Aumenta pressão para plano de saída de combustível fóssil

Valor Econômico – Reunidos em Bonn, Alemanha, nas últimas duas semanas, na chamada “pré-COP”, os negociadores dos países que fazem parte da Convenção do Clima na ONU tiveram uma amostra do que devem enfrentar durante a COP30, em Belém, em novembro. Além dos velhos impasses sobre financiamento climático entre países ricos e em desenvolvimento, o encontro foi marcado por protestos da sociedade civil e de cientistas contra a exploração de combustíveis fósseis e por novas evidências científicas apontando para a elevação da temperatura global.

Um relatório do Indicators of Global Climate Change (IGCC), grupo de mais de 60 cientistas, divulgado no encontro, aponta que é cada vez mais improvável estancar o aquecimento global em 1,5 0 C, objetivo primordial do Acordo de Paris. E mais: o orçamento de carbono – quantidade limite de emissões para tornar exequível a meta do tratado – está prestes a ser esgotado nos próximos três anos, caso não haja esforços dos países para reduzir, de fato, as emissões de gases de efeito estufa.

Os cientistas apontam que os planos de extração de combustíveis fósseis existentes, por si só, esgotarão o orçamento de carbono previsto para limitar o aquecimento. Para que a temperatura média global permaneça abaixo desse limiar, as emissões globais devem cair ao menos 48% até 2030, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. No entanto, as emissões continuaram a crescer, o que significa que cortes ainda maiores são necessários para atingir as metas definidas pelo Acordo de Paris.

O Brasil, como anfitrião da COP30, foi pressionado para defender um plano de eliminação dos combustíveis fósseis na conferência de Belém. O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, recebeu uma carta assinada por mais de 250 cientistas de 27 países com cobranças por uma liderança mais enfática do Brasil no chamado “phase-out” do petróleo. Climatologistas brasileiros como Carlos Nobre, Mercedes Bustamante e Paulo Artaxo, assinam o documento. A carta relembra que “o mundo ultrapassou 1,5 0 C de aquecimento em um único ano pela primeira vez registrada, com impactos climáticos crescentes em todos os continentes”, e aponta que “a causa preponderante é nossa contínua dependência de combustíveis fósseis”.

A substituição gradual dos combustíveis fósseis enfrenta barreiras difíceis de serem superadas, como a dependência global dessas fontes e a força econômica dessa indústria, que responde por cerca de 3% do PIB global e movimentou US$ 3 trilhões em 2023. No entanto, diversas projeções têm apontado que a inação em relação às mudanças climáticas pode custar ainda mais caro, abocanhando uma fatia de pelo menos 18% do PIB mundial até 2040, ou seja, US$ 20 trilhões – o cálculo leva em conta principalmente perdas causadas pelos eventos climáticos extremos.

Nos países do G20, que respondem por mais de 80% do consumo de energia do mundo, a dependência dos fósseis é da ordem de 70% de sua energia primária – a exceção é justamente o Brasil, com 50% de participação no consumo de energia primária fóssil.

O país, quinto maior emissor global de gases de efeito estufa, tem uma matriz de emissões diferente em relação ao restante do mundo. Aqui, a agropecuária responde por 37% das emissões brutas, seguida por desmatamento e mudanças no uso da terra (29%) e pelo setor de energia, com 24%, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima. Na média global, energia responde por cerca de 75% das emissões. Essa diferença no perfil de emissões, em tese, muda a prioridade do Brasil para o combate ao desmatamento e para a adoção de práticas agropecuárias que sequestram carbono, muitas delas já preconizadas pela Embrapa.

Os compromissos climáticos de reduzir as emissões entre 59% e 67% até 2035, contidos na NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, a sigla em inglês) brasileira abrangem todos os setores da economia e trazem metas específicas de zerar o desmatamento ilegal e recuperar áreas degradadas. Para especialistas, contudo, isso não elimina a responsabilidade do Brasil em traçar um cronograma para a transição energética.

Karen Oliveira, diretora de políticas públicas da The Nature Conservancy Brasil, traça um paralelo entre o momento atual e a crise do petróleo na década de 1970, que impulsionou a busca por soluções energéticas complementares, como o Proálcool. “Naquele momento, ficou claro que havia limites para o crescimento e alternativas foram viabilizadas. Se hoje o Brasil é potência em biocombustíveis, isso é fruto dessa crise”, diz Oliveira. Para ela, a atual crise que ronda a expansão de energia fóssil é ainda mais grave, indo além de um choque de oferta. “O processo do afastamento gradual dos fósseis deve ser gradual, para não gerar um colapso na economia global. Mas precisa ser acelerado”, diz.

Com predominância (acima de 80%) de energia renovável na matriz elétrica, experiência consolidada na produção de biocombustíveis e produção de petróleo com menor intensidade de carbono, caso do pré-sal, o Brasil parte de uma posição singular para a descarbonização da economia e o alcance das metas climáticas. “Essa combinação oferece ao país uma base robusta para liderar uma transição energética ambiciosa e viável, desde que haja coordenação estratégica entre os setores público e privado e direcionamento adequado dos investimentos”, diz Marina Grossi, enviada especial da COP30 para o setor empresarial e presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), grupo formado por 120 grandes empresas.

A pedido da presidência da COP30, a organização está liderando coalizões para acelerar a descarbonização de seis setores-chave: transportes, energia, florestas, agropecuária, mineração e indústria. A primeira uniu mais de 50 organizações, entre empresas, associações e instituições de pesquisa, e construiu um plano técnico com 90 medidas que podem reduzir em até 70% as emissões dos transportes até 2050. Sozinho, o setor representa em torno de 47% da demanda final de energia no Brasil. Globalmente, responde por quase 25% das emissões de carbono relacionadas à energia.

Segundo o plano, o Brasil tem potencial para liderar a descarbonização do setor em três principais frentes: eletrificação de frotas urbanas; ampliação do uso de biocombustíveis, especialmente para segmentos difíceis de serem eletrificados, como carga pesada e aviação; e mudanças na matriz logística, com maior uso de ferrovias e hidrovias, indo além da predominância do modal rodoviário.

Para Grossi, o país tem vantagens estratégicas para liderar soluções sustentáveis, como o avanço em biocombustíveis inovadores, especialmente SAF (combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês) e hidrogênio verde, que pode contribuir para a descarbonização da indústria e dos transportes.

A despeito da lacuna deixada na COP29, em Baku, no Azerbaijão, onde o tema do “phase-out” dos combustíveis fósseis sequer entrou em pauta, as pressões para que a discussão avance na COP30 vêm de todos os lados. Protestos contra a exploração de petróleo na bacia amazônica foram realizados em Bonn, com lideranças acusando a proximidade dos blocos (leiloados no último dia 17) com territórios indígenas. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) diz que o leilão foi feito sem a devida Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) e sem consultar comunidades tradicionais e indígenas.

“Não procede a informação de que terras indígenas estão sob ameaça direta ou sistêmica”, rebate o Ministério de Minas e Energia, citando a distância de mais de 100 km que separam a costa dos blocos arrematados. A pasta nega que exista um requisito legal para que a oferta de blocos seja submetida a consulta livre, prévia e informada, embora esse tema já tenha sido alvo de questionamentos por parte do Ministério Público Federal. Em relação à AAAS, informa que o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento sobre o tema, ao afirmar que a viabilidade ambiental de empreendimentos dessa natureza deve ser aferida durante o licenciamento ambiental.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/cop30-amazonia/noticia/2025/06/30/aumenta-pressao-para-plano-de-saida-de-combustivel-fossil.ghtml

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