mineradora de ferro. Em nota, via assessoria de imprensa, a empresa informou que não comenta o assunto e reiterou comunicado de janeiro deste ano, no qual diz que “as avaliações de oportunidades de investimento são exercidas no curso regular de suas atividades, em especial aquelas sobre ativos com potencial contribuição às prioridades estratégicas da Companhia.”
A Cedro participações também informou que não comenta o assunto.
A Bamin também se pronunciou em nota. A empresa informou que “está em processo de reestruturação de capital, conduzido por sua controladora, o Grupo ERG, com o objetivo de buscar novos investidores e viabilizar as próximas etapas do Projeto Pedra de Ferro”. E acrescentou que não comenta especulações de mercado sobre negociações em andamento.
A mineradora baiana confirmou que as obras da ferrovia e do porto estão suspensas, mantendo ativas as ações de manutenção, os investimentos nos programas socioambientais e o cumprimento de compromissos regulatórios. Destacou ainda que “a companhia tem concentrado seus esforços na busca por parceiros estratégicos e na viabilização do financiamento do projeto integrado”.
O projeto da Bamin voltou ao radar da Vale três anos atrás, quando o tema da descarbonização (redução das emissões de dióxido de carbono) ganhou prioridade nas siderúrgicas. A produção de minério de ferro prevista pela empresa contempla mais de 60% de produto com teor de ferro acima de 65%, que passou a ser desejado pela maioria das siderúrgicas que utilizam minério como matéria-prima.
Segundo um especialista que conhece bem o empreendimento, para o negócio ser viável, a produção teria de ser na faixa de 40 milhões de toneladas por ano devido ao elevado investimento. A escala de produção tem de ser mais ampla. Para esse volume, é necessário uma reserva de minério maior que a atual, inferior a 600 milhões de toneladas medidas, para garantir vida útil de ao menos 25 anos.
Plano B para o negócio
Duas possibilidades, ou mais, poderiam reverter o desembarque do consórcio da Vale do negócio, informou um conhecedor do assunto.
Uma delas seria a execução da obra da ferrovia e do terminal portuário por outros investidores, por exemplo, grupos chineses na área de infraestrutura. O consórcio liderado pela Vale faria investimento apenas na mina Pedra de Ferro e pagaria tarifa ferroviária e portuária a valor de mercado para o operador logístico.
Na semana passada, o presidente Lula e uma grande comitiva estiveram na China em busca de investimentos para a construção da Ferrovia Bioceânica ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico. Mas, segundo um integrante da comitiva, as conversas são preliminares e dizem respeito principalmente ao assessoramento técnico que os chineses podem oferecer ao Brasil. Ou seja, ainda não se falou em potencial investimento.
A obra prevê um traçado entre Ilhéus (Porto Sul), cruzando outros Estados brasileiros e os Andes, até o megaporto peruano de Chancay, no Oceano Pacífico, a cerca de 80 km da capital Lima.
No mês passado, uma delegação de engenheiros chineses esteve na região junto com representantes do Ministério dos Transportes e da Casa Civil. Além do trecho sob concessão da Bamin, haverá a necessidade de aportes do Orçamento da União, segundo o desenho elaborado pelo governo federal, para ligar este trecho às partes 2 e 3 da Fiol e em seguida à Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), que corta Goiás (partir da Norte-Sul) e avança por Mato Grosso e Rondônia, com 1,641 quilômetros.
A via passará por regiões de produção de soja e milho, como Barreiras, na Bahia, e também em Goiás e Mato Grosso. A Fiol é a menina dos olhos do governo Lula, de olho na campanha da eleição presidencial de 2026, bem como do ministro da Casa Civil, Rui Costa, que é baiano e ex-governador do Estado.
Outra alternativa que poderia tornar o negócio mais palatável para o consórcio da Vale seria encontrar um grupo investidor do agronegócio (grãos e fertilizantes) para dividir a fatura para construir o Porto Sul. O investimento é da ordem de US$ 1,5 bilhão (R$ 8,4 bilhões).
No ano passado, em setembro, a Bamin ganhou prioridade para empréstimo de R$ 4,6 bilhões do FMM (fundo vinculado ao Ministério de Portos e Aeroportos) para viabilizar a construção do terminal portuário. O fundo é abastecido pela arrecadação de uma taxa que incide sobre o transporte de cargas.
Crivo do conselho da Vale
Além de passar pela aprovação da diretoria de fusões e aquisições da Vale, que conduziu todos os estudos, o investimento bilionário precisa ser analisado pelo Comitê de Investimento da empresa, que é formado por alguns conselheiros e pelo CEO, Gustavo Pimenta. Somente depois dessas etapas o negócio vai ao crivo final do conselho de administração da empresa, formado por 13 membros, que dá a palavra final.
Há conselheiros no colegiado da companhia totalmente contrários a uma decisão da mineradora de investir nesse projeto. A alegação é que a Vale tem outras frentes de investimentos mais atrativas em termos de retorno, como ampliar as operações de Carajás.
Além disso, é vista com desconfiança a eventual sociedade com o governo federal no empreendimento, por meio da BNDESpar, o que poderia tornar a empresa mais suscetível às pressões de Brasília.
Nas discussões internas, as perguntas que são feitas é se o projeto é apenas para atender o governo ou se faz sentido economicamente para a Vale. Esse é o escrutínio feito principalmente pelos conselheiros que representam investidores estrangeiros.
Segundo relatos de pessoas próximas da Vale, Pimenta tem feito malabarismos para contornar os pleitos políticos reiterados em favor do projeto da Bamin.
Nas negociações com o grupo cazaque, a cargo da Vale, segundo pessoas a par das tratativas, o ERG vinha pedindo cerca de US$ 1,2 bilhão (R$ 6,7 bilhões) para sair do negócio. Porém, no momento, estaria concordando em repassar a Bamin sem receber nada — apenas transferindo as obrigações das concessões, que são grandes em caso de inadimplência.
O desenho societário preliminar do negócio, caso vingue, prevê que a Vale terá de 50% a 60% do capital da Bamin, enquanto o grupo Cedro teria de 20% a 30% e a BNDESPar, até 20%, de acordo com interlocutores próximos da negociações. E o controle da empresa, por se tratar de uma joint venture, seria compartilhado.
Fim do direito de preferência
Com a demora na decisão do consórcio da Vale, o grupo cazaque impôs um prazo de “preferência nas negociações” à mineradora brasileira, o qual vigora até o final de maio, de acordo com interlocutores. A partir de junho, o grupo ERG poderá fazer tratativas com outros potenciais interessados.
Quem demonstrou interesse, até o momento é a Brazil Iron, empresa de investidores europeus baseada em Londres, que tem jazidas de ferro próximas da Bamin. Em março, a companhia inglesa teria feito uma oferta de compra do controle da Bamin por US$ 1 bilhão (R$ 5,65 bilhões), mas teria pedido seis meses de prazo para levantar o capital, segundo informação obtida pelo Estadão.
Procurada, a empresa informou que não comentaria o assunto, mas não negou a proposta de compra. E admitiu que seu projeto, situado ao norte da cidade de Brumado, tem sinergias com o da Bamin, principalmente com a ferrovia e o porto. Por ora, a questão crucial parece ser financeira: comprar o controle da mineradora e para os investimentos na ferrovia e no porto, além de instalar a mina.
A empresa é detentora de concessões de minério de ferro em uma região que abrange os municípios baianos de Piatã, Abaíra e Jussiape, cerca de 120 km ao norte de Brumado, onde passa os trilhos da Fiol 1 sob concessão da Bamin.
O projeto da Brazil Iron, sem incluir Bamin, é atualmente avaliado em US$ 5 bilhões para produzir 10 milhões de toneladas em uma mina que seria montada em Piatã, num ramal ferroviário (120 km até a Fiol) e em plantas de pelotização de minério e produção de HBI (minério briquetado a quente) ao lado de um porto, como o Porto Sul, desde que haja oferta de gás natural.
Até o momento, a empresa diz que já investiu mais de R$ 1,5 bilhão em pesquisas mineral e de metalurgia e que suas reservas de minério na região (“com alto grau de confiança”) são da ordem de 1,6 bilhão de toneladas.
O produto final gerado, informa, é pellet-feed com 67,2% de teor de ferro, propício para produção de HBI, matéria-prima desejada por siderúrgicas no mundo para fabricar aço com menor emissão de CO2. Os investidores ingleses contam com apoio do governo baiano para sesse projeto e para uma potencial incorporação da Bamin.
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